Jeferson de Castro Vieira é economista, doutor em Estudos Comparados sobre as Américas pela Universidade de Brasília (UnB). Já foi conselheiro do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Sebrae, Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e Conselho Estadual de Educação. Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Puc), comentarista econômico em diversos jornais e rádios. 

Nessa entrevista ao Jornal Opção, o economista desembaraça questões como a conjuntura econômica goiana, brasileira, e internacional; a necessidade de uma reforma tributária; o futuro do desenvolvimento e industrialização; os sistemas de inovação e mercado financeiro. Tendo dedicado grande parte de seus esforços ao estudo do bloco econômico do Mercosul, Jeferson Vieira de Castro defende que interessa ao Brasil ter vizinhos fortes, e explica como isso poderia ser feito. 

Euler de França Belém – Em entrevista na última semana ao Jornal Opção, o economista Valdivino de Oliveira afirmou que foi muito bom para o Brasil ter um presidente do Banco Central que pensa diferente do presidente Lula da Silva (PT). Outros economistas criticam as medidas de Roberto Campos Neto, ao dizer que esse juro alto mata o doente. Em sua opinião, quem está certo, Lula ou Campos Neto?

Ninguém está totalmente certo ou errado nessa questão. O Banco Central tem uma equipe muito consistente, um grupo praticamente homogêneo de diretores, com especialistas consolidados. O presidente é “apenas” o comandante, pois as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) são determinadas em função de dados técnicos sobre atividades econômicas, preços, empregos. A taxa de juros é determinada por uma quantidade enorme de informações, que formam um modelo de projeção econômica; uma metodologia chamada de Modelo Samba

A crítica que se faz ao Banco Central é que, no momento da pandemia, a instituição concluiu que deveria jogar a taxa de juros para 2%. Eu acho que foi muito baixo. Posteriormente, para conter a inflação, elevou para 13,75% – acho que exagerou na dose. É impossível que a economia funcione com essa taxa. Quem tenta fazer empréstimos na Caixa Econômica, no Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) ou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não consegue pagar. Essa amplitude criou incerteza e acabou abalando o mercado. Com oscilação tão grande, você fica sem referência. 

Cada ponto percentual a mais na Taxa Selic significa R$ 38 bilhões a mais na dívida que o governo precisa pagar – uma dívida que já é enorme. Esse movimento de 2% para 13,75% explodiu a dívida pública. Outra questão é a própria inflação, que também provoca aumento na dívida e deve ser balanceada. O papel do Banco Central é atuar com todas essas variáveis por meio de seus mecanismos; um deles sendo a taxa de juros. 

Quando Lula reclama dos juros altos, busca fôlego para o governo administrar sua própria dívida. Outro ponto interessante é que, com a Taxa Selic alta, todos querem investir no tesouro e as empresas não conseguem captar recursos com seus produtos financeiros. Isso causa crise no agronegócio, na indústria, no setor imobiliário. 

Euler Belém e Italo Wolff entrevistam Jefersno de Castro Vieira na redação do Jornal Opção | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Italo Wolff – Mas o governo trata o Banco Central como culpado pela alta dos juros. Acredita que o BC tenha culpa por isso?

O aumento dos juros é consequência de uma crise internacional. Nós estamos vivendo uma desorganização, um alargamento da ordem internacional. Todo o mundo sofreu com o problema da inflação por conta da quebra das cadeias globais de valor. Diversos fatores convergiram para isso, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, a disputa econômica entre Estados Unidos e China, a crise mundial dos semicondutores. Esses fatores causaram aumento nos custos de produção e jogaram a inflação para o alto.

Para manter as economias aquecidas durante a pandemia de Covid-19, os Bancos Centrais reduziram os juros, e após a pandemia subiram os juros para conter a inflação. A excepcionalidade do Brasil foram os extremos. Fomos de 2% para 13,75%, mais variação do que Estados Unidos, União Europeia, China, e outros. 

Euler de França Belém – Há um componente político na manutenção da taxa de juros alta?

Sim. O mundo da economia não é apenas técnico, é político também. O BC é independente, não sofre interferências do governo, mas sofre influências da sociedade. Vemos com programas como o Desenrola, por exemplo, que existem mais de 68 milhões de endividados que se beneficiariam da baixa na taxa de juros. A Selic é definida, no modelo Samba, por cálculos técnicos, mas pode ser recalibrado em face de novas influências como o programa Desenrola, feito pelo governo. É uma forma de atuar sem interferir no BC.  

