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Uma análise realizada pelo GLOBO em apostilas e materiais divulgados por Edcley Teixeira — estudante de Medicina apontado como responsável por antecipar questões do Enem 2025 — indica que o universitário pode ter tido acesso também a perguntas aplicadas no primeiro dia de prova. Além das nove questões de Matemática e Ciências da Natureza com forte semelhança ao conteúdo do exame, duas perguntas de Linguagens e de Ciências Humanas apresentam paralelos significativos com materiais produzidos por ele. Apesar disso, apenas três itens foram anulados até agora pelo Ministério da Educação (MEC), que acionou a Polícia Federal (PF) para investigar o caso.

Os novos indícios surgem tanto em conversas em grupos de WhatsApp administrados por Edcley quanto em apostilas de Medicina elaboradas por ele. A reportagem analisou esses conteúdos com apoio de ferramentas de inteligência artificial e identificou, por exemplo, uma questão sobre produção de tijolos com enunciado quase idêntico ao aplicado no exame — inclusive com os mesmos números e a mesma situação-problema. Entre as alternativas, apenas uma difere da versão da prova.

Em nota, o Inep, órgão responsável pelo Enem, afirmou que nenhuma outra questão será anulada. Segundo o instituto, memorização parcial de itens pré-testados ao longo dos anos não compromete a integridade do exame. Antes de serem aplicadas oficialmente, as perguntas passam por avaliações em provas nacionais para aferir qualidade e nível de dificuldade, processo essencial por causa da Teoria de Resposta ao Item (TRI), que define a pontuação conforme a complexidade do item. Edcley afirma participar desses pré-testes.

As duas questões do primeiro dia de prova presentes nos materiais de Edcley tratam dos mesmos temas cobrados pelo Enem — uma discute profissões tradicionais dentro do capitalismo e outra aborda parasurf — com perguntas semelhantes às do exame, embora com diferenças mais perceptíveis do que as encontradas nas provas de exatas. Em março, o estudante também antecipou uma questão de probabilidade e outra de Química, ambas aplicadas posteriormente em 16 de novembro. Em grupos de WhatsApp, llegó a orientar alunos a marcar diretamente determinados resultados, e comemorou quando esses itens apareceram na avaliação.

Na semana passada, depois da conclusão do Enem, imagens de uma live do universitário circularam nas redes sociais. No vídeo, Edcley apresentava questões praticamente idênticas às que caíram na prova, enquanto ministrava aula em um curso pré-vestibular do qual é proprietário. No dia seguinte, o MEC anulou três questões — duas de Ciências da Natureza e uma de Matemática — e acionou a PF. No último domingo, agentes cumpriram mandado de busca e apreensão em sua casa, no Ceará.

Para promover seu curso, Edcley dizia participar de pré-testes do Inep e afirmava lembrar detalhes das perguntas, o que, segundo ele, permitia antecipar conteúdos que poderiam aparecer na prova. Em 2022, chegou a publicar um vídeo denunciando exatamente a prática que passou a adotar no ano seguinte, alegando que grandes cursinhos utilizariam pré-testes para “hackear” o Enem, o que classificou naquela ocasião como vazamento.

O estudante também citava em seus materiais que o Banco Nacional de Itens (BNI) enfrentava escassez de questões, o que levaria o MEC a pré-testar perguntas no mesmo ano em que seriam usadas no Enem — facilitando que participantes memorizassem itens e os replicassem depois. Em documento, chegou a argumentar que suas questões eram “criações originais”, embora inspiradas em itens reais do pré-teste, e que não haveria risco jurídico envolvendo o material.

Com a investigação em curso, Edcley passou a alegar que as semelhanças entre suas questões e as cobradas no Enem seriam coincidências. Também admitiu ter pago participantes do concurso para memorizar itens e repassá-los. Mensagens reveladas pelo g1 mostram ofertas de valores a partir de R$ 10, que poderiam aumentar conforme o nível de detalhamento da pergunta.

Confrontado sobre a prática, afirmou que isso ocorreu “só este ano” e negou intenção deliberada de fraudar o processo. Em entrevista ao Fantástico, disse não ver “má-fé” em sua conduta, alegando que não havia termo de compromisso ou sigilo no processo de inscrição e classificou como “publicidade infeliz” ter divulgado participação em pré-testes oficiais — segundo ele, apenas uma estratégia para atrair alunos para seu curso.