“Ninguém aceita um golpe no Brasil. Isso não faz mais parte do momento atual”, diz Demóstenes Torres
21 junho 2020 às 00h00

COMPARTILHAR
Para ex-senador, presidente da República “está sem o equilíbrio necessário para comandar o País” e “tem se empenhado grandemente em criar confusão”

O advogado Demóstenes Torres, que ocupou o cargo de senador da República por mais de nove anos, conhece como poucos as glórias e dissabores da relação entre os poderes na capital federal. Ex-secretário estadual de Segurança Pública, procurador de Justiça e professor, o hoje advogado vê o presidente Jair Bolsonaro como um menino de antigamente que não se contém ao ver uma confusão. Logo quer se jogar no meio.
Para Demóstenes, que se declara contrário a processos de impeachment, Bolsonaro precisa parar de comprar brigas o tempo inteiro se quiser terminar o mandato. “O que o presidente tem de fazer é acabar com essa rede de intrigas, isso de tentar interferir nos poderes, de tentar confusão a qualquer tempo e a qualquer momento, com qualquer pretexto. Senão não vai conseguir governar.”
Como o sr. tem visto este momento, que começou com as pessoas a questionar se as instituições funcionavam na sua plenitude, e agora o Supremo Tribunal Federal (STF) mais unido do que nunca, até por decisões recentes?
O que ocorre é que o presidente da República está sem o equilíbrio necessário para comandar o País. Sempre disse que sou contra impeachment, especialmente de Jair Bolsonaro (sem partido), um homem eleito com muitos votos. Também fui contra o impeachment da Dilma Rousseff (PT), porque não vi motivação.
A democracia precisa aprender a respeitar os resultados da urna. Bolsonaro deveria terminar o seu mandato. Convenhamos, Bolsonaro tem se empenhado grandemente em criar confusão. Bolsonaro parece aqueles meninos de antigamente que viam uma confusão do outro lado da rua, atravessavam a rua e iam lá dar e receber sopapo e iam embora sorrindo com a traquinagem que faziam.
Só que Bolsonaro é presidente da República. Precisa compreender que não foi eleito para governar para um grupelho. Foi eleito para governar para todo mundo. A medida que o presidente cria confusões, há reações, as pessoas provocam o Poder Judiciário. E o Poder Judiciário tem dado as respostas adequadas visando garantir que a pandemia seja combatida com eficácia, combatendo atos que ofendam a Lei de Segurança Nacional.
O ataque de um grupo bolsonarista ao Supremo se assemelha a um ataque terrorista. Continuo a entender que ainda pode ter um momento para conciliação. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ofereceu as mãos. Mas quanto mais se oferece as mãos, mais Bolsonaro e sua turma jogam pedra. Temos de achar um meio para ver se conseguimos fazer com que Bolsonaro termine o mandato.
O Brasil acaba por se transformar em uma republiqueta de quinta categoria, já que seus presidentes não concluem o mandato. Mais recentemente temos dois: Fernando Collor (Pros) e Dilma Rousseff. Já tentaram derrubar Michel Temer (MDB). E agora Bolsonaro. Assim não tem país que aguente!
Qual leitura o sr. faz das declarações do Bolsonaro de ser ele a Constituição, que defender a Constituição é defender a vontade do povo?
Bolsonaro não é a Constituição. É uma tentativa de buscar a volta ao tempo dos déspotas esclarecidos. A pessoa dizia “o Estado sou eu”, com tom mais autoritário. Bolsonaro quando assume o poder, como qualquer presidente da República ou como qualquer parlamentar, prefeito ou governador, é obrigado a jurar que cumpre a Constituição.
A Constituição, evidentemente, não é o presidente. Bolsonaro está abaixo da Constituição, como qualquer cidadão está abaixo da Constituição e das leis. Quem é encarregado de zelar pela Constituição é o Supremo Tribunal Federal, que tem essa jurisdição constitucional. É quem diz e quem dá a última palavra.
