Wandir Allan: “Gargalo financeiro nas ações judiciais envolve os servidores. Para 2026, a expectativa é de R$ 400 milhões em precatórios”

06 setembro 2025 às 21h00

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O procurador-geral do Município de Goiânia, Wandir Allan, descreve-se nas redes sociais como “pai, advogado, professor e apaixonado por gente”. Palavras curtas, porém insuficientes para resumir sua extensa trajetória no meio jurídico.
Natural de Goiânia, Wandir é advogado, com pós-graduação em Direito Público e em Direito Eleitoral, além de diplomas em Teoria Política e Gestão Pública e em Gestão Pública. É conselheiro da OAB Goiás e, até o ano passado, atuava de forma constante em grandes processos e causas judiciais envolvendo eleições, incluindo ações que tinham como partes o prefeito Sandro Mabel e o governador Ronaldo Caiado.
Wandir foi o escolhido pelo prefeito Sandro Mabel para liderar a Procuradoria-Geral do Município de Goiânia (PGM), órgão responsável pelo assessoramento jurídico do Poder Executivo, desde o início do mandato. Nesta entrevista, o titular da PGM conta o que o motivou a aceitar o comando de uma das pastas mais recorridas e “badaladas” do Executivo goianiense.
Ele detalha os desafios tradicionais da gestão pública, que vão desde as discordâncias jurídicas entre o Legislativo e o Paço Municipal até a enorme quantidade de precatórios — ordens de pagamento emitidas pela Justiça em decorrência de processos judiciais, que a administração terá de honrar nos próximos anos. Wandir também defende uma atuação técnica à frente da PGM, enfatizando que a esfera política é responsabilidade exclusiva do prefeito e de sua equipe, área na qual ele não intervém.
Ton Paulo – Quando o prefeito Sandro Mabel começou a formar sua equipe de secretariado, havia muita especulação sobre os nomes escolhidos, já que ele é conhecido por seu perfil técnico e ligação com o setor empresarial. O que te motivou a aceitar esse convite para assumir um cargo tão estratégico e de grande visibilidade dentro da prefeitura?
Em primeiro lugar, para qualquer advogado é uma honra assumir a posição de procurador-geral da capital. É o reconhecimento de que você é visto como um bom profissional, e essa foi a minha principal motivação: a honra de ocupar o posto.
Em segundo lugar, participei ativamente da campanha do prefeito Sandro, atuando como advogado ao lado da doutora Talita e do doutor Diogo. Essa proximidade me permitiu conhecer de perto o plano que ele tinha para a cidade. Minha trajetória sempre esteve ligada ao direito público, tanto eleitoral quanto administrativo, especialmente no assessoramento de municípios. Assim, percebi que teria a oportunidade de vivenciar, na prática, aquilo que sempre trabalhei no consultivo. Esse foi um grande estímulo e um desafio que me motivaram a aceitar o convite.

Outro fator importante foi justamente o senso de desafio: pensar ‘será que ele vai conseguir realizar tudo isso?’. E se conseguisse, eu queria estar ao lado, queria participar. Vale ressaltar que esta é a primeira vez que ocupo um cargo em uma gestão.
É claro que isso exige renúncias e sacrifícios. Como advogado, eu tinha autonomia sobre minha rotina; já no serviço público, essa liberdade praticamente desaparece. Muitas vezes a primeira reunião acontece às sete da manhã e a última termina por volta de dez e meia ou onze horas da noite. Eu sabia que enfrentaria essa mudança, mas entendo que a decisão foi acertada.
Do ponto de vista profissional, a experiência tem sido muito enriquecedora: amplia minha visão jurídica, me coloca em contato com situações complexas e me permite aplicar na prática conceitos que antes ficavam apenas no campo teórico. Isso tem sido fundamental para meu crescimento.
Além disso, o cargo de procurador-geral do município traz visibilidade. Não que eu não fosse um bom advogado, eu sei que era. Mas existem muitos bons advogados. Procurador-geral do município, porém, só há um. Por isso, apesar dos sacrifícios, é também uma grande vitrine para qualquer profissional.
