COMPARTILHAR

Nascido em Mossâmedes, interior de Goiás, Antônio Caiado é cidadão dos Estados Unidos desde 2005, quando deixou o Brasil e se mudou para Norwood, no estado de Massachusetts. Na “terra do Tio Sam”, construiu uma carreira sólida nas áreas militar e de segurança: atuou como policial, participou de guerras, incluindo a do Afeganistão, serviu no Exército dos Estados Unidos no Oriente Médio, em países como Jordânia e Kuwait, tornou-se mestre em Engenharia de Segurança pela Southern Methodist University, trabalhou como examinador de patentes no United States Patent and Trademark Office e, atualmente, é primeiro-sargento na Texas Army National Guard. Hoje, vive em Dallas, no Texas.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Antônio Caiado comenta as posições adotadas pelos Estados Unidos em relação a países da América Latina, como Brasil e Venezuela, e revela detalhes da “guerra às drogas” conduzida por Donald Trump, que resultou em operações e intervenções em outros países. Ele também descreve sua rotina como militar nos EUA, gerenciando equipes responsáveis pela coleta de informações usadas na elaboração de operações estratégicas em diversas partes do mundo – uma atividade essencial para a inteligência das forças armadas norte-americanas.

Sobre a relação com o Brasil, Antônio prevê que os EUA devem, sim, impor mais sanções diante da escalada da tensão entre os dois países. No entanto, é categórico: “Não vejo os Estados Unidos entrando em guerra com ninguém, nem com o Brasil, nem com qualquer outro país, militarmente”.

Italo Wolff – Temos visto o governo norte-americano fazendo ataques contra países da América Latina, principalmente a Venezuela, em águas internacionais contra os narcoterroristas. O motivo é realmente a guerra às drogas?

Essas operações que os Estados Unidos estão realizando agora já existem há muitos anos, mas, até então, não eram conduzidas pelo Department of War (Departamento de Guerra). Quem as executava era o Homeland Security e a Coast Guard. Vale lembrar que a Coast Guard não faz parte do Department of War, mas sim do Homeland Security. Eles já realizavam operações de apreensão, porém nunca tinham realizado abatimentos.

Operações semelhantes existem no Brasil, em toda a América do Sul e em várias partes do mundo, sempre em cooperação com a Coast Guard. Há inclusive um departamento voltado quase exclusivamente para o combate ao tráfico de drogas, que atua em parceria com a Polícia Federal, com a polícia do Rio de Janeiro, de São Paulo e de outros estados, em diferentes pontos estratégicos.

Imagem do WhatsApp de 2025-09-19 à(s) 19.29.52_a60a1041
Antônio Caiado é primeiro-sargento nos EUA | Foto: Arquivo pessoal

O que o governo Trump busca agora é, de fato, eliminar as drogas que entram nos Estados Unidos, não apenas vindas da Venezuela, mas de toda a região do Caribe. As mesmas operações feitas lá também são realizadas na fronteira com o México. Mas, no fundo, há um forte componente de propaganda. Essa propaganda tem algum efeito, mas não há a intenção direta de confrontar o governo Maduro.

O impacto acontece de forma indireta: essas ações acabam desmoralizando e reforçando a imagem de que a Venezuela é um dos principais fornecedores de drogas para o mundo e, especialmente, para os Estados Unidos.

Ton Paulo – Como você avalia o envio da frota para a costa da Venezuela, que chegou a ser retirada em razão do alerta de furacão? Foi uma ameaça velada?

Entre junho e setembro, período conhecido como high season, ocorre a maior incidência de tempestades tropicais no Atlântico. Tudo depende, portanto, das condições climáticas. Na primeira vez em que a frota foi enviada, houve a necessidade de recuo por questões de segurança, tanto para os cerca de 4 mil soldados envolvidos quanto para a proteção dos equipamentos. Mas, se observarmos bem, a estratégia dos Estados Unidos no Caribe é semelhante à que eles já adotam no Oriente Médio.

Os EUA mantêm presença militar constante em várias regiões estratégicas do planeta. Atualmente, possuem 11 destroyers (navios de guerra), distribuídos em pontos-chave. Para se ter uma ideia, a Rússia conta com cerca de quatro e a China, com três. Ou seja, os Estados Unidos têm uma superioridade naval que permite, em teoria, “parar o planeta”. Esse poder de dissuasão é algo que nenhuma outra potência alcançou até hoje.