Italo Wolff – Lula da Silva tem defendido um projeto de reindustrialização para o Brasil. Como avalia essa possibilidade?

Não se trata de uma reindustrialização, pois não se pretende retornar ao modelo antigo de indústrias; mas de uma neoindustrialização. Seria a implementação de indústrias com baixa emissão de carbono, com uso de tecnologia de ponta, de química fina, de exploração de novos materiais. Esse é o modelo em discussão por todo o planeta e eu acredito que o Brasil tem que entrar nessa. Tem de liderar nessa área. 

Historicamente, o Brasil produziu e exportou produtos agrários e, mesmo assim, não conseguiu estabelecer suas próprias indústrias de fertilizantes. Comercializou commodities sem beneficiá-las com indústrias. Não temos fábricas de máquinas agrícolas com tecnologia nacional. Para que se torne auto suficiente, é necessário o que um país como a China teve, mas nós não tivemos, que é planejamento. Podem levar vinte anos para colhermos os frutos, mas é um trabalho necessário.

Um país pequeno como o Vietnã, que há 50 anos estava ocupado pelos Estados Unidos, já possui marcas e fábricas de automóveis com tecnologia própria. Como conseguiram? Compreenderam que o único caminho possível para o desenvolvimento no mundo moderno é a Ciência e a tecnologia. Já estão começando a fabricar celulares, computadores, baterias; vão entrar no jogo. 

Então, o momento é da neoindustrialização, e acredito que o Brasil tem uma grande oportunidade de liderar. O mundo hoje está aberto para o posicionamento de uma potência como o Brasil, pela evidência que o país ganha com a discussão em torno da preservação da Amazônia, do combate às mudanças climáticas, do desenvolvimento com conservação. É hora de usar os recursos dos fundos internacionais em prol da conservação e descobrir um caminho para produzir sem poluir. 

Acredito que o Brasil tem potencial, mas dá sinais preocupantes, por exemplo, quando o governo dá incentivo para carros populares. Encher as cidades de carros particulares que poluem é antiquado. Deveríamos incentivar carros elétricos, modelos de urbanismo que beneficiem a mobilidade. 

Euler de França Belém – Mas o carro elétrico é caro demais para ser popular.

Sim, mas é o único caminho. No início, tudo é caro. Depois, você economiza com escala e com o barateamento da tecnologia. Às vezes, temos de descobrir o caminho; nem sempre haverá uma alternativa já conhecida disponível. Acredito que não podemos ficar para trás, porque já existem carros elétricos da chinesa Jac, que são relativamente baratos, e vão ficar cada vez mais populares. É inconcebível trocar o modelo do futuro por um carro popular poluente que ainda assim está caro demais.

Jeferson Vieira afirma: “”Neoindustrialização é a implementação de indústrias com baixa emissão de carbono,  tecnologia de ponta, química fina, novos materiais” | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Euler de França Belém – Acredita que o governo Lula terá condições de cumprir o novo arcabouço fiscal?

Acho que o arcabouço é um avanço em relação ao teto de gastos. Não se pode tratar os investimentos nas diversas áreas da sociedade da mesma forma, e eles não podem ficar engessados por vinte anos. Tanto é assim que, no período de emergência da pandemia, o teto foi estourado quatro vezes por conta de gastos urgentes. Durante o governo Bolsonaro (PL), o teto acabou; não existe mais teto. 

Precisamos colocar alguma coisa no lugar. O arcabouço fiscal foi o acordo possível, e terminou sendo muito mais inteligente do que o teto. Primeiro, porque propõe certa flexibilidade: “se gastar mais aqui, gaste menos dali”. O mecanismo relaciona o investimento ao superávit primário, que é uma ideia existente no mundo todo.

No mundo inteiro, os países se endividam e controlam essa dívida pública com o superávit primário. É impossível zerar sua dívida de R$ 6 trilhões, mas pode-se controlá-la pelo que sobra todos os anos. Caso haja aumento de receita, o arcabouço permite novos investimentos. É o que precisamos: infraestrutura, saneamento. Mesmo que seja feito em parcerias público privadas (PPP), o Estado precisa aportar recursos para que ocorram. 

Italo Wolff – O governo não tem mostrado disposição para cortar gastos. A necessidade de aumentar a receita não aponta para um aumento dos impostos?

