Francisco Sérvulo Freire Nogueira é servidor de carreira do atual Ministério do Planejamento e Orçamento, no cargo de analista de Planejamento e Orçamento. É mestre em Teoria Econômica pela Universidade Federal do Ceará e em Ciência Política pela Universidade de Brasília, além de especialista em Planejamento Estratégico e Desenvolvimento e em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Sérvulo ocupa, desde meados do ano passado, o posto de secretário titular da Secretaria da Economia de Goiás, uma das mais importantes da esfera estadual. Leia-se titular, pois o economista já passou anteriormente pela pasta como secretário adjunto, tendo depois seguido para a Secretaria de Administração e, por fim, retornado à Economia.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Sérvulo revela detalhes sobre a entrada de Goiás no Propag e descreve o que o Estado precisou, e conseguiu, fazer para equilibrar as contas públicas após assumi-las em condições calamitosas herdadas da gestão anterior. O secretário aponta os avanços alcançados por Goiás, que conseguiu ampliar sua Capacidade de Pagamento e, segundo ele, atingir o equilíbrio fiscal, algo que antes parecia inimaginável.

O titular da Economia garante ainda que Daniel Vilela, que assumirá o Governo do Estado em abril do próximo ano, encontrará a casa em ordem, em um cenário bastante diferente daquele vivido há sete anos, quando o atual governador Ronaldo Caiado assumiu Goiás em meio a uma situação de caos financeiro.

Ton Paulo – O presidente Lula autorizou a saída de Goiás do RRF e, consequentemente, a adesão do Estado ao Propag. Na prática, o que essa mudança representa para Goiás? Quais serão os impactos reais na economia estadual, no equilíbrio das contas públicas e na gestão fiscal com a migração do RRF para o Propag?

O RRF é um regime que suspende o pagamento da dívida. Ele suspende durante um determinado período e, após isso, o Estado passa a pagar de forma escalonada: começa com 11%, depois 22%, depois 33%, e assim sucessivamente até alcançar 100% do pagamento integral da dívida. Nesse sentido, enquanto estamos dentro do regime, usufruímos dessa redução proporcional no pagamento do serviço da dívida. Porém, é importante destacar que a regra de correção dessa dívida não é alterada pelo RRF.

Tudo aquilo que o Estado deixa de pagar, assim como o saldo devedor, é acumulado e corrigido pela taxa Selic. Esse é o grande peso da dívida estadual: embora estejamos amortizando, o valor elevado da taxa de juros representa um impacto muito alto para o Estado. Isso impede que, no curto prazo, haja uma redução efetiva do saldo devedor, porque a Selic continua muito alta. Então, mesmo com amortizações, a dívida não tende a diminuir de fato.

Ton Paulo – E qual foi a demanda que levou à criação desse programa?

O Propag nasceu de uma reivindicação dos Estados mais endividados, especialmente Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que hoje não conseguem arcar com o serviço anual de suas dívidas. Para ilustrar, a dívida do Estado de São Paulo é de cerca de R$ 280 bilhões, enquanto Minas Gerais e Rio de Janeiro têm dívidas em torno de R$ 180 bilhões. O serviço anual dessas dívidas varia de R$ 20 a R$ 30 bilhões. Como um Estado pode se manter saudável, cumprindo todas as suas obrigações, retirando anualmente um volume tão elevado de recursos?

Diante disso, esses Estados, por serem os maiores devedores, buscaram a revisão da Lei Complementar nº 148 (que posteriormente foi sucedida), que estabelecia a forma de correção do saldo da dívida e definiam novas regras de amortização. A partir daí, surgiu a discussão sobre o pagamento dessas dívidas. Goiás, por também estar incluído no Regime de Recuperação Fiscal e possuir uma dívida elevada, especificamente a dívida com a União, que é a tratada no Propag, entrou nesse contexto. Vale lembrar que o Estado possui outras dívidas, como com agentes financeiros (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal) e com organismos internacionais, como o Banco Mundial. Ou seja, o conjunto das dívidas é diverso.