Bolsonaro quer se comportar como déspota esclarecido, quando déspotas diziam “o Estado sou eu”. Completamente diferente. Alguém botou isso na cabeça dele. Mas nem esclarecido Bolsonaro é. O que o presidente tem de fazer é acabar com essa rede de intrigas, isso de tentar interferir nos poderes, de tentar confusão a qualquer tempo e a qualquer momento, com qualquer pretexto. Senão não vai conseguir governar.
Se Bolsonaro não conseguir governar, será uma lástima para o Brasil, porque mais um presidente que não conseguirá. Isso abala nosso prestígio cada vez mais. Quem é que quer negociar com um país que tem insegurança política e insegurança jurídica a todo momento?
Na quarta-feira, 17, o STF já havia formado maioria pela continuidade do inquérito das fake news. Muito se discutiu sobre o Regimento Interno do Supremo, com relação a crimes cometidos nas dependências da Corte. No entendimento do sr., trata-se de um inquérito legal ou cabe discussão?
Cabe discussão. Há mais ou menos um ano, escrevi um artigo que dizia que o inquérito era plenamente possível. Por um motivo muito simples. O sistema brasileiro é regido pelo princípio acusatório. Isso quer dizer que a polícia investiga, o Ministério Público acusa e o Judiciário julga.
Há algum tempo, o Judiciário passou a admitir que o Ministério Público também pudesse fazer investigação. E há exceções à lei. Qual são as exceções? Quando um promotor comete um crime, quem é que investiga? O segundo grau, o procurador-geral de Justiça. Não pode delegar para outra pessoa.
Quando um juiz comete um crime, quem investiga? O Tribunal de Justiça. Quando um desembargador comete um crime, quem é que investiga? O Superior Tribunal de Justiça. Quando é um ministro do STJ, quem faz a investigação é o Supremo Tribunal Federal. Quando o crime é cometido nas dependências do Supremo, o regimento interno diz que quem faz a investigação é o próprio STF.
Acontece que o conceito de “dentro do Supremo” ou dentro de qualquer outro lugar foi alargado depois do advento das redes sociais. A fake news é cometida contra ministros do Supremo como se fosse dentro da Corte. Não há questionamento algum. São as pessoas que são contra que não admitem.
Sou favorável ao sistema acusatório puro, acabar com essas exceções. Só que é preciso de leis que acabem com as exceções. Que a polícia volte a investigar, o Ministério Público volte a acusar e o Judiciário volte a julgar. Exclusivamente. Mas, dentro do sistema que existe hoje, é perfeitamente legal e constitucional o chamado inquérito das fake news.
A interpretação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de que os ministros representam a extensão das dependências Supremo Tribunal Federal está correta?
Corretíssima. Porque é verdade. A agressão a ministro é como se o magistrado estivesse em seu gabinete. É uma agressão pessoal. Não é uma crítica, não é uma opinião, não é algo abalizado. É o contrário. É um atentado. Portanto, não há qualquer objeção a que esse se dê.
Agora, quando terminar, o inquérito será remetido ao Ministério Público, porque só o Ministério Público pode oferecer denúncia. E o procurador-geral da República que será o detentor da opinião se houve delito ou não. O Supremo vai fazer, como está fazendo, o inquérito e, ao fim, será remetido ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que pode descartar tudo que o Supremo fez dizendo que aquilo não configura crime. São momentos distintos da investigação.
Inclusive quando Bolsonaro fala sobre a quebra de sigilo dos deputados bolsonaristas, há certa confusão sobre quem apresentou o pedido contra os parlamentares. É um pedido que partiu do procurador-geral da República, mas o presidente acusa o STF.
O que há é uma confusão. Porque o presidente Dias Toffoli abriu o chamado inquérito das fake news e escolheu, porque pode, neste caso, o ministro Alexandre de Moraes para presidir.
A escolha do Alexandre de Moraes como relator do inquérito das fake news não deveria ter sido feita por meio de sorteio?