Não há alternativa: o corte de gastos terá de ser feito. O Plano Plurianual (PPA) é um mecanismo interessante para isso, porque permite revisão periódica, inclusive com um processo de digitalização que pode reduzir despesas. A receita também cresce junto com o PIB crescer. Tivemos uma surpresa agradáves este ano, porque achávamos que o país poderia crescer muito pouco, mas as perspectivas foram revisadas para cima. Se o Brasil não fizer nada diferente do que está fazendo hoje, deve crescer 2,3% em 2023. Acredito que pode ser mais. Outra ferramenta que pode auxiliar no corte de gastos é a reforma tributária. 

Todos os estudos sobre a reforma tributária – os do fundo monetário internacional, os do Banco Interamericano de Desenvolvimento, os do Banco Mundial e os estudos da OCDE –  todos todos eles mostram que os países em que foi implantado o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) tiveram sucesso. O IVA desburocratiza. 

Vamos pegar o caso do Canadá, na região de Ontário. Lá, existe o IVA de 13% e parte dele é destinada ao governo federal, outra parte vai para a província e outra parte vai para que o arrecadou. Na província de Quebec, a alíquota desse imposto é de 14%, pouco mais alto. É a mesma ideia que se pretende implementar aqui, com baixa variação entre estados. Como as províncias de lá conseguem competir para atrair negócios? Por meio de um fundo de desenvolvimento regional, que dá incentivos para setores estratégicos para cada local. 

Foi assim que a União Europeia foi construída. Alguns países são o celeiro da Europa, outros optam por destinar seus fundos à tecnologia. Eu vejo que o Brasil pode evoluir da mesma forma, já que a simplificação dos impostos é uma das exigências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Seria interessante para o Brasil fazer parte da OCDE, pois é uma organização econômica de elite que certifica os países com uma espécie de selo de qualidade de boas práticas, e isso abre portas para negócios. 

“Todos estudos mostram que os países em que foi implantado o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) tiveram sucesso. O IVA desburocratiza”, diz Jeferson de Castro Vieira | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Euler de França Belém – Como essa reforma pode aumentar a receita sem aumentar a carga tributária?

Sendo cobrados no consumo, os impostos são coletados no destino. Você tira a arrecadação do local de origem do produto; não se coleta onde há produção. Então, quem ganha com a reforma tributária? Quem tem um nível de consumo bacana. Estados com um mercado interno desenvolvido.

No Centro-Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm produção forte, mas tem um consumo baixo – então eles perderão em arrecadação. Isso é interessante por duas razões. Primeiro, a perda pode ser compensada pelo fundo de desenvolvimento regional. Segundo, é um estímulo para a criação de um mercado consumidor, para o desenvolvimento para uma economia de serviços. Para a especialização da mão de obra. Para o aumento de renda.

Na reforma tributária, Goiás vai ficar mais ou menos no zero a zero. Nós temos um mercado consumidor, que tende à crescer. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais serão beneficiados, pois têm base de consumo muito forte. Mas, de forma geral, a reforma tributária é interessante porque vai forçar todos os estados a aumentar o consumo. Até hoje, os incentivos foram feitos no sentido de aumentar a produção, que não necessariamente gera uma distribuição de renda ou consumo de massas. 

Italo Wolff – Os estados emergentes vão conseguir correr atrás? Não ficarão cada vez mais para trás?

Esse é o papel do fundo de desenvolvimento regional. Toda União é obrigada a remanejar recursos para desenvolver estados que produziram mais do que consumiram.  Nós precisamos entender que a reforma tributária é um processo. Ela tem um momento histórico, em todos os países, que pode levar muitos anos até que essa calibragem fique ajustada. Poderemos estar discutindo as minúcias do fundo no ano que vem, mas encarar essa tarefa é necessário. 

Euler de França Belém – Como você vê o movimento da China, em sua tentativa de se tornar uma potência hegemônica? Pode resultar em uma guerra com os Estados Unidos?

A China sempre esteve no jogo: há duzentos anos, a China tinha o maior PIB do mundo por conta do ópio. No período contemporâneo, o país fortaleceu sua economia por meio dos planos quinquenais, instaurados no período da União Soviética e que começaram desastrosos, mas que encontraram um rumo eventualmente. Nos anos 1970, houve uma aproximação com os Estados Unidos, mediada pelo presidente Richard Nixon, e outra posteriormente com Bill Clinton nos anos 1990. 

