Jornalista que abandonou emprego em um grande jornal para criar uma agência de “fact-checking” alerta que não há forma de barrar notícias mentirosas nas mensagens 

Cristina Tardáguila, diretora e fundadora da Agência Lupa, ficou fascinada pela checagem de fatos a partir da criação do blog “Preto no Branco” nas eleições presidenciais de 2014 | Foto: Editora Intrínseca

A belo-horizontina Cristina Tardáguila foi criada e fez carreira no jornalismo na cidade do Rio de Janeiro. Passou pelas redações da Folha de S.Paulo, revista piauí e O Globo. Em 2014, o trabalho desenvolvido no blog “Preto no Branco”, do jornal carioca, fascinou a mineira. Cristina descobriu ali a oportunidade de explorar outra atividade na profissão, a de checadora de informações (“fact-checker”). Nesta semana, Cristina virá a Goiânia para realizar atividade de treinamento de profissionais de comunicação, em parceria com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-GO), para capacitar outros verificadores.

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Pediu demissão e fundou a Agência Lupa, uma das três no Brasil que conta com reconhecimento internacional na verificação de fatos. Das parcerias com Google, Facebook, trabalhos em conjunto com a rádio CBN, Folha, o site Metrópoles e uma agenda de cursos de alfabetização midiática (“news literacy”), a nova atividade de Cristina se expande, mas o desafio continua na era das fake news. “É fato que os checadores não vão dar conta de tudo. O problema é muito grande. Precisamos de vários soldados no exército da checagem.” E o grande perigo, segundo Cristina, está no conteúdo compartilhado pelo aplicativo de mensagens WhatsApp.

Como surgiu a ideia de deixar o jornal O Globo e criar a Agência Lupa?
A Lupa é uma espécie de versão 2.0 de um blog que eu abri no O Globo em 2014 nas eleições presidenciais, que chamava-se “Preto no Branco”, dedicado exclusivamente a “fact-checking” (checagem de fatos). Neste ano vou para a segunda eleição presidencial e a terceira eleição como “fact-checker” (checadora de fatos). Quando acabaram as eleições de 2014, fiquei muito impressionada com o trabalho do checador, me encantei pela área e resolvi pedir demissão no O Globo para fundar uma agência de notícias dedicada exclusivamente a produzir esse tipo de conteúdo para outros meios de comunicação.

A Agência Lupa nasce nesse contexto, como uma agência de notícias do modelo da Reuters, France Press (AFP) e Bloomberg, de forma a atender outros meios de comunicação que tenham interesse em ter artigos checados, mas não tenham braço, tempo, gente e dinheiro suficiente para ter isso internamente. Em 2015, a Lupa começou com quatro pessoas. Hoje somos 15. Temos uma coluna semanal na Folha, na rádio CBN, um na revista Época e outra no site Metrópoles, em Brasília (DF), fora algumas colaborações esporádicas em outros meios.

A criação da Lupa foi uma oportunidade encontrada no mercado do jornalismo, mas como a agência sem mantém em um momento no qual os veículos tradicionais enfrentam dificuldades nos últimos anos?
Eu tive a sorte de ver que a notícia falsa e a checagem de dados seria algo fundamental bem antes do [presidente dos Estados Unidos, Donald] Trump aparecer. Em 2014, entendi que aquele seria um caminho a ser trilhado no jornalismo. A sustentabilidade da Lupa vem dos quatro braços de financiamento que agência tem. Um deles é ser uma agência de notícias, com a venda de conteúdo para outros meios de comunicação.

O segundo braço, do qual sou muito orgulhosa, é o LupaEducação, que é o que estamos indo fazer em Goiânia. O LupaEducação tem rodado o Brasil treinando pessoas para que elas sejam aptas a fazer suas próprias checagens. É fato que os checadores não vão dar conta de tudo. O problema é muito grande. Precisamos de vários soldados no exército da checagem. Esse é o segundo meio de sustentabilidade e receita da Lupa.