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“Somando tudo, o montante geral da dívida herdada pelo governador Caiado alcançava entre 6,3 e 6,4 bilhões de reais”, diz Sérvulo | Foto: Fábio Chagas/Jornal Opção

O Propag tratou especificamente do refinanciamento da dívida do Estado com a União, estabelecendo uma nova regra de correção do saldo devedor. Essa nova regra funciona da seguinte forma: se o Estado consegue amortizar até 20% da dívida, passa a ter direito ao pagamento de uma taxa de juros de 0%, acrescida apenas da correção pelo IPCA. Em contrapartida, fica obrigado a contribuir com 1% para o Fundo de Equalização Federativa e mais 1% em investimentos obrigatórios nas áreas consideradas prioritárias.

A principal prioridade definida pelo Propag é que os Estados aderentes se comprometam a destinar pelo menos 60% desse 1% adicional para a ampliação de vagas no ensino técnico e profissionalizante. Assim, Goiás assumirá, durante todo o período em que estiver no Propag, essa meta fundamental de expansão do ensino técnico profissional no Estado.

Ton Paulo – E como será feito o acompanhamento das aplicações de contrapartida do programa?

Como o Estado que adere ao Propag precisa fazer uma contribuição de 1%, essa despesa deve estar incorporada ao orçamento estadual.

Para separar as contas e identificar claramente qual é a aplicação obrigatória e qual é a aplicação própria do Estado, criamos um fundo dentro do orçamento estadual. Esse fundo permitirá que a sociedade acompanhe de forma muito clara e transparente quanto está sendo aplicado e onde esses recursos estão sendo destinados, no âmbito das contrapartidas estaduais do programa de pagamento da dívida. Essa despesa entra como obrigatória dentro da lei orçamentária.

João Paulo Alexandre – A dívida mencionada com a União é maior do que a que o Estado tem com as instituições financeiras?

Nos anos 80, o Brasil enfrentou uma grave crise econômica. E qual era essa crise? Primeiro, havia o problema do endividamento externo, associado a um processo inflacionário muito intenso, chegamos a viver um período de hiperinflação, com meses em que a taxa chegava a quase 70% ou 80%. Como resultado, os Estados passaram a emitir títulos mobiliários, muitas vezes por meio de bancos estaduais, bancos públicos ou mesmo de suas empresas estatais. Essas instituições tinham autorização para emitir dívida.

O que ocorreu é que Estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro se tornaram grandes devedores e, com o processo inflacionário e as altas taxas de juros, surgiu aquela dinâmica conhecida como overnight. Emitia-se diariamente um volume enorme de títulos no mercado financeiro, o que levou a uma situação de quase insolvência dos bancos estaduais.

Diante disso, a União conduziu um processo de saneamento dessas dívidas, assumindo integralmente o passivo dos Estados. Quando a União assumiu essas dívidas, os Estados tiveram de firmar dois grandes contratos, amparados por duas leis: a Lei 9.496 e a Lei 8.727. Essas leis estabeleceram as condições para que os Estados transferissem para a União dívidas que eram originalmente responsabilidade dos próprios Estados, de seus bancos estaduais e de suas empresas estatais.

A origem de todo esse processo foi uma renegociação lenta e longa, que durou quase dez anos. Depois dessas leis, a União tornou-se a principal credora dos Estados. Embora o passivo dos bancos estaduais tenha sido transferido para a União, os Estados assumiram o compromisso de pagar essa dívida ao longo do tempo.

Somando tudo, o montante geral da dívida herdada pelo governador Caiado alcançava entre 6,3 e 6,4 bilhões de reais

O que estamos discutindo hoje, em relação ao Propag, é que aquela dívida gerada lá nos anos 80 ainda persiste. Atualmente, o Estado possui um passivo de cerca de R$ 20 bilhões originado de todo esse processo. Mesmo tendo feito pagamentos ao longo dos anos, o saldo remanescente, corrigido pela Selic e por outras regras de atualização, ainda alcança aproximadamente R$ 20 bilhões.

Ton Paulo – Mas o Estado hoje ainda é deficitário?

Não, o Estado hoje está equilibrado. E é importante esclarecer que recebemos o Estado com um déficit de 6,3 bilhões de reais. Esse déficit incluía todas as dívidas com fornecedores, que somavam cerca de 4 bilhões, e duas folhas de pagamento atrasadas, totalizando aproximadamente 1,8 bilhão.

