Por meio do Sistema de Seleção Unificado (SiSU), que abre inscrições nesta quinta-feira, 16, estudantes de todas as regiões do Brasil miram uma oportunidade em instituições de ensino federal. É esperado que milhares de candidatos que realizaram o último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se inscrevam na edição de 2023 do processo, todos com esperança de ingressarem no curso de ensino superior que sempre sonharam. 

Ao lado do Programa Universidade Para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o SiSU é uma das principais formas de ingresso no ensino superior no país. Mas, ao contrário dos outros programas que oferecem bolsas em entidades privadas, o processo online é a principal porta de entrada para  instituições federais. Ou seja, quem deseja cursar uma universidade ou um instituto federal estará focado na plataforma desenvolvida pelo Ministério da Educação (MEC).

Por se tratar de uma questão tão importante, o ingresso em uma instituição federal possui regras a respeito da distribuição de vagas. A principal foi a Lei nº 12.711/2012, conhecida popularmente como “Lei de Cotas”. 

Sancionada há mais de dez anos, o documento estabelece que 50% das vagas nas universidades e institutos federais, por curso e turno, sejam destinadas para alunos provenientes integralmente do ensino médio público. E dentro desse percentual, ainda ocorrem outras subdivisões.

Seguindo um exemplo hipotético, caso um curso em um período tenha 100 matrículas disponíveis, metade das oportunidades seria destinada para cotas de escola pública e a outra para ampla concorrência. Dentro do percentual de 50%, há uma outra divisão envolvendo candidatos com renda abaixo ou acima de 1,5 salário mínimo. Em seguida, dentro de cada uma das 25 vagas divididas, ainda ocorreria ramificações para 13 vagas destinadas para Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) e outras duas para Pessoas com Deficiência (PcD).

Cotas como mecanismo de equidade social

Para a secretária de Inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG), Luciana de Oliveira Dias, em entrevista para o Jornal Opção, as cotas são essenciais para a equidade social. “São importantes porque temos uma porção alta de pessoas empobrecidas, e nada mais justo que haja um percentual de vagas nas instituições federais destinadas a pessoas de baixa renda e oriundas de escolas públicas. De maneira abreviada, essa virtude constitui um aumento eficaz na promoção e reparação de injustiças sociais presentes na sociedade”, explicou a docente da Faculdade de Ciências Sociais (FCS-UFG). 

Dentro da questão das cotas sociais, a professora também realçou a importância das ramificações raciais envolvendo o grupo PPI. Segundo ela, o sistema é um caminho para que a UFG consiga promover justiça social e representatividade. 

“As cotas raciais são uma resposta muito eficiente fornecidas para situações de discriminações estruturais que ainda vigoram na sociedade brasileira”, afirmou a especialista em direitos humanos, ainda ressaltando que a UFG já adotava um sistema de reserva de vagas antes da Lei de Cotas, desde 2008. “O Brasil possui 54% da sua população composta por pessoas negras e uma sociedade com justiça social, com direitos garantidos a todos, deveria ter essa mesma proporção em todas as instituições de ensino superior”, completou.

Apesar de considerar as experiências “exitosas”, Luciana destaca que a federal goiana ainda não consegue assegurar a diplomação de todos os estudantes que entraram por meio de cotas. 

“A Universidade criou políticas de permanência para que eles permaneçam nos cursos, algo que tem sido garantido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), por meio de bolsas moradia, alimentação e permanência. Ainda oferecemos apoio estudantil, incluindo o programa Saudavelmente, um serviço de saúde mental desenvolvido para ajudar os alunos. Mas, mesmo com todas as dificuldades para permanecer, os estudantes chegaram a um índice satisfatório de diplomação”, contou.

Com estudantes cotistas conseguindo concluir os cursos de graduação, a secretária de Inclusão ainda destacou o surgimento de uma nova demanda: a pós-graduação. Com a diplomação, ela apontou que muitos egressos estão com problemas no mercado de trabalho e por isso optaram em retornar para iniciar um mestrado ou doutorado. E isso fez com que a UFG também adotasse um sistema de reserva de vagas para as especializações. 

Discriminação no mercado de trabalho

A respeito da dificuldade dos egressos cotistas em conseguir um trabalho, Luciana aponta que esse problema é algo mais profundo presente na sociedade brasileira. “A rejeição enfrentada não é pelo fato de serem cotistas, mas por conta de um processo discriminatório que é absolutamente estrutural e presente no mercado de trabalho. Isso se deve ao fato do racismo ser estrutural e não ao fato de terem criado uma política afro-reparatória”, expôs a docente.

Mesmo ponto que o presidente da Comissão Especial da Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás (OAB-GO), Gustavo Nogueira Filho, também ressaltou para o Jornal Opção.

“Profissionais pretos ou negros precisam entregar cerca de 15 curriculos para marcarem uma entrevista de emprego, enquanto uma pessoa branco já consegue com apenas dez curriculos”, exemplificou o advogado. “Ou seja, o acesso ao mercado de trabalho é mais complicado, não por causa das cotas, mas por conta  do racismo estrutural que a sociedade está inserida”, completou.

Gustavo também salientou que as notas dos estudantes que entraram por meio de cotas são maiores do que as notas de ampla concorrência. “A qualidade técnica é superior, inclusive. Só que ainda existem preconceitos dentro da sociedade que todos nós estamos estamos inseridos que permitem tais situações”, disse o diretor da OAB.

Cotas na OAB

A respeito da OAB, como entidade da sociedade civil, o presidente da Comissão Especial da Promoção da Igualdade Racial afirmou que a instituição defende a Lei de Cotas. “Entendemos que a regra tem sido benéfica em cumprir o papel de inclusão social, permitindo que pessoas que não tinham acesso ao ensino e educação, agora possam ter acesso nos últimos dez anos”, explicou. 

Fora que mencionou que a OAB, em Goiás e nos outros estados, possui diversas comissões que buscam incentivar a inserção de minorias no mercado de trabalho e na sociedade. Além de adotar um sistema de cotas dentro do conselho seccional. Ou seja, o quadro de diretores da instituição precisa ser composto 50% por mulheres e 30% por pessoas negras.