O terceiro são grandes projetos associados à plataformas. Temos trabalhado em conjunto tanto com o Facebook quanto com o Google em projetos de checagem e do que eles chamam de “news literacy” (alfabetização midiática), que é ensinar as pessoas a consumir notícia de uma forma diferente, ensinar que existem notícias falsas.

O quarto braço, que é o que nos garante sustentabilidade definitiva – caso os outros três falhem ou não sejam suficientes -, é o apoio que temos da Editora Alvinegra, que é a responsável por publicar a revista piauí. Se os outros três braços não forem suficientes para pagar a nossa conta mês a mês, a Editora Alvinegra entra com um reforço de caixa.

O site da Agência Lupa está hospedado na página da revista piauí. Inclusive a logo da Lupa é um pinguim que se parece bastante com o da revista.
Esse é um ponto muito importante de ser explicado. A Lupa é uma empresa da qual eu sou dona, meu marido tem uma parte muito pequena da agência. Estamos no site da piauí por uma questão financeira. No momento de lançar a Lupa era muito custoso construir um site do zero. Como eu trabalhei cinco anos na piauí antes do O Globo – ajudei a montar o site da piauí -, perguntei se não poderia ficar encubada no site da revista por um tempo.

A Lupa fica encubada no site da piauí apesar de serem empresas, redações e estruturas administrativas diferentes. Não tenho ideia do que a piauí está fazendo e a piauí não tem ideia do que eu estou fazendo.

Não há um vínculo com a piauí, a Lupa só usa um espaço no site.
Exatamente. Eu alugo o espaço dentro do site da piauí. Por conta disso, a Agência Lupa está dentro do site da Folha e do UOL, mesmo sendo empresas completamente diferentes, com redações diferentes. Não há qualquer elo. É apenas um espaço por economia de recurso.

“Eu tive a sorte de ver que a notícia falsa e a checagem de dados seria algo fundamental bem antes do Trump aparecer” | Foto: Myles Cullen/Official White House Photo

O mercado da alfabetização midiática é algo que está em expansão?
Muito. LupaEducação, que é o braço da Lupa que trabalha efetivamente nesse sentido, é extremamente exitoso. Estamos com uma demanda enorme, que vai desde colégios de ensino médio a faculdades. Há inclusive uma novidade. No segundo semestre deste ano a LupaEducação vai se dedicar a jovens eleitores, de 16 a 18 anos, com diversos pedidos de colégios que querem ter esse conteúdo como uma disciplina, talvez até incluída no currículo escolar de contraturno.

Vamos efetivamente criar essa modalidade, com dois pilotos agendados para a segunda semana de agosto em duas escolas do Rio de Janeiro. E a atividade chegará ao treinamento de juízes de tribunais eleitorais e de contas. Esse trabalho de treinamento passa por redações de veículos de comunicação. Treinamos a Veja.com e a Rede Globo. Tem tanto o treinamento para profissionais quanto para não-jornalistas.

O que a equipe da LupaEducação tem percebido como o maior problema? A base educacional fraca com problemas primordiais como falta de interpretação de texto é o mais grave ou as pessoas não sabem diferenciar os produtos midiáticos, dos que são informativos aos interpretativos e opinativos?
Tem as duas coisas. Tem um pouco de falta de informação. Estamos em um momento de transição. Se voltarmos um pouco no tempo, nós recebíamos no e-mail uma tonelada de “spam” (e-mails não solicitados) e não sabia muito bem o que fazer com aquilo, se o conteúdo era ou não verdadeiro. Estamos no meio de um processo semelhante. Recebemos toneladas de informações, algumas delas totalmente falsas, e não sabemos muito bem como lidar com isso.

Estamos exatamente no processo de aprender a lidar de forma cidadã, tecnológica e jornalística com esse fenômeno que é a notícia falsa. Ainda vai demorar um pouco para os brasileiro médio entender que nem tudo que ele lê nas redes sociais, no e-mail, no WhatsApp ou recebe no áudio é verdade. O que nós temos feito é algo como instalar uma pulga atrás da orelha da pessoa.