“Quando Lula reclama dos juros altos, busca fôlego para o governo administrar sua própria dívida”, afirma o economista | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Essa aproximação fez com que empresas pudessem se instalar na China para produzir a custos baixos, mas, em troca, o Estado chinês absorveu a tecnologia e começou a formar suas próprias indústrias e seus profissionais. Hoje, o carro mais vendido na China é chinês (é a pick-up Great Wall Wingle), os metrôs são todos chineses, e os aviões de carreira da Boeing e Airbus em breve terão um concorrente chinês. 

Hoje, a China chegou ao nível tecnológico de se tornar inevitável. Quase todas as empresas brasileiras têm uma etapa produtiva que passa pela China. Não tem jeito: para ser competitivo, hoje você tem de ser um parceiro da China. O próximo passo do ponto de vista da competitividade geopolítica é consolidar uma estrutura militar. 

Do ponto de vista dos Estados Unidos, essa competição pode ser vista como adversidade; pois vem com perda de influência sobre Índia, Rússia, alguns países do Oriente Médio. Muitos países da África enxergam a China como uma aliada. Mas não acredito que a rivalidade passe da economia. Quando Joe Biden assumiu, a disputa que se iniciou com o governo de Donald Trump assumiu aspectos de ambientalismo – da necessidade de mudar da matriz energética poluente dos chineses para a linha de baixa emissão de carbono dos Estados Unidos. Mas, em essência, continua sendo produtiva e comercial.

Euler de França Belém – Como a valorização das moedas nacionais entra nisso? Acredita em uma moeda única para o Mercosul?

A China tem dez bancos de investimento internacionais. Estão emprestando muito dinheiro, de forma que África e Ásia hoje são dependentes. Até por isso, não acredito em uma Terceira Guerra Mundial, pois se beneficia de um mundo integrado economicamente. O mundo não tem mais dois polos apenas; ele é multipolar. Vemos um movimento de alargamento da ordem internacional, ou seja, de entrada de novos protagonistas que disputam o domínio por diversas formas, incluindo pelo uso da moeda. 

Já entre China, Rússia, Índia e países do Oriente Médio, existem trocas de compra e venda mediadas em moedas locais. Esse movimento é interessante, porque até pouco tempo, todo o planeta tinha de ter reservas em dólar para honrar seus compromissos. Não que faltem dólares para países como a China, que tem U$ 3,5 trilhões em reservas internacionais – trata-se de uma escolha para fortalecer o renminbi. O dólar vai acabar? Não. Por enquanto, vai se enfraquecendo.

Do ponto de vista estratégico, é interessante fortalecer outras moedas e a formatação do Mercosul tem a criação de uma moeda comum como último objetivo. Antes, existe a integração cultural, que já existe em parte com o reconhecimento de diplomas entre universidades, a facilitação do trânsito de pessoas, a integração logística com rodovias e ferrovias. Há ainda o aspecto político, pois a conexão do bloco exige uma série de acordos legais que precisam ser formatados. Eu acredito muito no poder de um Mercosul interligado.

No final, a ideia é que se pode ter uma moeda única, sem excluir as moedas nacionais, para que se possa realizar o comércio internacional sem intermédio do dólar. Hoje, Brasil e Argentina já comercializam em reais, mas no final das contas, é necessário ter dólares para honrar os compromissos, pois integramos o sistema swift. A contabilidade é feita em dólares. 

Euler de França Belém – A França alega que o Brasil precisa cumprir metas de sustentabilidade para que possa comercializar com o Mercosul. Lula, por outro lado, diz que as metas não são cumpridas nem mesmo pelos franceses. 

A União Europeia quer fazer acordos com o Brasil, mas a França tem um problema. Por ter tido uma indústria forte, mas ter passado pelo processo de desindustrialização, o país se tornou uma praça financeira, na competição com Singapura, Londres e ouros. O que mantém o país hoje é o mercado financeiro e a agricultura, que tem muito subsídio. Não apenas a França tem subsídios – os Estados Unidos, Alemanha e outros também. 

Como o Brasil entra? Há pressão da União Europeia para que se realize um acordo. O Mercosul diz ser impossível atingir as exigências ambientais, que nem mesmo os agricultores franceses cumprem. Em comparação com outros países, o agronegócio brasileiro é extremamente correto do ponto de vista ambiental. É condição para que façamos negócios. Eventualmente, acredito que a França terá de ceder. 