Fabrício Vera – Na LDO deste ano há um capítulo sobre riscos fiscais e ações judiciais que podem representar perdas para o município, envolvendo valores significativos em diversos processos. Há algum desses casos que o senhor destacaria, seja por ainda poder ser revertido ou pelo impacto que pode trazer, mesmo sendo processos oriundos da gestão anterior?
Existem diversas ações que vêm trazendo resultados ao longo do tempo. Só neste ano, por exemplo, conseguimos recuperar pouco mais de 130 milhões de reais em uma ação movida pelo município há muitos anos. Obtivemos o trânsito em julgado e o efetivo recebimento por parte do Estado, em valores relacionados aos fundos Fomentar, Produzir e Protege. Já recebemos os 130 milhões e ainda há expectativa de ingresso de mais 15 a 20 milhões.
Além dessa, há outras ações relevantes.
Mas destaco, sobretudo, o trabalho da Procuradoria na cobrança da dívida ativa, que tem sido muito efetivo. Conseguimos dar mais dinamismo a esse processo e isso tem trazido resultados expressivos para o município. Quando a LDO apresenta os riscos fiscais e as ações mitigadoras, é importante destacar que não se trata apenas da atuação da Procuradoria. Há um conjunto de órgãos envolvidos, especialmente os de controle, como a Controladoria-Geral do Município, e também a Secretaria da Fazenda, que vem implementando políticas mais eficazes de fiscalização e auditoria.
Existem diversas ações que vêm trazendo resultados ao longo do tempo. Só neste ano, por exemplo, conseguimos recuperar pouco mais de 130 milhões de reais em uma ação movida pelo município há muitos anos
Nesse contexto, a tecnologia tem papel fundamental. Nosso parque tecnológico era bastante defasado, para não dizer obsoleto. Não havia sequer backup: se um servidor parasse, as informações do município poderiam simplesmente se perder. Em apenas seis meses, conseguimos substituir esse equipamento, graças ao esforço da Secretaria de Inovação e Transformação Digital (SIT) e da Fazenda, que viabilizou o financiamento.
Sabemos que investimentos em tecnologia são caros, mas hoje existe uma integração muito maior entre as pastas, o que tem acelerado avanços.
Um exemplo é o projeto em desenvolvimento pela SIT, em parceria com a Fazenda, para criar uma plataforma única que concentre as informações de saúde, educação, Fazenda, Procuradoria e demais áreas.
Atualmente, os dados do município são fragmentados, cada secretaria possui o seu sistema próprio, e isso gera dificuldades inclusive para a execução fiscal. A unificação será um salto de eficiência para toda a administração.
Ton Paulo – A PGM conseguiu uma vitória recentemente no STF, especificamente, na questão do auxílio-locomoção dos servidores. Eles tentaram equiparar o valor do benefício ao piso nacional, mas a Justiça reconheceu que não havia essa obrigação por parte do Município. Mas em casos assim também há o desgaste político, não acha? Além disso, existem mais ações desse tipo em tramitação? Quais?
Sim, existem. Hoje, o maior gargalo financeiro nas ações judiciais envolve os servidores. Para o próximo ano, há uma expectativa de cerca de 400 milhões de reais em precatórios, e a grande maioria desses valores está relacionada a interpretações do Estatuto dos Servidores.
Ao longo dos anos, diversas leis que afetam os servidores foram aprovadas; algumas foram implementadas, outras não. As que não são implementadas acabam gerando disputas judiciais. O servidor, ao se sentir prejudicado, recorre à Justiça, que decide sobre seus direitos.
A Procuradoria, por sua vez, realiza análises detalhadas sobre os motivos das condenações do município. A partir disso, propomos alterações legislativas, declarações de impossibilidade de leis ou incidentes de uniformização de jurisprudência, em algumas das quais já obtivemos êxito.

No entanto, quando se trata de mudanças que dependem de alteração legislativa, entra em cena o componente político. Nosso papel é técnico: identificamos o que precisa ser alterado para reduzir o risco. Se a alteração será encaminhada ou aprovada, isso pertence ao âmbito político, no qual evitamos intervir.
Tenho uma visão muito clara do meu papel. Não estou como procurador-geral por indicação política ou composição partidária; minha função é técnica. Cabe a mim fornecer ao prefeito informações técnicas, para que ele, com base em seu juízo de conveniência e oportunidade, decida sobre o encaminhamento de determinado projeto de lei. Na política, não tenho nem legitimidade para atuar.