Mesmo sendo uma das empresas parceiras da Lupa, quais são os fatores positivos e negativos da decisão do Facebook de restringir o alcance das publicações de páginas e aumentar a relevância de postagens de perfis de pessoas na timeline dos usuários?
Eu, como jornalista, não poderia deixar de achar muito ruim o fato de o Facebook desprivilegiar o trabalho jornalístico sério. É muito ruim que a mídia de qualidade acabe pagando pelos maus e perca relevância em uma rede social tão importante quanto o Facebook. Por outro lado, a tentativa que o Facebook faz de trabalhar de alguma forma as notícias falsas no mundo inteiro é algo a se avaliar. Vamos ver o que vai acontecer. Precisamos dar um tempo para ver se isso terá efetivamente algum efeito.

O que é importantíssimo destacar é que não existe nenhum tipo de censura ou retirada de conteúdo identificado como falso. O que existe é uma espécie de penalização com a redução de entrega de conteúdos considerados falsos no Facebook. O que para quem efetivamente defende ou luta contra a desinformação deveria receber como algo bem visto, porque de nada serve um conteúdo de má qualidade atrapalhando o seu feed de notícias.

Levantamentos da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP) e do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Labic-UFES) mostram a atuação intensa de robôs principalmente no Twitter impulsionando conteúdo favorável a determinado nome ou ideia. Essa questão é algo que realmente preocupa para as eleições em outubro?
Muito preocupante. E o efeito imediato disso é que nós não podemos mais acreditar nos trending topics. Não podemos acreditar que o número de curtidas ou compartilhamentos é algo que efetivamente reflete a relevância de um assunto, porque nesses compartilhamentos e likes existe uma massa enorme de não-pessoas, de sistemas robóticos que são capazes de influenciar. Se você clicar em uma notícia falsa e verifica que 1 milhão de pessoas curtiu essa notícia falsa, metade dessas pessoas pode não existir. A relevância de um conteúdo não pode ser medida pelo número de likes, curtidas e compartilhamentos, muito menos o seu grau de gravidade.

 

“A relevância de um conteúdo não pode ser medida pelo número de likes, curtidas e compartilhamentos, muito menos o seu grau de gravidade”

 

A greve dos caminhoneiros – ou o locaute dos transportadores, caso isso seja comprovado pela Polícia Federal -, trouxe um problema que muita gente não queria enxergar que é a mensagem criptografada no WhatsApp. Há como combater a disseminação de informação falsa por aplicativos de compartilhamento de mensagem?
Esse é o maior desafio, anos luz à frente dos outros problemas que envolvem a divulgação e compartilhamento de informação falsa. Temos, na redação da Lupa, algumas ferramentas, pelas quais conseguimos monitorar o que está se destacando em termos de popularidade no Twitter, no Facebook e no Google. São ferramentas que conseguem monitorar a velocidade do avanço de uma mentira. No WhatsApp não existe essa possibilidade. Não temos como monitorar a proliferação de uma informação falsa, de um áudio falso ou de qualquer conteúdo que circula pelo WhatsApp. Isso é um problema enorme!

Nós debatemos muito sobre o Twitter, Facebook e Google, quando na verdade o maior problema nas eleições deste ano no Brasil será o WhatsApp. E a paralisação dos caminhoneiros serviu para provar isso e nos dar tempo de exigir algum tipo de mudança até agosto, quando começa a campanha. Vamos ver se conseguiremos que o WhatsApp colabore de alguma forma.

No início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um conselho consultivo para analisar o problema das fake news. A Lupa tem acompanhado esse trabalho, até porque a sra. citou que a agência vai treinar juízes e magistrados?
Nós fomos algumas vezes ao TSE. Inclusive escrevi uma carta aberta ao ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal, na qual disse que é preciso que sejam tomadas medidas não pelo lado regulatório, mas pelo lado educativo, que é a opinião da Agência Lupa em relação ao assunto. Nós não participamos do conselho e não vemos muito sucesso nas medidas e providências tomadas por esse grupo de trabalho até o momento.

