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Toda nova tecnologia que alcança níveis globais requer um certo tempo para sua adaptação. É preciso saber como usar, quais os riscos e possíveis consequências, conhecer os benefícios e buscar recursos para manutenção da tecnologia. Normalmente, todas essas questões levam décadas para serem aperfeiçoadas.

O desenvolvimento tecnológico de veículos, fontes de energia e armas de fogo são alguns exemplos de tecnologias que moldaram a existência da humanidade no último século. No intuito de saber como usá-las, qual a melhor forma de aplicação e entender suas consequências foi preciso remoldar parte da sociedade. Novas estruturas, novas legislações e novos equipamentos surgiram a fim de guiar o uso.

Nos dias atuais, a humanidade ainda aprende a lidar com as consequências do desenvolvimento acentuado das tecnologias da comunicação. Trinta anos atrás, não havia a rede digital que hoje conecta o globo. O telefone fixo evoluiu, passou a incorporar a internet e se espalhou para todo o planeta, moldando a forma como nos relacionamos uns com os outros. Poucas vezes na história, uma tecnologia cresceu tanto e ocupou tanto espaço, fazendo com que alguns especialistas considerem a era digital como uma nova revolução industrial. 

O desenvolvimento dessa tecnologia, ainda em andamento, abarcou múltiplos setores da sociedade, e ainda é preciso alguma adaptação. A comunicação institucional, a propaganda, as relações interpessoais, serviços básicos, ferramentas de pesquisa, as artes, a educação e até o relacionamento profissional migrou para o mundo digital. Devido à velocidade dessa migração, muita coisa passou despercebida.

Problemas ligados à exposição da vida íntima dos usuários, golpes virtuais, limites para uso da Inteligência Artificial, pirataria e espaço para atuação de organizações criminosas são algumas das questões que surgiram no mundo virtual e que ainda representam desafios para diversos setores da sociedade.

Fake news

Um dos principais desafios que a comunicação global integrada traz é o uso da desinformação como ferramenta política, tanto no Brasil como em países como Itália e Estados Unidos, por exemplo. Nos últimos pleitos dessas nações, o disparo em massa de informações falsas sobre determinados candidatos ou temas impactou diretamente o curso de eleições em diversos países.

No caso brasileiro, durante o embate entre Lula e Bolsonaro de 2022, as equipes dos então candidatos fizeram uso da rápida propagação de informações (sem muita preocupação com a checagem dos fatos) e a criação de ‘bolhas’ digitais para criarem suas próprias narrativas. Distorção dos fatos, difamação e mensagens fora de contexto se tornaram ferramentas políticas “válidas”.

Alexandre de Moraes, durante sua última sessão enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no dia 29 de maio deste ano, afirmou: “Não é possível admitir que haja a continuidade do número massivo de desinformação, as notícias fraudulentas, as deep fakes e as notícias anabolizadas pela IA. Não é mais possível que toda a sociedade e todos os poderes aceitem essa continuidade sem regulamentação mínima. Eu sempre digo e sempre repito: o que não é possível na vida real, não pode ser possível no mundo virtual”.

Alexandre de Moraes | Foto: Divulgação

Na última semana, o Congresso Nacional manteve o veto do ex-presidente Bolsonaro sobre texto que colocava a disseminação de fake news como crime na Lei de Segurança Nacional. O placar final foi de 317 votos favoráveis à manutenção do veto, impedindo a criminalização da disseminação de desinformação, contra 139 deputados favoráveis à derrubada do veto.

Quando questionados, os parlamentares afirmaram que o texto em questão deixava ambíguo quem seria o responsável por determinar o que seria verdadeiro ou não, abrindo margem para abusos de poder por parte do Executivo. Para os deputados e deputadas, é preciso sim combater o uso das fake news como ferramenta política, mas qualquer projeto que eventualmente venha a ser aprovado, precisa colocar o judiciário como responsável para julgar os casos.

Existem alguns projetos ligados à regulação de redes sociais digitais e criminalização de fake news em apreciação em comissões do Congresso Nacional e na sociedade civil de uma forma geral. Entretanto, os temas ainda dividem opiniões e geram polêmicas. Na última tentativa do governo brasileiro de criar regras para as redes sociais digitais, o empresário multibilionário Elon Musk se pronunciou no X (antigo Twitter) questionando “Por que tanta censura?”. A declaração gerou uma crise diplomática e movimentou políticos brasileiros. A pauta, no entanto, ainda segue parada.

O questionamento que fica é: apesar da urgência reconhecida em se combater o uso da desinformação como ferramenta política e, consequentemente, realizar alguma regulamentação sobre plataformas digitais, por que os debates nesse sentido não rendem frutos? Interesses de magnatas do ramo da tecnologia? Medo da perda de uma valiosa ferramenta política? Ou desacordos pontuais sobre questões técnicas?

Enquanto o poder público não impõe limites às mazelas que nasceram junto da popularização da internet, multidões seguem acreditando em notas de cinquenta reais com rosto de cantoras drag queen, na distribuição de kit gay nas escolas públicas e em vacinas que transformam pessoas em jacaré. Apesar de cômico em alguns casos, a crença nessas inverdades pode ter efeitos devastadores no conjunto social, alguns deles nunca antes vistos.