Este caso também é uma exceção, então Toffoli poderia e fez a indicação corretamente. Porque o regimento diz que pode ser assim. Depois, quando houve as manifestações antidemocráticas, o próprio procurador-geral da República pediu ao Supremo que abrisse uma investigação. Neste caso, foi sorteado, por coincidência, o ministro Alexandre de Moraes, que é muito correto.
Ficam com Alexandre de Moraes as decisões sobre prisão, busca e apreensão destes chamados ativistas, que na realidade são maloqueiros, baderneiros, que querem afrontar o País e ofenderam a Lei da Segurança Nacional. Por isso o inquérito tem de ser conduzido no Supremo Tribunal Federal. São pedidos que foram feitos pela própria Procuradoria-Geral da República (PGR). Nesse caso, não há qualquer discussão.
No inquérito que apura a tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, o ministro Celso de Mello tornou público o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. O sr. entende que é um conteúdo que deveria se tornar público? Quais são as repercussões políticas do que ocorreu naquela reunião de governo? O que pode ser apontado como indício de interferência?
Sergio Moro saiu do governo porque tentou a todo custo mandar no presidente da República. Isso de entrar “vou entrar em um lugar e o lixo é meu” não existe. O presidente da República tem o direito de escolher o ministro da Justiça, tem o direito de escolher o diretor da Polícia Federal. Qualquer um. É uma prerrogativa do presidente da República.
Moro fez um teatrinho para sair e se potencializar como candidato a presidente da República. Fez aquela coisa toda, disse que o presidente Bolsonaro queria ter uma polícia dócil, ser servil, controlada. Moro acusou Bolsonaro de ter cometido crimes. Foi para a relatoria do ministro Celso de Mello, que autorizou, com exceção daqueles trechos que ofendiam países estrangeiros, que guardava interesse público.
Mas Celso de Mello autorizou que se divulgasse o vídeo, porque a regra é publicidade. A regra não é ocultar. Tem processo que corre em segredo de Justiça porque a Justiça entende que não é bom divulgar. Ministro Celso de Mello divulgou. E o que vimos? Não tinha crime algum cometido pelo presidente Bolsonaro.
O que tinha, sim, era uma coisa que desmoralizava o Brasil. Uma reunião daquele nível, com supostamente os maiores luminares da República. Gente da maior inteligência. Pelo menos deveria ser. Utilizando palavras horrorosas. Agredindo a inteligência de qualquer um. Palavrões. Mostrou o baixo nível do presidente da República e dos seus seguidores. Algo desmoralizante.
E dos ministros. Gente falando bobagem o tempo inteiro. Como é que esse time pode pensar em governar o Brasil? O mais grave que temos naquela reunião foi o ex-ministro da Educação, que é totalmente analfabeto, agredir deliberadamente o Supremo Tribunal Federal. Moro deu um tiro de festim. Revelou uma parte desconhecida da população. Era o nível que as reuniões de gabinete tinham, como a coisa era tratada, com agressões, palavrões e tudo mais.
Moro, por fim, disse que se sentiu constrangido, pressionado, com o olhar que o presidente deu para ele. Até escrevi um artigo em que chamei de pressão Maria Bethânia, que gravou “Olhos nos Olhos”, do Chico Buarque. A música não quer dizer absolutamente nada. Moro também saiu bastante desmoralizado desse episódio.
Então nem aquele momento em que o presidente olha para Moro e diz que vai interferir, que se precisar troca até o ministro, haveria nenhum indício de intenção do presidente de interferir na Polícia Federal?
Não. Porque pode. Não interferir, mas trocar na hora que quiser. Pode trocar o chefe quando quiser, pode trocar o superintendente na hora que quiser. Tem muita gente que entende hoje que há uma autonomia de determinados setores da administração pública em relação ao presidente da República ou ao governador do Estado. Quem troca diretor da Polícia Federal e ministro é o presidente da República.
O que o presidente falou é que iria trocar a segurança. Mas não vi motivo algum e não acho que ninguém viu, porque o Supremo não deu bola para isso, para dizer que o Moro foi demitido porque queria preservar a autonomia da Polícia Federal. Queria preservar a pessoa ligada a ele. É diferente. Mas quem tem a última palavra é o presidente. Assim como no Estado é o governador. Se um secretário entra em atrito com o governador, não é o governador que vai ser demitido, é o secretário.