Além disso, havia dívidas contratadas que sequer haviam sido empenhadas e que precisaram ser honradas com recursos do orçamento de 2019, sendo reconhecidas posteriormente como obrigações do Estado. Somando tudo, o montante geral da dívida herdada pelo governador Caiado alcançava entre 6,3 e 6,4 bilhões de reais.

Além dessa dívida, existe a chamada dívida consolidada do Estado, isto é, a dívida de longo prazo que inclui compromissos com bancos, instituições financeiras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Mundial e a União. Hoje, essa dívida consolidada totaliza 26 bilhões de reais, dos quais 20 bilhões são com a União.

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Secretário Francisco Sérvulo, em entrevista ao Jornal Opção | Foto: Fábio Chagas/Jornal Opção

Já a dívida de curto prazo, que corresponde às obrigações decorrentes das contratações do Estado, como pagamentos do dia a dia e despesas de folha, era de 6,3 bilhões no início do governo Caiado, em janeiro de 2019. Hoje, essa dívida de curto prazo não existe mais. O Estado está totalmente adimplente, paga com extremo rigor todos os seus fornecedores e não há casos de falta de pagamento.

Eventuais atrasos que porventura ocorram são consequência dos trâmites normais de prestação de contas, como análise de documentação fiscal e verificação das condições de entrega dos serviços, o que é parte natural do processo administrativo.

Portanto, não há inadimplência em nenhuma obrigação do Estado. Todas as responsabilidades vêm sendo cumpridas integralmente. E, como herança dos governos anteriores, permanece a dívida consolidada de cerca de 26 bilhões de reais, sendo 20 bilhões referentes ao passivo com a União.

Ton Paulo – Essa adimplência foi atingida quando? Em que ano o Estado realmente atingiu o equilíbrio financeiro e fiscal?

No final de 2019, o Estado já havia alcançado um processo de organização dos pagamentos e do fluxo financeiro. Isso ocorreu porque, em junho de 2019, recorremos ao STF e, por meio de uma ação, solicitamos a suspensão dos pagamentos da dívida. Na ocasião, por meio de duas decisões, uma relatada pelo ministro Dias Toffoli e outra pelo ministro Gilmar Mendes, foi determinada a suspensão do pagamento das dívidas estaduais.

Naquele momento, o Estado tinha um compromisso anual de 2,3 a 2,4 bilhões, e o caixa não suportava essa despesa. Por isso, o governador recorreu ao STF, que reconheceu a situação crítica do Estado e suspendeu os pagamentos enquanto eram realizadas tratativas com a Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Economia, para a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Essas discussões com o Ministério da Economia se estenderam por dois anos.

Não há inadimplência em nenhuma obrigação do Estado. Todas as responsabilidades vêm sendo cumpridas integralmente. E, como herança dos governos anteriores, permanece a dívida consolidada de cerca de 26 bilhões de reais

A suspensão foi um alívio necessário para que o Estado pudesse se reorganizar, honrar compromissos com fornecedores e recuperar sua capacidade de pagamento. Hoje, o Estado está extremamente organizado, com todos os compromissos claramente identificados, sem cancelamento de contratos e sem contratos que deixem de ser empenhados ou devidamente reconhecidos nas contas estaduais.

João Paulo Alexandre – Quais economias foram feitas desde o início? Quais medidas têm sido mantidas? E o Estado consegue contar, hoje, com alguma espécie de “poupança”? Qual é o valor dessa poupança atualmente?

Sim. Bem, iniciei no governo Caiado em janeiro de 2019. Nos primeiros anos, atuei como secretário adjunto da Secretaria de Economia. A secretária titular era a Cristiane Schmidt e eu exercia a função de secretário adjunto. Desde então, desde cerca de 10 de janeiro de 2019, venho acompanhando todo o processo de reequilíbrio e reorganização das contas do Estado.

Participei ativamente desse processo e acompanhei de perto as medidas que permitiram ao Estado alcançar esse resultado. Quais foram as principais mudanças em termos de equilíbrio fiscal? A primeira delas ocorreu ainda no final de dezembro de 2018, quando o governador Ronaldo Caiado promoveu uma série de alterações em leis de concessão de benefícios fiscais e também elevou a contribuição ao Fundo Protege. Essas medidas tiveram o objetivo de recuperar a capacidade de arrecadação do Estado.