No caso específico do Caribe, não se trata de uso direto da força, mas sim de demonstração de poder. Assim como aconteceu durante a parceria com Bolsonaro, o tema das drogas tem sido utilizado como justificativa para reforçar essa presença militar, sobretudo com um recado claro à América Latina e, em especial, ao governo Maduro. Há, por parte de Trump, uma política declarada contra o presidente venezuelano, alimentada também pela questão migratória: muitos venezuelanos buscaram refúgio nos Estados Unidos, e Trump costuma afirmar que Maduro libera prisioneiros para emigrarem.

Ainda assim, não vejo um confronto direto entre EUA e Venezuela. O que ocorre é um impacto indireto: ao atacar o narcotráfico, o governo venezuelano acaba atingido por tabela. Quanto mais Maduro reage, mais aumenta a percepção de que está vinculado ao tráfico, algo semelhante ao que ocorreu com a Colômbia em outros momentos.

Posso afirmar com segurança que os Estados Unidos nunca vão aceitar perder o poder do dólar ou o controle do SWIFT. Isso eles não abrirão mão, em nenhuma circunstância

É importante lembrar que os Estados Unidos sempre mantiveram uma relação muito próxima com a Colômbia, ainda que não necessariamente com o atual governo. Outro parceiro estratégico fundamental é o Paraguai, considerado peça-chave para operações americanas na região. O território paraguaio funciona como uma espécie de base logística, não apenas para ações militares, mas também para operações de resgate e retirada de diplomatas ou cidadãos em situações emergenciais na América do Sul.

Italo Wolff – Aqui na América Latina, essas ações dos Estados Unidos muitas vezes passam a impressão de intervencionismo, talvez como uma herança das décadas de 1960 e 1970, marcadas pelas ditaduras na Argentina, no Brasil e em outros países da região. Na sua avaliação, os Estados Unidos ainda mantêm essa linha diplomática de intervir em governos ideologicamente opostos?

Posso afirmar com segurança que os Estados Unidos nunca vão aceitar perder o poder do dólar ou o controle do SWIFT. Isso eles não abrirão mão, em nenhuma circunstância.

Atualmente, o governo Trump não quer assumir essa responsabilidade sozinho. Ele pressiona de todas as formas possíveis, porque, como ele mesmo destacou recentemente, não adianta aumentar sanções contra a Rússia se os próprios países da OTAN continuam comprando petróleo russo. Ou todos atuam juntos, ou nenhum age. Na realidade, são os países europeus que mais sofrem com a guerra na Ucrânia, muito mais do que os Estados Unidos.

Isso não significa, entretanto, que Trump se veja como um imperador global. Ele busca, na visão dele, uma postura justa, distribuindo responsabilidades. Por outro lado, quando analisamos os países do BRICS, incluindo o Brasil, percebemos que há um esforço de resgate de algo que, na prática, já está obsoleto: o socialismo.

Muitos imaginam que a China possui enorme poder, devido à quantidade de pessoas e à escala de suas obras. No entanto, ao analisar com mais atenção, percebe-se que grande parte da produção atual é automatizada e robotizada, reduzindo o impacto real do tamanho populacional e da infraestrutura.

Ton Paulo – Os EUA estão acompanhando ativamente o desenrolar da situação do ex-presidente Bolsonaro aqui no Brasil, que acabou de ser condenado a mais de 27 anos de prisão. E as tarifas que Trump impôs, inclusive, foram uma retaliação direta a isso. O senhor acha que existe a possibilidade de uma intervenção mais acentuada no Brasil? Militar, por exemplo.

Não, os EUA não vão se envolver nisso. Como eu disse, não vejo os Estados Unidos entrando em guerra com ninguém, nem com o Brasil, nem com qualquer outro país, militarmente. Eles não vão colocar o que chamamos de “pé em chão” em lugar nenhum, porque aprendemos nos últimos 25 anos que é muito fácil entrar, mas extremamente difícil sair.

Imagem do WhatsApp de 2025-09-19 à(s) 19.29.52_d672a1f1
Antônio Caiado, durante missão pelo Exército dos Estados Unidos | Foto: Arquivo pessoal

O Brasil, de fato, não representa ameaça alguma para os EUA. A única preocupação seria a postura de Lula, que continua criticando o dólar. No entanto, se analisarmos suas ações, vemos que todas as organizações internacionais nas quais ele se envolveu acabaram sendo enfraquecidas. O Mercosul, por exemplo, hoje praticamente não tem relevância. Onde Lula atua, ele tende a desestruturar as instituições, em linha com sua mentalidade socialista.