O sr. disse que Moro queria ter um poder de ministro muito maior do que deveria, na tentativa de presidir no lugar de Bolsonaro. Como o sr. tem visto a atuação do ex-ministro desde que saiu do governo? Quais são as possibilidades de Moro conseguir viabilizar sua candidatura como possível adversário de Bolsonaro em 2022?
Moro tem, inegavelmente, seu prestígio. Mas vamos lembrar que os popstars não costumam dar muito certo em termos de popularidade. O ministro Joaquim Barbosa saiu com quase 30% de intenções de votos e não deu em nada. Outros, como cantores… Para ganhar a eleição, qualquer que seja, é preciso ter um conjunto de fatores, entre eles partido e gente.
Bolsonaro foi uma exceção porque houve um momento de descrédito absoluto na política. O povo imaginou “vamos reeleger os cachorros doidos”. E os cachorros doidos foram eleitos. Olhe no que deu! Veja a bagunça que está o País! Olhe que situação calamitosa no Senado! Na Câmara dos Deputados.
O povo vai, novamente, em algum momento, perceber que não adianta votar naquele que quer só destruir. Qual é a proposta que a pessoa tem para construir alguma coisa? O PT tem uma grande estrutura, o PSDB tem outra grande estrutura. O próprio Bolsonaro hoje tem cerca de um terço do eleitorado construído pelo presidente ao longo do tempo.
Não vai ser fácil para Moro. Pode continuar longe das eleições com intenção de voto, muita gente a prestar atenção. Mas acredito muito difícil que o ex-ministro chegue lá. Especialmente porque, com as divulgações de áudio do The Intercept Brasil, viu-se que Moro realmente um juiz isento na Lava Jato. Hoje a atuação do ex-ministro é nenhuma, porque simplesmente não tem nada para fazer.
“Bolsonaro quer se comportar como déspota esclarecido, quando déspotas diziam “o Estado sou eu”. Mas nem esclarecido Bolsonaro é”

Os críticos de Sergio Moro dizem que o ex-ministro virou comentarista do Brasil no Twitter, até por não estar mais no governo ou ter se desligado da carreira da magistratura. Os mesmos críticos avaliam que Moro, como investigado no inquérito da suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, busca uma atuação mais legal do que enquanto juiz da Lava Jato. Como o sr. vê a atuação de Moro como juiz da Lava Jato e como investigado de inquérito no STF?
Com todo respeito à atuação de Moro, ficou evidente com os áudios divulgados que o ex-juiz chefiava os procuradores, que Moro tinha uma orientação, que era a condenação do ex-presidente Lula (PT). É isso que Moro queria. E conseguiu com isso ser ministro. Não chegou mais longe até agora porque foi impaciente. Deu uma saída como Jânio Quadros. Acreditou que sairia nos braços do povo, mas ninguém deu uma pelota para a saída de Moro até aqui. E acredito que nem dará.
Depois que Moro deixou a magistratura, um processo que voltou para um juiz de Curitiba (PR) por uma nulidade e outro em que Moro tinha condenado Lula a quase 12 anos de prisão, a pena já foi reduzida para oito. Fora os outros graus de jurisdição, que podem entender que há nulidade, que não existe crime. Já há uma amostra de que Moro se excedeu.
A segunda foi um pedido de arquivamento no Tribunal Regional Federal. Houve uma denúncia e o Tribunal arquivou o processo, que também foi iniciado na época do Moro. Nos dois processos, em um Lula foi absolvido e no outro teve a pena baixada para dois terços. É um indicativo de que não houve imparcialidade.
Como operador do Direito, qual avaliação o sr. faz das duas sentenças proferidas pelo então juiz Sergio Moro de condenação ao ex-presidente Lula?