Em seguida, já no início de 2019, iniciamos os estudos que também eram discutidos no âmbito federal para a implantação da reforma previdenciária no Estado. Assim, logo no primeiro ano de governo, realizamos uma reforma estrutural, que foi a reforma da Previdência. Também alteramos o processo de concessão de benefícios fiscais e implementamos uma nova lei para esse fim, a lei do ProGoiás, que instituiu um modelo diferente do que vigorava anteriormente, como o Produzir.

Francisco Sérvulo, em entrevista ao Jornal Opção | Fábio Chagas/Jornal Opção

Recuperamos diversos instrumentos de aumento da arrecadação, ampliando nossa capacidade de receita no IPVA, no ITCD e no próprio ICMS, sempre do lado da Receita e sem gerar aumento de carga tributária.

Pelo lado da despesa, além da reforma previdenciária, promovemos uma reorganização da administração estadual por meio da atualização do Estatuto do Servidor Público. Diversos benefícios concedidos anteriormente, que não tinham amparo na legislação federal, foram revisados para que nossa lei estadual ficasse alinhada à lei federal.

Reorganizamos a estrutura administrativa, revisamos vinculações estaduais obrigatórias nas áreas de esporte, cultura, ciência e tecnologia e ampliamos o alcance do Fundo Protege, revisando os programas sociais que podem ser financiados com seus recursos.

Também extinguimos 19 fundos especiais que funcionavam como bolsões de recursos e limitavam a capacidade alocativa do governador. Fizemos alterações em todo o processo de autorização orçamentária, ampliando o controle, o rigor e o monitoramento do orçamento. Ao longo do tempo, adotamos medidas drásticas de contenção de gastos, como a imposição do teto obrigatório de gastos previsto pelo Regime de Recuperação Fiscal, que atuou como mecanismo de limitação da despesa.

Em termos fiscais, o legado do governador é extremamente significativo. Do ponto de vista fiscal, ele deixará um Estado com as finanças altamente organizadas, uma capacidade de pagamento muito superior à que encontrou

Permanecemos vigilantes, com uma gestão pautada por orientação técnica, disciplina e responsabilidade. O governador tem plena consciência de seu papel enquanto gestor para manter o Estado equilibrado, e foi isso que conseguimos alcançar ao longo de sua administração.

Ton Paulo – Neste ano de 2025, o governo também conseguiu aprovar na Alego o Fundo de Estabilização Econômica de Goiás, o FEG, uma espécie de “cofrinho” para uso emergencial. O aporte mensal, conforme destacado na proposta, está sendo feito?

O governador lançou o Fundo de Estabilização Fiscal, que pode ser utilizado em situações de contração da atividade econômica, quando é necessário contar com uma reserva financeira para permitir a atuação do Estado nessas circunstâncias. Não existe uma vinculação direta com a receita, mas essa é a finalidade do fundo.

O ano de 2025 é marcado pelo avanço e pelo aumento das entregas de governo, especialmente na ampliação dos investimentos. Atualmente, estamos investindo mais de 4 bilhões de reais em rodovias, na ampliação de obras rodoviárias e em obras civis. Uma parte significativa desses investimentos está sendo financiada pelas reservas de caixa acumuladas nos últimos anos.

Também utilizamos essas reservas de caixa para cumprir diversas obrigações herdadas de governos anteriores. Houve aumento no pagamento de precatórios, a quitação de débitos do Estado com o Bolsa Garantia, que é uma contribuição das empresas com créditos decorrentes dos programas Fomentar e Produzir, e fizemos a recomposição do fundo de reserva de depósitos judiciais. Todas essas obrigações, necessárias para reorganizar as contas do Estado, exigiram um desembolso de caixa que não veio da receita do ano, mas sim da disponibilidade financeira acumulada.

À medida que o Estado recompor sua capacidade financeira, fará os aportes ao Fundo de Estabilização Fiscal. Ainda não estamos realizando esses aportes porque estamos priorizando a ampliação dos investimentos, inclusive em áreas como a saúde.

Ton Paulo – O Jornal Opção noticiou recentemente que o governo estadual decidiu fazer uma amortização de parte da dívida consolidada existente, que ficaria em torno de 3,8 bilhões. Essa amortização já foi realizada? Caso não, de que forma será feita? Será dinheiro retirado do caixa? Como isso será operacionalizado?