Euler de França Belém – Volta e meia vemos a Argentina pedindo ajuda, com o pires na mão. Lembra o Brasil de antigamente solicitando o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por que a Argentina não conseguiu sair dessa situação?

A Argentina tem um problema histórico. É um país que já foi mais rico do que o Brasil, tem indicadores de educação e cultura fortes, entrou em um processo de industrialização, e caminhava para uma agricultura de alta precisão. O que ocorreu foi que a Argentina perdeu seu parque industrial e não conseguiu acumular reservas internacionais. 

Quando começaram as grandes crises, os países investiram em reservas internacionais principalmente em dinheiro americano, o que a Argentina não fez. Os argentinos contraíram uma dívida pública em dólar que não puderam honrar. O Brasil tem uma dívida pública, mas na própria moeda, o que lhe dá autonomia em termos de política monetária. O “pires na mão” da Argentina significa a necessidade de fazer acordos com o FMI. 

O Brasil entra nesse negócio por ser um grande parceiro comercial da Argentina. Nossos vizinhos são o principal destino de nossas exportações industriais. Vendemos geladeiras, fogões, automóveis, etc. Do ponto de vista geopolítico, precisamos de todos os quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai) fortes, para que possamos competir internacionalmente. 

Não adianta celebrarmos um acordo entre Mercosul e União Europeia com a Argentina fraca, pois precisamos de moedas fortes e mercados robustos para podermos negociar condições favoráveis. Esse é o interesse de investir, de colocar dinheiro do BNDES, na Argentina: que ela consiga construir sua infraestrutura e nos ajudar no balcão de negociações. 

“Lula parece ser capaz de se colocar no lugar dos países emergentes e antecipar suas necessidades”, diz Jeferson Vieira | Foto: Leoiran / Jornal Opção

Euler de França Belém – Quanto a Venezuela, acredita que o país sofre da maldição do petróleo?

É a “doença holandesa”. A condição dos países que, por terem riquezas naturais, não precisam desenvolver indústria e serviços, e acabam dependentes. O ideal é que o país aproveite os recursos vindos de uma área para investir em outras, mas falta estímulo para perseguir essa diversificação.

A Venezuela já foi a terceira maior produtora de petróleo do mundo, mas não se desenvolveu. O planejamento da Petrobras já prevê que a empresa vai aplicar em energia solar, bioeconomia, entre outros, pois sabe-se que o petróleo será abandonado em um futuro breve. A Venezuela não aproveitou seu petróleo quando ele foi o recurso mais precioso do mundo, e agora deve ver seu principal sustento perder importância. 

Segundo os últimos indicadores, o país tem melhorado. Lula parece ver na Venezuela uma oportunidade de celebrar negócios produtivos, além de um possível cliente para investimentos. Com uma cabeça geopolítica, Lula parece ser capaz de se colocar no lugar dos países emergentes e antecipar suas necessidades.

Euler de França Belém – A Europa anuncia repasses de bilhões para o Fundo Amazônia. Esse dinheiro chega? Como é aplicado?

Chega, sim. Atualmente é usado para financiar ações contra crimes ambientais, pesquisas e monitoramento, conduzidos principalmente por organização da sociedade civil de interesse público (Oscips). O recurso vem, por exemplo, da Noruega, onde a produção de petróleo é forte e existe demanda por reduzir impactos climáticos. Essas empresas precisam investir o dinheiro em ONGs ou Oscips que são financiadas pelo Fundo Amazônia. 

Italo Wolff – No exterior, Lula tem afirmado que é injusto que a culpa pelas mudanças climáticas não seja dos países emergentes mas que o encargo de preservar fique agora com eles. O senhor acredita que é possível que países ricos financiem a conservação de países subdesenvolvidos? 

Lula joga pesado em busca de recursos. Ele diz “vocês poluíram, vocês pagam”. Se a industrialização começou no Reino Unido, não é justo que os países desindustrializados sejam para sempre desindustrializados. Eu penso que a cobrança faz sentido, da perspectiva de quem ainda precisa lidar com os problemas do subdesenvolvimento. 

Uma das soluções possíveis são os Fundos; outra, o mercado de crédito de carbono. Se países ricos querem continuar se industrializando, é razoável que adotem medidas mitigadoras como a compra de crédito de carbono em uma região preservada. Uma fazenda de Goiás adota boas práticas e licencia emissão de carbono em outra parte do mundo.