Os dois que vi são os que a imprensa divulgou. O que foi arquivado morreu. Houve excesso. No outro, houve diminuição da pena em quatro anos. Efetivamente houve um excesso de interpretação contrária ao ex-presidente Lula.
Digo isso com muita tranquilidade. O ex-presidente Lula, enquanto estive na política, foi meu adversário. Mas isso não me cega a ponto de entender que o petista não foi perseguido, porque efetivamente foi.
Bolsonaro segue com uma força muito grande junto à população. Nas pesquisas de aprovação do governo, o presidente sempre aparece com cerca de 30% dos brasileiros ao seu lado. Houve a tentativa de se criar o partido do Bolsonaro, Aliança pelo Brasil. Mas o Tribunal Superior Eleitoral constatou que conseguiram pouco mais de 14 mil assinaturas, quando o necessário seria quase 500 mil. Como fica a situação de Bolsonaro para 2022 com a dificuldade em se criar o partido e com os ditos eleitores arrependidos dispostos a votar no presidente novamente se o segundo turno for novamente Bolsonaro e PT?
Não se deve desprezar o poderio político de Bolsonaro. O presidente está em uma baixa completa. Mas tem 30% dos votos, como foi dito. Qualquer partido, criado ou não o Aliança pelo Brasil, vai querer esses votos. E mais: outros 30% estão no regular. Podem tanto votar contra Bolsonaro quanto votar a favor.
Hoje todo mundo tende a votar contra por conta desta atuação horrível que Bolsonaro tem tido com a capacidade que tem de provocar turbulência a todo momento. Mas como é uma espécie de cachorro louco, também tem um terço das pessoas que estão na mesma direção.
É óbvio que tem outro terço que está bastante indeciso em quem votar. Se Bolsonaro recobrasse o juízo e passasse a governar não só para os malucos que o seguem, poderia ter muita chance de um segundo momento. Hoje o que Bolsonaro corre risco mesmo é de um impeachment.
A redução das entrevistas à frente do Palácio da Alvorada pode ter diminuído um pouco a polêmica diária que víamos sempre a ser criada pelo presidente?
Aquilo é uma bobagem que Bolsonaro faz. Tem um grupo de apoiadores que vai lá, o presidente quer dar satisfação. E a intelectualidade não é o forte de Bolsonaro. Tem de responder na hora, não tem ponderação. As bobagens que o presidente diz são potencializadas por seus inimigos. Às vezes é aquela coisa até inócua, mas fica tudo contra o presidente.
Escrevi vários artigos, o tempo todo, para dizer que não entendo que é caso de impeachment, que Bolsonaro deveria ponderar, que ministro do Supremo estendeu a mão. Em determinado momento, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), quis fazer isso, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. É preciso dialogar.
Não existe esta coisa. Autoritarismo já morreu. Um golpe no Brasil, por mais inviável que seja, vamos supor que ocorra. Não sobrevive um ano. O Brasil é a oitava maior economia do mundo. Tem uma inserção no mundo globalizado tremenda, é um grande produtor de alimentos.
Ninguém aceita um golpe no Brasil. Isso não faz mais parte do momento atual. Venezuela e Cuba são outra coisa. São paisetes que não têm influência geopolítica nenhuma. O que Bolsonaro tem feito é criar um clima ao alimentar seus fiéis. O presidente não precisa disso. Com todo o desgaste, Bolsonaro ainda tem cerca de 30% dos eleitores. Não precisa daquelas reuniões diárias com comentários infelizes diários onde ataca homossexual, mulher… Para quê?
Ninguém quer saber disso mais. Esse tipo de atitude só depõe contra Bolsonaro. Como entendo que o Brasil deve respeitar o mandato, por pior que seja o presidente – Bolsonaro é um sujeito honrado, honesto, não tem nada contra o presidente nesse aspecto -, deveríamos permitir que termine o mandato.
Mas, ao mesmo tempo, Bolsonaro deve respeitar a democracia. Deve passar a jogar com a maioria também. Dialogar, construir. Muitas vezes não é a nossa opinião que deve prevalecer, mas outra. Durante todo o tempo em que estive no Senado, fui o senador que mais relatei projetos. Talvez tenha o sido o que mais conseguiu transformar as ideias em leis.