Italo Wolff – Qual a avaliação do senhor sobre essa grande quantidade prevista de precatórios, que parece não ser uma exclusividade de Goiânia e Goiás. Qual a origem disso? É uma questão “brasileira”, por assim dizer?
Toda construção legislativa é fruto de um debate político que leva em conta circunstâncias, lobbies e grupos de pressão. É a combinação desses fatores que culmina na criação de uma lei. Muitas vezes, ao propor uma legislação que beneficie determinada carreira, não se avaliam todos os reflexos sobre outras carreiras. Ou, na boa intenção de fazer algo positivo para o servidor, aspectos importantes podem ser desconsiderados, e esses acabam sendo explorados judicialmente depois.
Um exemplo é uma lei de Goiânia que autoriza o pagamento do décimo terceiro no mês do aniversário do servidor. Inicialmente, a medida foi vista como um benefício: ao invés de receber o décimo terceiro em dezembro, o servidor recebe no mês do aniversário, podendo se planejar melhor.
No entanto, a lei não definiu qual seria o valor de referência para o décimo terceiro: seria o valor do mês do aniversário ou o de dezembro? Essa lacuna gerou questionamentos judiciais por parte de servidores que passavam a receber mais em dezembro, criando um grande impacto financeiro para o município.
Esse exemplo ilustra como é difícil prever todas as nuances e possibilidades de exploração de uma lei. Nosso papel é analisar essas consequências e propor eventuais adequações. Não se trata exatamente de uma falha, mas de uma questão quase filosófica: o fato social precede a norma. Primeiro, existe uma realidade social que é analisada e debatida; depois, o poder político decide regulamentá-la por meio de uma lei.
Ao criar a lei, existe um controle antecipado de constitucionalidade que passa pela Procuradoria, pela Procuradoria da Câmara e pela Comissão de Constituição e Justiça. Depois, ocorre o controle posterior, quando se observam as implicações práticas da norma e eventuais lacunas. Na maioria das vezes, não se trata de erros ou falhas, mas de perspectivas que não eram possíveis de serem antecipadas no momento da criação da lei.
Italo Wolff – Quais outras ações de destaque, que têm o Paço Municipal como parte, que correm no STF?
No momento, não me recordo de uma ação específica tramitando no STF. Temos, porém, uma ação no STJ relacionada ao Parque Vaca Brava. Nessa ação, havia um dever de indenizar o particular pela área do parque. Em uma grande vitória da Procuradoria, e aqui falo da instituição como um todo, incluindo os procuradores de carreira, o município conseguiu demonstrar, no julgamento de um recurso e no embargos de declaração no TJ de Goiás, o equívoco dessa obrigação de indenizar o particular por uma área que é do município.
Acredito que essa seja uma das ações mais relevantes atualmente, mas estamos em posição de vantagem. Conseguimos reverter o entendimento na instância local, e agora o terceiro recorreu ao STJ. Existem ainda diversas discussões de constitucionalidade que impactam o caso.
Um exemplo recente, dentro dessa mesma reclamação, diz respeito ao percentual de reajuste do piso salarial dos professores. Entendeu-se que esse percentual, calculado pelo MEC e informado aos municípios, não se aplica a todas as parcelas ou hipóteses de remuneração dos servidores da educação, mas apenas ao vencimento inicial da carreira do professor.
Como advogado, eu tinha autonomia sobre minha rotina; já no serviço público, essa liberdade praticamente desaparece
Antes, havia uma interpretação ampliada, que tentava estender esse percentual a todas as parcelas e níveis da carreira, o que não condiz com a lógica do piso. O STF reafirmou sua jurisprudência: o reajuste do piso é exigível apenas para o vencimento inicial da carreira, enquanto os demais reajustes seguem o percentual apurado para a data-base dos servidores como um todo.”
Fabrício Vera – Há um projeto em tramitação na Câmara que permitiria aos vereadores apresentar propostas com impacto financeiro, hoje vedadas pela Lei Orgânica do Município, desde que acompanhadas de estudo de impacto orçamentário e analisadas por comissões específicas. Como procurador do município, qual é a sua avaliação sobre uma iniciativa desse tipo? O município, considerando a sua situação financeira atual, comporta projetos com impactos orçamentários mais elevados?