Ton Paulo – Mas por que, então, o presidente Trump demonstra tamanha preocupação com a questão do BRICS?

Se o BRICS criar uma moeda única, isso mudaria completamente o jogo. Com essa moeda, não seria mais possível aplicar sanções eficazes contra países como Irã, Rússia ou China. O poder de negociação em relação a esses países, ou mesmo em relação a redes terroristas globais, seria significativamente reduzido. Sanções perderiam efeito, e a capacidade de pressionar ou negociar com essas nações se tornaria muito limitada.

Essa tendência já pode ser observada no Brasil há bastante tempo. Por exemplo, a China começou a estabelecer negociações no país quando adquiriu o Banco da Bahia; o governo chinês se tornou dono de um dos bancos baianos e passou a realizar operações com o Irã, ainda que de forma discreta.

No entanto, é importante lembrar que o principal mercado que gera receita para a China é o americano. A China pode vender para o mundo inteiro, mas, se começar a operar com sua própria moeda, não lucrará tanto quanto ao negociar em dólares. O que a China realmente busca é receber pagamentos em sua moeda e vender em dólares, garantindo assim maior ganho financeiro.

Acredito que a grande briga é sobre a moeda, essa tentativa de substituir o dólar em transações internacionais.

Italo Wolff – Como a família Bolsonaro, Eduardo, especificamente, é visto nos EUA? Ele tem realmente essa influência junto à Casa Branca como diz ter, sobretudo na parte das sanções aplicadas ao Brasil?

Eu diria que eles têm a influência, mas não com todos; alguns deputados apenas. Nos Estados Unidos, a política é muito coesa: quando um grupo de deputados republicanos se posiciona sobre algo, os demais tendem a se unir e apoiar a mesma linha.

Mesmo o Eduardo, que mora em uma cidade no subúrbio de Dallas, não tem apoio de deputados do Texas. Se analisarmos quem realmente o defende e tenta levar adiante suas pautas, veremos que são deputados da Flórida e da Virgínia, mas nenhum do Texas.

O Eduardo Bolsonaro mantém grande proximidade com um dos filhos de Trump. No segundo mandato de Trump, ele retirou toda a família da política, atualmente, eles cuidam apenas de seus negócios. O Eduardo também tem contato com um genro de Trump, especialmente por questões religiosas e relacionadas a Israel. Antes, esses contatos eram feitos mais através dos filhos do presidente, e não diretamente com Trump.

O Brasil, de fato, não representa ameaça alguma para os EUA. A única preocupação seria a postura de Lula, que continua criticando o dólar

No entanto, o Eduardo poderia ter muito mais influência. Conheço pessoas com acesso muito maior ao presidente. Por exemplo, vou a uma igreja batista aqui cujo pastor é conselheiro religioso do presidente e atua diretamente na Casa Branca, e nunca vi o Eduardo por lá.

Quanto às sanções, tenho certeza de que elas vão aumentar. O Brasil afirma que os Estados Unidos não querem negociar, mas, na prática, observa-se apenas uma postura cada vez mais arrogante.

Italo Wolff – México e China são os principais produtores da substância fentanil. Os EUA, inclusive, já fizeram algumas intervenções, por meio de tarifas, como forma de pressionar o governo mexicano a combater esse problema mais efetivamente. O uso dessa substância é realmente disseminado nos Estados Unidos? Quais os reais impactos?

É praticamente uma pandemia. Muitos jovens, principalmente no Norte, têm morrido por overdose de fentanil. Os Estados Unidos vêm adotando ações não apenas no México, mas também dentro do próprio território. Na semana passada, por exemplo, o México apreendeu um grande volume de material utilizado na produção de fentanil que estava dentro dos Estados Unidos.

O maior produtor, eu diria até um dos únicos, é a China. O México funciona, na verdade, como rota de trânsito: os insumos chegam lá, a produção é finalizada e, em seguida, a droga é enviada para os Estados Unidos.

Atualmente, no entanto, a fronteira está muito mais fechada, o que dificulta bastante a entrada de qualquer tipo de droga. A forma como Trump tem combatido o tráfico deve reduzir o consumo interno nos próximos anos. Ele reforçou o controle em todo o Caribe, além de intensificar a vigilância nas fronteiras com o México e o Canadá. Não está brincando: os Estados Unidos mantêm vigilância em nível global.