Tive de negociar muito. No Estatuto da Igualdade Racial, eu era contra cota racial. Mas se não colocasse, não iria passar. Criei uma cota social, para pobre, independentemente de cor. Na Lei Maria da Penha, queria que naquele momento já tivesse o feminicídio. Muito tempo depois, votou-se o feminicídio.
Quanto tempo não tivemos de esperar para ter o divórcio direto, a separação, que era uma espécie de desquite, pudesse ocorrer? Depois o divórcio em cartório. Como em tantas leis. Os crimes contra a dignidade sexual. Às vezes não saem como do jeito que queremos, mas saem. Alguma coisa tem de sair.
Democracia é isso. Não é fazer prevalecer as nossas ideias, é fazer prevalecer o consenso. É assim que a sociedade avança, não é no porrete.
A mudança na lógica da gestão Bolsonaro, que desde a campanha prometia combater o que chamou de “a velha política”, e passar a negociar apoio no Congresso por meio de oferta de cargos no governo até que ponto é positiva ou negativa?
É positivo. Dizem que agora Bolsonaro está negociando com o Centrão. Nem sei o que é o Centrão, mas deve ser uma coisa muito boa. Porque o Centrão aprovou a Reforma da Previdência, o Centrão aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Centrão tem discutido reforma tributária para que paguemos menos imposto.
Os cargos são dados para aqueles que estão no governo. Não existe esta história de “não vou negociar” ou “não vou fazer”. Os cargos estão lá para serem preenchidos. Vai preencher com quem? Com adversário? O que essas pessoas precisam ter é decência, probidade, não roubar e não deixar roubar. Para isso, existe, além do próprio governo, o controle interno. E existe também o Ministério Público, polícia e uma série de regras.
Não podemos ter medo de utilizar dos mecanismos que a Constituição nos dá, que as leis nos permitem. Até agora, Bolsonaro tem sido, com todo respeito, um bobo da corte. Acabaria por ser cassado, até sem dever. E hoje o presidente tem uma possibilidade de reagir. Tem de se encontrar realmente com essa turma. Mas se Bolsonaro não tomar juízo, o presidente não vai conseguir fazer acordo e entendimento com ninguém.
Até que ponto essa aproximação com os partidos do Centrão estaria ligada a barrar os 48 processos de impeachment já apresentados contra Bolsonaro? Qual o risco que Bolsonaro corre com novas informações nos inquéritos que estão no STF se forem juntadas aos pedidos de cassação da chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão (PRTB) no TSE?
Bolsonaro não correr risco algum ao negociar com o Centrão. Todo mundo negociou. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) negociou, Itamar Franco (MDB) negociou. Quem não negociou foi o Fernando Collor (Pros), que foi cassado. Dilma não negociou, foi cassada. Bolsonaro tem o direito de negociar para não ser cassado. Isso é perfeitamente razoável.
O que tem até agora no TSE? Não tem nada. Só se for uma coisa nova. Mas uma coisa nova nós desconhecemos. Se tiver algo novo aterrorizante, que atente contra a democracia, contra a eleição de 2018, é outra coisa. Do jeito que está, até agora não tem nada para autorizar a cassação da chapa.
A prisão do ex-assessor parlamentar do presidente Jair Bolsonaro e do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Fabrício Queiroz, traz qual nível de preocupação para a família do presidente e para o governo federal?
Pelo o que foi divulgado, a prisão é totalmente ilegal. É uma prisão que se deu ao arrepio do Código de Processo Penal (CPC), porque a prisão preventiva, temporária ou provisória, é uma exceção. A regra é a pessoa responder solta.
Não foi divulgado nada que diga que se trata de segredo de Justiça. Mas você sabe, delegado vaza, promotor vaza, até juiz vaza em alguns casos. Pelo o que vazou, está escrito que a prisão é para evitar que pessoas, testemunhas, sejam perseguidas, provas sejam destruídas. A lei não pode presumir nada contra a liberdade.