A Lupa é membro da IFCN [International Fact-Checking Network], que é uma rede de checadores, com os quais mantemos diálogo diário por meio de Slack comunitário – um software de ajuda de trabalho coletiva por meio de equipes. Os checadores europeus já estão hoje [a entrevista foi concedida por telefone no na quarta-feira, 6] trabalhando efetivamente na regulação ou não que será vigente na eleição de 2019 na Europa. Nós estamos há dois meses do início da campanha eleitoral brasileira e não vejo muita entrega do conselho consultivo.

Ainda não tem nem regra específica sobre o assunto.
Não vemos muita coisa definida. Tivemos na terça-feira, 5, uma ação quando o TSE chamou alguns partidos para assinar um termo de comprometimento de não divulgação de fake news. Ainda são ações muito elementares. É indispensável que se faça um processo de educação da população. A população precisa saber que o áudio que você recebeu da sua tia não necessariamente é verdade.

“A notícia falsa vai muito além do impacto político. Estamos falando de risco de vida e econômico”

“Recebemos toneladas de informações, algumas delas totalmente falsas, e não sabemos muito bem como lidar com isso” | Foto: Reprodução

 

No domingo, 3, a população do Tocantins deu um recado ao 49% dos eleitores descartarem seus votos entre abstenções, brancos e nulos. Por outro lado, perdemos uma chance de acabar de vez com uma fake news, que voltou a ganhar força na semana passada, que é a de que 50% mais 1 voto anulam as eleições. A fake news é algo realmente preocupante?
Sim. Sem dúvida nenhuma. Só para dar alguns exemplos, temos a morte da Fabiane Jesus em 2014 no Guarujá, em decorrência de uma notícia falsa; tivemos a queda das bolsas americanas por uma notícia falsa de que o então presidente Barack Obama havia sito atingido em um atentado terrorista na Casa Branca. Estamos falando de bilhões e de uma pessoa morta. Temos o caso do linchamento de um casal em Araruama, na Região dos Lagos, no Rio, porque circulava no WhatsApp a informação de que um casal em um carro branco estava sequestrando crianças.

A notícia falsa vai muito além do impacto político. Estamos falando de risco de vida e econômico. Se, por exemplo, você fizer um vídeo agora dizendo que banco Santander, Bradesco, Banco do Brasil ou Itaú vai fechar e começar a divulgar isso, o risco é real de esse banco fechar, porque as pessoas vão tirar seu dinheiro de lá.

Na polêmica gerada com a exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e as informações que começaram a surgir de que o banco Santander estava perdendo correntistas.
O que é uma fake news, porque o Santander aumentou o número de clientes. Mas esse tipo de movimento pode sim gerar pânico. A questão do desabastecimento aqui no Rio de Janeiro durante a greve – entre os dias 21 e 31 de maio -, a informação começou a circular nas redes sociais e as pessoas passaram a fazer estoque de 20 quilos de arroz.

Qual é o trabalho que a sra. vem fazer em Goiânia nesta semana?
Na LupaEducação, uma das ações desenvolvidas é chegar às autoridades que têm poder de decisão. Não adianta só falar com jovens alunos universitários ou apenas com jovens repórteres. Precisamos treinar quem tem a caneta na mão para tomar uma atitude e efetivamente parar uma notícia falsa. Porque o jornalista apenas aponta que aquela notícia é falsa.

A ida ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) tem a ver com a nossa estratégia de treinar um grupo de pessoas quem devem vir a enfrentar – se é que já não estão enfrentando – esse tipo de informação no seu cotidiano e que precisam saber se posicionar. Estamos indo explicar o que é “fact-checking”, o que há de mais moderno nesse universo, treinar essas pessoas em técnicas básicas de checagem para que elas possam não só como cidadãs, mas também como funcionárias públicas e servidores, exercerem essa prática no seu dia a dia. Conhecerem as principais bases de dados do Brasil, as principais ferramentas para identificar uma imagem falsa, um vídeo falso e assim por diante.