O regime do Propag prevê que o Estado faça uma amortização que pode variar de 0 a 20 por cento, ou de 0 a 10 ou 20 por cento, do total do saldo. O Estado de Goiás optou, em seu modelo de ingresso no Propag, por amortizar 20 por cento. Esse percentual corresponde a algo em torno de 3,8 a 4 bilhões, considerando o total da dívida do Estado com a União.

Para realizar essa amortização, o Estado indicou diversas fontes e origens de ativos. Entre os ativos que podem ser utilizados para abater o valor da dívida estão receitas provenientes de recursos minerais, de recursos hídricos, de devoluções da Lei Kandir e, adicionalmente, a indicação de recursos do FNDR. Essa indicação se refere a fluxos futuros.

O que o Estado receberá nos próximos 10 a 15 anos corresponde exatamente ao montante de 3,8 bilhões, que será direcionado para amortizar esses 20 por cento. Assim, fica claro que o Estado não está utilizando recursos do caixa para realizar essa amortização.

“Independentemente de estarmos no RRF ou de sairmos do RRF, o montante de comprometimento com o pagamento das dívidas é da ordem de 12,5 bilhões, além dos precatórios”, diz Sérvulo | Foto: Fábio Chagas/Jornal Opção

Em uma hipótese final, caso fosse necessário completar o valor a ser apresentado, a Lei Complementar 212 permite que o Estado faça o aporte em moeda. No entanto, esse não é o caso, pois o Estado possui receitas a receber que podem ser utilizadas ao longo do tempo para cumprir essa amortização.

João Paulo Alexandre – O Estado tem quanto em caixa atualmente?

O Estado iniciou o ano utilizando seus próprios recursos, o que é importante destacar. O Tesouro Estadual é composto por uma parte dos recursos, mas o Estado, enquanto ente federativo, é algo distinto do Tesouro. Em 31 de dezembro de 2024, o Tesouro Estadual possuía 13 bilhões em caixa como disponibilidade financeira. Nossa estimativa é que, ao final de 2025, encerremos o ano com algo em torno de 11,5 bilhões.

Em termos de disponibilidade em caixa, a contabilidade pública adota alguns conceitos. Um deles é o resultado primário, que corresponde à comparação entre as despesas do ano e as receitas do ano. Como, em 2025, estamos utilizando essas disponibilidades financeiras que funcionam como uma espécie de poupança ou reserva para custear pagamentos relacionados a investimentos, à ampliação do sistema de saúde, ao saneamento de contas e ao cumprimento de obrigações herdadas, essa receita aplicada não entra no cálculo do resultado primário. Isso ocorre porque o resultado primário considera apenas a receita arrecadada no ano em relação ao total das despesas do ano.

Assim, nessa comparação entre receita anual e despesa anual, teremos de fato um déficit primário de aproximadamente 4 bilhões, resultado desse conceito contábil. Embora o Estado esteja saudável e equilibrado financeiramente, o indicador apresenta essa relação entre receita e despesa.

Ton Paulo – O senhor mencionou que o Estado atingiu o equilíbrio fiscal e financeiro. A adesão ao Propag é realmente necessária?

A resposta é sim. Independentemente de estarmos no RRF ou de sairmos do RRF, o montante de comprometimento com o pagamento das dívidas é da ordem de 12,5 bilhões, além dos precatórios, que também precisam ser honrados regularmente.

Assim, apenas com dívidas, considerando que os precatórios também são classificados como obrigações dessa natureza, ultrapassaríamos 3 bilhões em desembolsos anuais. Com a renegociação da dívida do Estado por meio do Propag, o serviço anual da dívida passa a ser de aproximadamente 1,2 bilhão. Isso demonstra o alívio financeiro significativo que essa mudança proporcionará ao Estado.

Dentro da lógica do pacto federativo, os Estados não podem ficar sufocados por suas obrigações financeiras. As responsabilidades constitucionais atribuídas aos Estados incluem segurança pública, educação e saúde, além da atuação obrigatória na conservação de rodovias.