O que poderia é “Queiroz está ameaçando a testemunha tal”, “está destruindo a prova X”. Mas a prisão para evitar que isso ocorra, sem nenhum indício de que isso possa vir a ocorrer, não tem nenhum cabimento. Acredito que a prisão será relaxada, demolida, quando chegar, mesmo no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo isso vai acabar.
O perigo real realmente ocorre. Porque ilegal ou não a prisão, lícita ou ilícita, está em vigor. Quando se prende uma pessoa e tem a mulher também ameaçada de prisão, a família, cria um temor naquele investigado principal. Tanto é que muitos delataram dessa forma.
Esse bum do lavajatismo ocorreu com prisões irregulares em que as pessoas eram quase que obrigadas a fazer uma delação, verdadeira ou falsa, para livrar a pele de quem está preso naquele momento. Há um risco de a pessoa querer declarar algo, verdadeiro ou falso, para se livrar.
O que se comenta desde a manhã de quinta-feira, 18, é que decretar a esposa de Fabrício Queiroz como foragida pode ser uma forma de tentar forçar uma possível delação do preso. O sr. entende que a ação se assemelha muito ao que ainda é utilizado na Operação Lava Jato?
A polícia aprendeu a fazer isso. O Ministério Público também. Com todo o meu respeito, o que interessa para eles é prisão e condenação. A Justiça não se limita a prisão e condenação. A Justiça também se estende a soltar e absolver. Isso que é Justiça. Dilatar a coisa. Dentro de uma investigação séria e honrada. Esses métodos são métodos da Lava Jato.
Bolsonaro, a onda do outsider e “tudo menos o PT” da eleição de 2018 pode ter um impacto nas eleições municipais de 2020?
Acredito que não. Nestas eleições municipais, os prefeitos e vereadores de todo o Brasil correm sério risco, em sua maioria, de perderem a eleição. Qualquer que seja o resultado ao fim, será desastroso: número de mortes, economia em frangalhos. Muita gente não se reelegerá.
Não acredito que o povo, depois de ver tudo isso, esteja atrás do cachorro doido. O povo agora quer o técnico, o sereno, o tranquilo, o que dá conta de fazer. Porque os outros prometeram demais e não entregaram nada. Já tem um ano e meio de mandato e até agora só gritaria, ruído, xingatório e nada produtivo.
Neste cenário de prejuízo ao trabalho de pré-campanha com a diminuição dos eventos presenciais, como fica a possibilidade, que já é grande, de adiar as eleições para novembro ou dezembro? É fácil votar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no cenário atual do Congresso?
Não é fácil votar nunca. Mas isso já é um consenso. Pelo o que vejo em Brasília, os parlamentares, tanto deputados quanto senadores, os próprios ministros do Supremo e do TSE, há um consenso de que, no mínimo, essa eleição terá de ser em novembro ou dezembro mesmo.
Os indicadores apontam para uma estabilização no número de casos da Covid-19 no Brasil, com aumento no Centro-Oeste e no Sul. Se isso realmente se consolidar até o mês de agosto, teremos eleição em novembro e dezembro. Se a estabilização não se consolidar, se o avanço de casos for pior, pode ser até que tenha prorrogação de mandatos, que é algo que ninguém quer.
Mas é preciso humildade diante dos fatos. Vai depender muito do que ocorrer em relação a essa pandemia. Ainda assim, será uma campanha baseada principalmente em redes sociais. Aquela história de ter reuniões… as reuniões podem ainda estar proibidas.
Quais os prejuízos o distanciamento social pode representar para o processo de escolha do voto?
Para aquele que está acostumado com as redes sociais, não representa prejuízo algum. Mas outras pessoas, a grande maioria, que vivem em interior e cidades pequenas, vão se sentir extremamente lesadas na informação. Nesse caso, haverá dificuldade. Para os maiores centros, acredito que já seja mais ou menos assim. Quem está em rede social obtém vantagem sobre outro que está começando agora.