As fake news são difundidas para atacar, denegrir ou beneficiar qualquer grupo de pessoas ou instituições. As minorias representativas são alvo preferencial de fake news em meio a essa aparente guinada conservadora que o País tem tomado?
Nós não gostamos de usar o termo fake news. Trabalhamos com notícias falsas dentro do escopo do projeto do Facebook, vemos o que está dentro do Facebook. O projeto ainda não tem um mês, e temos visto muita informação falsa relacionada à mãe PM que matou um ladrão em São Paulo e muitas notícias falsas em relação à saúde, o que é extremamente grave.

Detectamos notícias falsas sobre vacina da gripe estaria matando muita gente, que a quimioterapia não seria um tratamento efetivo contra o câncer, verificamos a notícia falsa de uma possível conjuntivite que poderia levar à morte. No primeiro mês de combate a notícias falsas no Facebook nós temos ficado extremamente impressionados com o tamanho desse tipo de informação sobre saúde. É chocante!

Por que o termo fake news não é usado pela Agência Lupa?
Não usamos o termo fake news. O Facebook não usa mais, o New York Times não usa mais, o Washington Post também não. Nós integramos uma rede mundial, chamada First Draft, um conglomerado de entidades, desde empresas de tecnologia, mídia e universidades, que tenta conjuntamente combater o avanço das notícias falsas. Por que não usamos mais o termo fake news? São três razões bem objetivas.

Primeiro porque se é fake não pode ser news. É paradoxal. Você pode ter uma notícia errada, mas uma notícia originalmente falsa não é notícia. Não gostamos desse termo. Segundo porque a expressão fake news cria uma coisa estranha, passou a ser substantivo e adjetivo ao mesmo tempo, e vem sendo empregada pelos poderosos contra a imprensa.

Se tornou discurso político.
A expressão fake news foi adotada por aqueles que não gostam de uma reportagem. O jornalista passa a ser fake news e a produção jornalística passa a ser fake news. Não vamos dar voz a esse tipo de expressão.

A informação falsa e distorcida existe há vários séculos.
Há milênios, não é?

Só que agora o alcance é muito maior, o que a torna tão grave.
Sem dúvida. O terceiro ponto pelo qual não usamos o termo fake news é que quando o público leigo pensa em fake news, vai pensar em notícia, em texto. Mas há outros formatos de informação falsa, como por exemplo uma foto que é real, mas com uma legenda falsa, ou um vídeo que teve parte dele foi distorcido. O conceito fake news não abarca tudo o que é efetivamente o problema.

 

“Se é fake não pode ser news. É paradoxal. Você pode ter uma notícia errada, mas uma notícia originalmente falsa não é notícia”

 

O que ainda precisa ficar claro para a população sobre o trabalho de checagem de informações?
Os checadores são jornalistas que trabalham para buscar o melhor dado possível naquele momento sobre determinado assunto. Eles não são donos da verdade. São, obviamente, passíveis de erro. É muito importante dizer que a Agência Lupa integra uma rede mundial de checadores e passa por auditorias anuais com relação a cinco princípios éticos que norteiam ou devem nortear o “fact-checker”.

Nós somos totalmente transparentes com relação à nossa metodologia de trabalho, à nossa fonte de financiamento, com relação às fontes que usamos nas nossas reportagens. Temos e aplicamos a nossa política de correção pública sempre que identificamos um eventual erro. E somos auditados com relação ao nosso apartidarismo. Todos os anos temos que mandar um monte de documento para a IFCN para provar que nós executamos esses cinco pontos. Com isso, recebemos um selo de membro verificado da IFCN. É um selo verde que aparece no site da Lupa para atestar a qualidade do nosso produto.

Provavelmente nós veremos daqui para frente o surgimento de diversas iniciativas de checagem. Precisamos ter muito cuidado. Esse selo é capaz de identificar quem é que está efetivamente cumprindo esses cinco pontos tão fundamentais para um “fact-checking” de qualidade. Não adianta você ter um “fact-checking” de um partido. O “fact-checking” partidário não é “fact-checking”, é propaganda.