Eu vejo isso com certa preocupação. É legítimo que a Câmara evolua, e essa iniciativa até reflete um olhar atento: ‘Onde estamos enfrentando dificuldades ou vetos? Ah, nas questões orçamentárias, pela ausência de estudo de impacto financeiro. Então, vamos organizar isso.’ Isso é absolutamente legítimo.
Minha preocupação é mais prática. Existe o princípio da separação de poderes, em que cada poder tem sua função típica: o Executivo administra, o Legislativo legisla e o Judiciário aplica as leis e decide sobre infrações.
Por pertinência, quem possui a expertise para avaliar o impacto de determinada medida orçamentária nas contas públicas, bem como propor medidas mitigadoras, é o Executivo. Ele conta com a Secretaria da Fazenda, a Superintendência da Receita, a Superintendência do Orçamento e outros órgãos de controle, que têm condições técnicas de elaborar esses estudos.
Isso não impede que a Câmara provoque o Executivo para que elabore tais estudos. Pelo contrário, acredito que seria o modelo mais adequado dentro da divisão de funções constitucionais: o Legislativo solicitando informações técnicas, sem assumir a competência de produzir um documento que não possui base técnica nem flexibilidade de gestão para gerar respostas completas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal exige mais do que o simples estudo: ela demanda análise dos impactos no ano fiscal e nos subsequentes, assim como as medidas para mitigar riscos, aumentar receitas ou reduzir despesas. É difícil imaginar que o Legislativo possa realizar isso sozinho.
Tecnicamente, vejo dificuldade. Uma alternativa viável seria que, antes de apresentar um projeto de lei que gere impactos orçamentários e crie obrigações, o vereador solicitasse previamente à Secretaria da Fazenda a análise de impacto correspondente.
Ton Paulo – Um tema que tem gerado muito debate recentemente é a taxa do lixo, que está em análise na Câmara e corre o risco de ser derrubada. Nossa reportagem apurou que o prefeito Sandro Mabel poderia recorrer ao Judiciário caso a taxa seja revogada pelo Legislativo. O senhor acredita que a judicialização de questões vindas da Câmara pode desgastar a relação entre os dois poderes? Como o senhor enxerga essa situação?
Posso falar do ponto de vista técnico. Do ponto de vista político, essa análise cabe ao prefeito. Enquanto advogado do município, se identifico uma ilegalidade ou um vício de constitucionalidade em uma lei ou proposta legislativa, meu dever funcional é informar o prefeito e apontar os caminhos possíveis.
Em relação à tentativa de derrubada da taxa do lixo, identifiquei diversas fragilidades técnicas que podem ser questionadas judicialmente. A decisão sobre a conveniência de recorrer ao Judiciário é política; cabe ao prefeito avaliar.
Agora, falando de forma pessoal, como cidadão, toda lei que nasce com uma deficiência em relação a uma norma maior deve ser questionada. Isso traz implicações políticas? Sim. Mas todo gestor público tem um compromisso com a história, não apenas com a popularidade ou questões eleitorais.
Quando se trata de mudanças que dependem de alteração legislativa, entra em cena o componente político. Nosso papel é técnico: identificamos o que precisa ser alterado para reduzir o risco
No caso da taxa do lixo, se houver revogação, há um preço histórico a ser pago, que considero muito grande para o município. A taxa foi criada dentro do marco do saneamento como forma de financiar o serviço, mas também cumpre a função de princípio do poluidor-pagador. Ela incentiva o cidadão a produzir menos resíduos, porque quanto mais resíduos produz, mais paga, promovendo educação e política ambiental.
O marco do saneamento permite, inclusive, a criação de outras taxas, como a taxa de drenagem. Muitas vezes não se compreende que impostos não implicam contraprestação direta de um serviço: pagamos impostos porque elegemos o Estado para cuidar de necessidades básicas da sociedade, como saúde, educação e segurança.