Por outro lado, à medida que Trump endurece o combate, os traficantes também buscam novas rotas alternativas. Ou seja, a luta contra o tráfico e, em especial, contra o fentanil não é apenas um pretexto político, trata-se de uma preocupação real. Muitos adolescentes têm perdido a vida. Sei que New Hampshire, por exemplo, foi um dos estados mais afetados recentemente. Não por acaso, Trump enfatizou esse tema de forma intensa em sua campanha por lá.

Curiosamente, são justamente os estados do Norte, mais liberais, os que mais sofrem com essa crise.

Ton Paulo – Pode nos falar um pouco sobre sua ocupação militar aí nos Estados Unidos?

No momento, sou primeiro-sargento de uma companhia. Nosso trabalho é coletar informações para criar operações estratégicas em diferentes partes do mundo. Além disso, exerço a função de gerenciamento de equipes. Atualmente, coordeno times de quatro pessoas cada, distribuídos em diversas regiões, como Kuwait, Alemanha, África e Caribe. Esses grupos estudam e analisam cada localidade, coletando informações geográficas, políticas e sociais.

Todo esse material retorna para nós, que usamos os dados na formulação de estratégias e no planejamento das operações, aumentando as chances de sucesso. Tenho certeza de que, em todas as operações realizadas no Caribe, já contamos com informações detalhadas: desde o funcionamento de cada governo até a dinâmica de cada ilha. Não se trata apenas de inteligência bruta, mas também de previsões sobre possíveis reações antes mesmo de iniciarmos qualquer ação. Nosso trabalho é altamente estratégico. Por isso, a informação é essencial, não buscamos criar inimigos, mas sim fortalecer relações, como no caso do Caribe.

Imagem do WhatsApp de 2025-09-19 à(s) 19.29.52_61c17285
Antônio Caiado é militar nos EUA | Foto: Arquivo pessoal

O objetivo é conter o tráfico de drogas. Acredito que, se mantivermos esse ritmo de trabalho, em quatro anos muitos traficantes terão desistido ou serão eliminados. Não vamos acabar completamente com o problema, mas a tendência é reduzir bastante.

Claro, tudo depende da continuidade desse esforço.

Italo Wolff – Na última vez que você esteve em Goiânia, conversamos sobre uma das preocupações dos EUA, que era o grupo Houthi no Iemên, que prega “morte a Israel e aos EUA”. Esse grupo, inclusive, foi bombardeado por Israel recentemente. Como está isso atualmente?

Muita gente acredita que os Estados Unidos têm total controle sobre Israel, mas isso não é verdade. Eu mesmo já trabalhei com israelenses no Iraque. Os EUA utilizam algumas tecnologias de Israel, e em várias áreas eles possuem recursos melhores do que os nossos. Com a meta declarada de eliminar o Hamas, Israel conduz muitas operações sem qualquer interferência americana.

Os americanos chegam a ser informados, mas apenas uma ou duas horas antes das ações. Não é que não haja comunicação, existe, mas sempre de última hora. Quando mataram o primeiro-ministro e outros alvos no Iêmen, confesso que fiquei impressionado, foi um claro sinal de que eles mostrariam força.

Eu trabalho com computação há praticamente 25 anos. E, na minha visão, a maior burrice de qualquer governo é tentar controlar a tecnologia da informação

Mais recentemente, em Doha, quando bombardearam líderes do Hamas, a demonstração foi ainda maior. Isso porque o Qatar, e especialmente Doha, é considerado protegido. Os Estados Unidos mantêm uma base no país e, em troca, oferecem proteção. Existem diversos acordos estratégicos com países da região, como Kuwait e Qatar.

No caso do Kuwait, por exemplo, todas as refinarias de petróleo contam com presença de soldados americanos. Em cada portão de entrada há militares dos EUA, não apenas por questões práticas de defesa, mas também como demonstração simbólica da presença americana. Isso faz parte dos acordos firmados na região.

Ton Paulo – E como está a questão da imigração e das deportações aí nos Estados Unidos? Há, de fato, esse clima de medo entre imigrantes?

Antes de falar sobre imigração, quero deixar claro: eu não sou contra imigrantes de forma alguma. O problema é que vimos uma imigração acelerada, sem qualquer controle. Hoje, o ICE não atua sozinho; há vários departamentos envolvidos. O órgão, que antes era pequeno e contava com menos de 10 mil agentes, tem contratado mais pessoal para lidar com a situação. Por isso, não considero exageradas as detenções, o que vejo é uma reação de muita gente diante da aplicação da lei.