Ao longo do tempo, os Estados assumiram um conjunto cada vez maior de obrigações constitucionais. Se não houver capacidade financeira para garantir a prestação adequada desses serviços à população, o próprio conceito de federação fica comprometido. Não há como um Estado sobreviver sendo estrangulado por um serviço da dívida desse porte, ainda mais quando corrigido pela taxa Selic.

Apenas os recursos próprios, provenientes da arrecadação corrente, são insuficientes para atender à grande demanda por obras de infraestrutura, como duplicação de rodovias e ampliação da capacidade de produção de energia. Esses gargalos precisam ser enfrentados

Por isso, foi fundamental que os Estados mais relevantes da federação se mobilizassem para redesenhar a relação entre Estados e União no que diz respeito ao tratamento da dívida dos entes subnacionais.

Ton Paulo – O governo federal realizou sua reforma previdenciária, o governo estadual também fez a sua, e agora os municípios, de forma individual, parecem se articular para promover suas próprias reformas previdenciárias. Esse conjunto de reformas, em diferentes níveis, não pode gerar algum tipo de embaraço, desorganização ou até um risco quanto ao pagamento de aposentados e pensionistas?

A questão da reforma previdenciária, para quem acompanha o debate no Congresso Nacional, é que a grande reforma deveria ter sido feita já em nível constitucional, com um modelo extensivo automaticamente aos Estados e aos municípios, previsto na própria emenda constitucional.

No entanto, por uma questão de viabilidade política, optou-se para que cada ente federativo elaborasse e internalizasse a sua própria reforma previdenciária. Isso acabou gerando uma descoordenação, relacionada à capacidade política de cada gestor em negociar e aprovar sua reforma. Como consequência, os sistemas previdenciários tornam-se cada vez mais custosos e onerosos para toda a sociedade, não apenas para os servidores públicos, pois, ao final, é o contribuinte quem financia a máquina pública, seja no âmbito municipal ou estadual.

A necessidade de realizar reformas previdenciárias é inexorável e se evidencia a cada momento. Atualmente, o custo da previdência alcança algo em torno de 13 por cento do PIB. A reforma realizada foi suficiente para sanar todas as falhas existentes? Avançamos bastante. Fizemos uma reforma altamente aderente ao modelo estabelecido pela União em sua emenda constitucional.

Essa discussão também remete a uma questão mais ampla. Hoje, a juventude cada vez menos busca vínculos formais de trabalho, o que pode levar a um colapso do sistema e à criação de um impasse. Qual é esse impasse? O trabalhador formal é, de uma forma ou de outra, o principal contribuinte do sistema previdenciário. À medida que as ocupações deixam de ser formalizadas e a relação entre contribuição previdenciária e benefícios de aposentadoria se enfraquece, o financiamento da previdência passa a ser sustentado por um número cada vez menor de contribuintes.

Além disso, há o problema demográfico. A população está envelhecendo, o número de jovens diminui e o contingente de pessoas mais velhas aumenta. Assim, teremos cada vez mais beneficiários da previdência e um número menor de contribuintes sustentando o sistema.

Esse descompasso entre o sistema de contribuição e o uso dos benefícios é um problema que o país terá de enfrentar em um prazo curto, possivelmente em menos de cinco anos.

Ton Paulo – O Propag abre brechas ou possibilidades para que o Estado contraia novas operações de crédito e empréstimos? Em caso afirmativo, o Estado já vislumbra a contratação dessas operações de crédito no próximo ano?

Quando o governador Caiado assumiu o governo, o Estado estava classificado como Capag D, que é o menor nível de avaliação de capacidade de pagamento. Naquele momento, vivíamos uma situação de fragilidade financeira. Em 2025, o Estado já alcançou a classificação Capag B+, com perspectiva de avançar para Capag A. Estados com classificação Capag B já estão aptos a contratar novas operações de crédito. Atualmente, portanto, estamos priorizando a ampliação dos investimentos do Estado.

Sabemos que apenas os recursos próprios, provenientes da arrecadação corrente, são insuficientes para atender à grande demanda por obras de infraestrutura, como duplicação de rodovias e ampliação da capacidade de produção de energia. Esses gargalos precisam ser enfrentados e, nesse contexto, a contratação de operações de crédito pode ser uma alternativa para obter recursos adicionais e viabilizar os investimentos necessários.