Por outro lado, existem serviços específicos prestados pelo Estado, que podem e devem ser remunerados por taxas ou preços públicos. A coleta de resíduos é um exemplo: é um serviço universal, mas divisível. É possível calcular o custo e dividi-lo entre os cidadãos. Nesse sentido, a taxa do lixo é uma questão de justiça fiscal: quem usa, paga, e quanto mais se usa, mais se paga, como funciona em um condomínio.
Fabrício Vera – O vereador Lucas Vergílio, autor da proposta de revogação da taxa, justifica que ela não foi inserida na LOA do ano passado, valendo para este ano. Como o senhor vê esse argumento, e como o Paço deve reagir se a taxa for, de fato, derrubada?
Eu não posso te afirmar se vai ou não ser judicializado. O que eu posso afirmar é que eu tenho elementos de inconstitucionalidade da lei, caso ela venha a ser aprovada, para que ela seja questionada.
Aí a decisão política cabe ao prefeito, mas juridicamente há elementos muito concretos para declarar a inconstitucionalidade dessa lei.
Ton Paulo – Outra questão que parece estar no radar da Procuradoria é a questão da dependência da Comurg em relação à Prefeitura de Goiânia, determinada pelo Tribunal de Contas dos Municípios. Como está isso? O Paço tenta, ainda, reverter esse cenário?
Na verdade, não se trata de uma reversão de quadro, mas de uma evolução da Comurg. A ideia do prefeito é torná-la uma companhia de fato, uma empresa superavitária que, além de prestar serviços ao município de Goiânia, consiga se sustentar independentemente do orçamento municipal.
O que significa dependência econômica? É o reconhecimento de que a empresa não consegue, com sua receita própria, arcar com custos como folha de pagamento e manutenção. Há uma confusão comum de que isso implicaria perda de autonomia, mas não é o caso. A Comurg continua sendo uma empresa pública, gerida por um conselho de administração e por uma diretoria executiva, com autonomia para licitar seus procedimentos e manter seu corpo jurídico próprio.

A diferença é que, agora, existe uma declaração jurídica de que ela gasta mais do que arrecada, cabendo ao sócio majoritário, no caso, a prefeitura, aportar recursos. Uma primeira implicação disso é a limitação dos salários ao teto constitucional. Se não fosse dependente, poderiam existir remunerações muito acima do permitido. Além disso, os números da Comurg passam a compor o balanço do município no que diz respeito ao gasto com pessoal, respeitando o limite de 54% da receita corrente líquida, com barreiras prévias até 95% do total, o chamado limite prudencial. Ultrapassar esses limites impacta concursos, reajustes e até o julgamento das contas do governo.
Ton Paulo – Mas o que muda, do ponto de vista prático?
Do ponto de vista prático, a mudança para independência tem pouca diferença. Mas, do ponto de vista político e empresarial, é significativa. O prefeito quer sanear a Comurg, atrair parceiros privados e explorar todas as suas potencialidades. Hoje, a Comurg é a maior detentora de serviços de conservação, limpeza e urbanismo do Estado de Goiás, com um acervo técnico difícil de encontrar no setor privado, o que possibilita participar de projetos similares em qualquer lugar do Brasil, gerando mais receita própria e riqueza para o município.
Desde o início do ano, foi implementado um plano de reestruturação financeira. O repasse de quase 180 milhões de reais faz parte desse plano. A redução das despesas com pessoal, consolidada de 42 milhões para cerca de 28 a 30 milhões, ocorreu ao longo dos meses. Também foram criados centros de custos específicos para acompanhar gastos de manutenção de frota, limpeza de praças e identificar unidades superavitárias ou deficitárias.
Em relação à tentativa de derrubada da taxa do lixo, identifiquei diversas fragilidades técnicas que podem ser questionadas judicialmente. A decisão sobre a conveniência de recorrer ao Judiciário é política; cabe ao prefeito avaliar
Todos os órgãos estatutários foram organizados e estão em funcionamento, incluindo comitês de auditoria e de elegibilidade. Hoje, um conselheiro da Comurg precisa passar por um comitê de elegibilidade antes da indicação, garantindo que tenha as prerrogativas necessárias.