Falo isso também pela minha experiência como policial de rua. Se um policial te aborda em qualquer lugar do mundo, ele está apenas cumprindo o trabalho dele. O momento de contestar não é ali, mas diante do juiz. É na Justiça que a pessoa deve se defender, não contra o agente que executa sua função.

A verdade é que muitos dos que estão sendo detidos são pessoas que não deveriam estar aqui. Trump está “limpando” as cidades, e quando uso esse termo, é porque ele está tomando medidas inéditas. Em Washington D.C., por exemplo, ele falou em limpar a própria capital, desde remover grafites em monumentos até prender pessoas com mandado de prisão em aberto.

Só no último fim de semana, em Washington, foram 1.700 prisões de indivíduos procurados pela Justiça. Isso porque cidades conhecidas como “santuários”, governadas por democratas, estão sem controle, como é o caso de Chicago e Memphis.

Ton Paulo – E como está o clima nos EUA após o atentado que matou o ativista Charlie Kirk? Quais, na sua opinião, devem ser os efeitos disso?

Acho que esse momento fortaleceu e uniu ainda mais os conservadores. Quero deixar claro: sou totalmente contra qualquer ato de violência contra pessoas por causa de sua visão política ou ideológica. Vejo muitos vídeos do Charlie Kirk, e a minha forma de pensar é próxima da lógica militar: quando recebemos um treinamento, aquilo fica marcado para sempre. É algo que ninguém tira. O problema é que, embora Kirk levantasse pontos importantes, ele também inseria muitos elementos religiosos no discurso.

Eu sou cristão, frequento tanto a Igreja Católica quanto a Batista e respeito todos. Não me envolvo na vida das pessoas, mas também não permito que interfiram na minha. Por isso, acredito que parte do ódio contra ele vinha justamente de suas falas, que muitas vezes soavam como imposição. Num cenário como o que vivemos hoje, qualquer pessoa que se expressa de forma tão direta corre riscos.

Não tenho interesse algum em convencer alguém a deixar de ser gay ou lésbica, cada um tem o direito de viver sua vida. Mas, ao mesmo tempo, também não quero que tentem me convencer a algo que não sou. Essa é a linha que sigo: respeito a liberdade do outro, mas espero o mesmo respeito em relação a mim. O problema é que ele não enxergava isso.

Tentava justificar suas ideias de maneira forçada, mentalmente pressionando as pessoas.

No Exército, por exemplo, havia a regra do “don’t ask, don’t tell”, que foi retirada no governo Obama, mas que, aos poucos, parece voltar de forma velada. A lógica era simples: ninguém pergunta, ninguém se expõe. Cada um vive sua vida, faz seu trabalho, e isso não interfere na missão.

Charlie Kirk, por outro lado, buscava uma mudança radical. Eu acredito que seria muito mais eficaz se ele tivesse criado espaços de diálogo, onde as pessoas pudessem enxergar por si mesmas as diferenças e oportunidades. Ninguém muda apenas pela força do discurso ou pela imposição. É mostrando exemplos e oferecendo novas experiências que se pode gerar transformação. Por isso admiro o modelo da Igreja Batista de Dallas, que trabalha de forma mais construtiva.

Se Kirk tivesse seguido esse caminho, talvez tivesse conseguido aproximar mais pessoas, em vez de afastá-las com confrontos diretos.

Italo Wolff – Você acha que a próxima eleição pode ser marcada por violência, assim como foram as últimas quando chegou a haver mortes no Capitólio? Isso é uma preocupação aí nos Estados Unidos? E qual cenário que se desenha para as próximas eleições presidenciais?

Eu não vejo muita preocupação nesse ponto. Para mim, o próximo presidente deve ser Marco Rubio. Acredito que ele será o sucessor, e vejo nele um perfil muito centrado. Claro, é conservador e filho de imigrantes, mas é mais equilibrado, mais “do jogo político”, digamos assim.

Acredito que Rubio virá muito forte. Será difícil alguém tirar isso dele, ainda mais com o apoio de Trump. Vale lembrar que, na primeira disputa, ele quase venceu Trump nas primárias. Naquela época, votei em Rubio, mas ele ainda era muito jovem. Agora, com a experiência de Secretário de Estado, chega mais preparado e com muito mais força.