Ton Paulo – Já existe alguma tratativa com instituições financeiras nesse sentido?

Não. A área de infraestrutura, inclusive, já apresentou projetos de investimento. O governador esteve no Banco Mundial há cerca de dois anos para apresentar esses projetos, que também foram encaminhados à União. No entanto, como o Estado estava inserido no Regime de Recuperação Fiscal, não foi possível avançar na contratação dessas operações de crédito.

Acredito que, a partir de agora, caberá ao vice-governador Daniel Vilela, que será o próximo governador, conduzir esse processo e definir as prioridades que considerar fundamentais para o Estado.

Ton Paulo – No ano que vem, o governador Ronaldo Caiado deverá se afastar do cargo para disputar a Presidência da República, e o vice-governador Daniel Vilela assumirá o Palácio das Esmeraldas. Em termos fiscais, qual será o maior legado que o governador Caiado deixará para Daniel Vilela nesses nove meses à frente do governo?

Em termos fiscais, o legado do governador é extremamente significativo. Poderia citar diversos pontos, mas, do ponto de vista fiscal, ele deixará um Estado com as finanças altamente organizadas, uma capacidade de pagamento muito superior à que encontrou e reconhecida nacionalmente pela condução responsável da política fiscal. Além disso, o Estado contará com uma disponibilidade financeira em torno de 11 bilhões de reais, que poderá ser utilizada para financiar e ampliar os investimentos públicos.

Daniel Vilela também herdará um Estado que já realizou as principais reformas estruturais, como a reforma previdenciária, a atualização do Estatuto do Servidor Público, a extinção de fundos e a revisão de vinculações orçamentárias, medidas que ampliaram a eficiência das políticas públicas. Foram criadas e fortalecidas políticas fundamentais nas áreas de assistência social e saúde.

Trata-se de um Estado extremamente organizado, cuja construção contou, inclusive, com a participação de Daniel Vilela em 2022. Ao mesmo tempo, é um Estado com grande potencial e forte demanda por crescimento. Assim, o principal desafio do vice-governador será ampliar e impulsionar ainda mais o crescimento do Estado.

Ton Paulo – De fato, o Estado estava quebrado quando o governador assumiu o governo de Goiás?

Como já mencionei, o déficit era de 6,3 bilhões de reais. No entanto, o principal problema estava no pagamento do dia a dia. Naquele momento, a disponibilidade de caixa era de apenas 13 milhões de reais. Esse era o volume de recursos efetivamente depositados nas contas do Estado.

Observe a diferença entre um déficit de 6,3 bilhões e uma disponibilidade de apenas 13 milhões. O volume de pagamentos diários exigia um controle extremo, pois só era possível pagar aquilo que entrava diariamente no caixa. A arrecadação do dia era utilizada para honrar as obrigações do próprio dia.

Como um Estado consegue se organizar nessas condições, sem sequer saber o que poderá pagar no dia seguinte? A insegurança para fornecedores e servidores era enorme. Muitas vezes, virávamos o mês sem saber se conseguiríamos pagar a folha no final. Era necessário escolher diariamente quais fornecedores e prestadores de serviço tinham prioridade e acompanhar minuciosamente a arrecadação diária.

Foi um período de extrema dedicação de toda a equipe, não apenas da Secretaria, mas de vários órgãos envolvidos, que trabalharam intensamente durante cerca de um ano nessa tarefa diária de reorganização das contas do Estado.

João Paulo Alexandre – Essa dívida era de qual período? Correspondia a todo o mandato anterior?

Trata-se de uma dívida intermediária, no valor de 6,3 bilhões. Ao longo do tempo, outros passivos foram sendo identificados. Como já destaquei, grande parte do saneamento financeiro realizado pelo Estado envolveu obrigações herdadas de exercícios anteriores, algumas delas desde 2012. Para se ter uma ideia, somente neste ano pagamos cerca de 500 milhões de reais em débitos com servidores da Secretaria de Educação, referentes a progressões, reajustes e outros direitos que não haviam sido concedidos.

Assim, o trabalho de reorganização das finanças envolveu reconhecer valores que deixaram de ser pagos, honrar compromissos de reajustes anuais, promoções não concedidas e férias não usufruídas, em todas as áreas da administração estadual.