Vai ser um trabalho enviesado.
É propaganda. Além de as pessoas entenderem o que é “fact-checking”, que também entendam o que não é “fact-checking”.

A Agência Lupa tem alguns critérios de verificação das informações. Não necessariamente a checagem aponta que uma informação é sempre 100% falsa. É como se houvesse uma classificação de níveis de confiabilidade ou não daquela informação.
Nós definimos como etiquetas. A Lupa usa oito etiquetas entre o verdadeiro pleno e o falso pleno em que a gente tenta usá-las de forma a ser o mais claro possível com relação à nossa conclusão. Óbvio que gera muito polêmica. Às vezes as pessoas discordam das etiquetas, o que é ótimo, porque estão exercitando a sua cidadania. Só que jornalismo não é matemática. Jornalismo não é física. As pessoas às vezes exigem que o “fact-checking” tenha uma ciência. Na verdade tentamos ser o mais objetivo possível dentro das humanas.

A objetividade não chega à exatidão.
Nem na física é possível ser objetivo. Dependendo do olhar a partir de determinado fenômeno se vê uma coisa diferente. Por isso que temos as etiquetas e as definições muito claras sobre quando cada uma delas é empregada. É óbvio que isso gera polêmica. É óbvio que gera chateação. Mas é do jogo. Nós checadores estamos acostumados com isso.

O importante é que as pessoas saibam que existem cinco princípios que guiam o trabalho diário da Agência Lupa, que são os três graus de transparência, a política pública de correção para eventuais erros, que tem de ser aplicada imediatamente quando é constatado um equívoco, e o apartidarismo. Sem esses cinco itens, o seu “fact-checking” não é “fact-checking”. É alguma coisa diferente.

Lançado em 2016, o livro “A Arte do Descaso” é o resultado de cinco anos de pesquisa sobre o assalto ainda sem respostas de cinco obras do Museu da Chácara do Céu, no Rio | Foto: Editora Intrínseca

Em 2016, a sra. lançou o livro “A Arte do Descaso – A história do maior roubo a museu do Brasil” (Intrínseca, 129 p.) sobre o assalto ao Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro. Como foi a experiência de levantar essa história? Há relatos seus sobre os riscos corridos durante o levantamento dos dados e apuração a respeito do mercado de obras de artes roubadas.
O roubo do Museu da Chácara do Céu é o maior roubo de obra de arte do Brasil, segundo o FBI, e o oitavo maior do mundo, também de acordo com os estudos americanos. Foi em 2006, na Chácara do Céu, no Rio de Janeiro. É um museu pouco visitado, mas com uma coleção muito importante. Foram levadas cinco obras de arte. Entre elas dois [Pablo] Picasso, um [Henri] Matisse, um [Claude] Monet e um [Salvador] Dalí. Um conjunto de obras de extrema relevância.

Passaram-se 12 anos e ainda temos o inquérito aberto em uma linha de investigação ativa dentro da Polícia Federal brasileira. O livro é resultado de cinco anos de estudo e reflete – e chama-se “A Arte do Descaso” não à toa – a sucessão de falhas, erros e descasos que as autoridades tiveram com relação a esse episódio, desde a própria direção do museu, o Ministério da Cultura, a Polícia Federal, a Justiça, todas as entidades, inclusive a imprensa e a sociedade. Todos nós erramos fartamente ao tomar conhecimento desse roubo. Até agora não temos solução. Infelizmente as obras não estão ao alcance da vista.

Depois de escrever o “A Arte do Descaso”, ainda existe o seu lado jornalístico de repórter de levantar dados para escrever outro livro?
Sim. Meu segundo livro está previsto para ser lançado em setembro pela editora Intrínseca. O assunto é mentira na política. Infelizmente ainda não posso dar mais detalhes.

Leia o primeiro capítulo do livro “A Arte do Descaso – A história do maior roubo a museu do Brasil” (clique aqui).