Esse conjunto de ações integra um tempo de ajustamento de gestão junto ao TCM. Nos próximos dois anos, será comprovada a execução do plano de reestruturação, dando cumprimento ao acordo transitório julgado em outubro, que declarou a dependência. Ao final desse período, a expectativa é consolidar a evolução da companhia.
Ton Paulo – E como está a situação do Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores de Goiânia, o Imas? Haverá, de fato, a reestruturação?
Hoje, o Imas enfrenta um passivo oficial e um passivo público ainda em aberto, popularmente chamado de ‘dívida do pen-drive’. No passivo oficial, há cerca de 2 bilhões de reais em dívida. O que está sendo feito é uma tentativa de negociação com os credores, buscando reduzir esse débito. Alguns aceitam os descontos propostos pelo prefeito, outros não, então ainda estamos nessa fase de negociação com os fornecedores.
O grande desafio, no entanto, é garantir a sustentabilidade futura do Imas. Está sendo desenvolvido um modelo de operação mais profissional, com gestão de carteira, dos planos de saúde e da rede credenciada, permitindo que a estrutura permanente do Imas se concentre exclusivamente no atendimento ao servidor. Atualmente, cerca de 70 mil vidas são atendidas pelo Imas.
No penúltimo ano, o instituto sofreu um impacto significativo: a partir de um acordo coletivo da Comurg, criou-se a obrigatoriedade de incluir dependentes sem contribuição adicional. Quem paga essa conta? O Imas, que já era deficitário. Dessa forma, a qualidade mínima de atendimento se torna inviável sem fonte de custeio adequada.

Estamos corrigindo essas distorções e será encaminhado um projeto de lei de reestruturação do Imas. O objetivo é implementar uma gestão moderna, semelhante à de operadoras privadas como HapVida e Porto Seguro: ter uma rede credenciada com critérios claros de remuneração e utilização dos serviços. É importante lembrar que o Imas não é um serviço público de saúde, mas um serviço assistencial do município para seus servidores, com contribuição do município e do servidor. O foco é oferecer uma entrega efetiva para os servidores, que atualmente questionam: ‘de que adianta pagar se não consigo atendimento?’
Fabrício Vera – E existe a possibilidade de o Imas ser gerido por uma OS no futuro?
Nenhuma. Hoje, não existe essa discussão. A gestão do Imas será própria, com um suporte de gestão profissional.
Fabrício Vera – Sobre o Jóquei Clube de Goiânia, há alguma atualização sobre a reintegração do local?
Hoje estamos em discussão com a associação do Jóquei Clube para definir a melhor forma de satisfazer a dívida que o clube tem com o município e, ao mesmo tempo, viabilizar a utilização do espaço, que é o nosso objetivo. Foi noticiado que uma pequena área de cerca de 400 metros na sede foi adjudicada a um terceiro em uma ação trabalhista.
Estamos ampliando o decreto de utilidade pública para incluir esse terceiro, que também será desapropriado. Essa tratativa é diferente da negociação com o Jóquei, mas o objetivo do município é realizar um encontro de contas. Atualmente, o diálogo com a associação do Jóquei busca justamente equilibrar a dívida tributária que eles possuem com o valor da área a ser utilizada pelo município.”
Ton Paulo – Existe alguma estimativa do principal motivo de judicialização da Prefeitura, hoje, por parte dos servidores?
Estamos falando de questões como gratificação natalina; diferenças entre o pagamento no mês do aniversário e no mês de dezembro; horas extras dos trabalhadores da educação, quando um professor de 30 horas assume 60 horas e recebe as 30 horas adicionais dobradas; progressões que não foram pagas ao longo de muitos anos; e a chamada estabilidade econômica, quando o servidor recebe uma gratificação por determinado período e deseja incorporá-la ao seu salário. Qual é o índice de êxito da Prefeitura nesses processos?
Em alguns desses casos, já há até IRDR [Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas] no tribunal, onde a Prefeitura perde. Por isso, a Procuradoria propôs alterações legislativas e orientou o gabinete a conceder progressões, conforme a legislação vigente.
Estamos falando aqui dos demonstrativos de riscos fiscais, que incluem demandas judiciais diversas, como processos de reconhecimento de direitos de servidores. Atualmente, o passivo estimado é de cerca de 642 milhões de reais, mas a projeção chega a quase 800 milhões.