230614-a-io627-1134_52994151258_o (1)
Foto: Arquivo pessoal

Por isso, não vejo espaço para outro nome. Tenho quase certeza de que não haverá concorrência à altura.

E também acredito que Trump não perderá o Congresso no próximo ano. Com o redesenho do mapa eleitoral no Texas, por exemplo, os republicanos devem ganhar cinco cadeiras a mais na Câmara. É uma estratégia importante. Além disso, Trump tem planejado medidas que devem impactar diretamente o eleitorado: no próximo ano, a ideia é repassar parte do dinheiro arrecadado com tarifas para os americanos, em forma de benefício no imposto de renda. Estamos falando de cerca de 3 mil dólares para cada cidadão. Isso certamente trará muitos votos.

No momento, só enxergo uma candidata com força real para enfrentar os republicanos: Michelle Obama. Se ela se lançasse, seria uma adversária extremamente forte. Na eleição passada ou agora, seria difícil alguém vencê-la. Mas a questão é que ela não demonstra interesse em disputar. Se entrasse na corrida, seria, sem dúvida, uma candidata poderosíssima.

Já os outros nomes do Partido Democrata, como o da Califórnia ou o de Illinois, não têm a mesma base ou força política. São figuras ricas, empresários de destaque, mas com discursos muito radicais. E candidatos muito radicais, de qualquer lado, não conseguem vencer. A vitória está no equilíbrio, no meio-termo. Esse é o ponto.

Italo Wolff – Os Estados Unidos agora negociam com a China a transferência do TikTok para uma empresa americana. Como você vê a preocupação do governo com o controle dos dados das pessoas? Porque no Brasil, também, o governo e o STF também defendem a regulação das redes.

Eu trabalho com computação há praticamente 25 anos. E, na minha visão, a maior burrice de qualquer governo é tentar controlar a tecnologia da informação. Isso nunca vai funcionar, porque os governos não conseguem acompanhar a velocidade da evolução tecnológica. É muito mais fácil focar em controlar grupos específicos de pessoas que realmente afetam o governo ou o país, do que tentar controlar toda a população por meio das redes sociais.

De uma forma ou de outra, se os Estados Unidos resolvessem agir de maneira mais radical e aplicar sanções severas, poderiam, literalmente, paralisar o STF

É impossível segurar tudo. Sempre vão surgir coisas novas, diferentes e fora do controle. No caso dos Estados Unidos, o discurso em relação ao TikTok, por exemplo, não tem apenas a ver com segurança em geral, mas principalmente com o receio de que a China utilize imagens e fotos de pessoas em diferentes regiões para fazer mapeamentos detalhados.

Claro, essa seria uma forma direta de uso da informação. Mas existem outras maneiras mais sutis, como manipular os dados em tempo real, influenciando a forma como determinadas informações aparecem para os usuários. Isso seria feito de maneira quase imperceptível, sem chamar atenção e sem precisar proibir ou restringir tudo.

Esse tipo de controle total, que o Brasil tanto fala em relação às redes sociais, simplesmente não vai acontecer. Porque, assim que uma barreira é criada, já surge outra forma de driblá-la. Não tem como conter. O que faz sentido, como já disse o ministro Alexandre de Moraes, é que todos têm o direito de falar o que quiserem, mas precisam ser responsabilizados pelo que dizem.

Ou seja: você pode se expressar livremente, mas, se falar algo que infringe a lei, precisa existir um mecanismo para julgar e responsabilizar essa pessoa. Liberdade, sim, mas acompanhada de responsabilidade.

Italo Wolff – E essa tentativa do Brasil de controlar ou de regulamentar as redes sociais incomoda os Estados Unidos?

Incomoda, porque, quando você observa o plano de defesa americano, percebe que determinadas ações acabam afetando diretamente as empresas dos Estados Unidos que atuam no Brasil. E esse impacto preocupa, já que essas empresas não apenas geram riqueza, mas também representam influência e presença estratégica no país.

Meta, Google, Microsoft, todas são americanas. De uma forma ou de outra, se os Estados Unidos resolvessem agir de maneira mais radical e aplicar sanções severas, poderiam, literalmente, paralisar o STF. Se o governo americano decidisse, por exemplo, que a Microsoft deixaria de fornecer software, o Supremo não teria como funcionar.

Se fosse cortado o acesso a servidores da Amazon, tudo pararia. Sem Zoom, não haveria sequer como realizar reuniões. E o mais impressionante é que tudo isso poderia ser feito com um simples clique.