Trump entrega Lei de Murphy para o bolsonarismo e se torna cabo eleitoral de Lula

19 julho 2025 às 21h01

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Filósofos como Isaiah Berlin e John Gray, ambos britânicos, suspeitaram das “linhas certas” da história e na suposta evolução linear do mundo. A força do acaso está sempre presente e uma coisa que parecia certa, num primeiro momento, pode se tornar, em questão de horas ou dias, incerta. Os donos das certezas são os que mais costumam errar em seus “julgamentos” apressados.
Há momentos em que os julgamentos se tornam peremptórios. Do tipo: o presidente Lula da Silva (PT) está “derretendo” e o bolsonarismo vai emplacar o próximo presidente da República “com facilidade”. “Desejo” é diferente de “análise”.
Na verdade, apesar da baixa avaliação do governo, Lula da Silva estava mesmo “derretendo”… no sentido de candidato à reeleição? Na verdade, não.

Apesar do desgaste, o petista-chefe, de acordo com as pesquisas de intenção de voto, permanecia competitivo, com possibilidade de derrotar tanto a direita quanto a extrema direita bolsonarista.
As pesquisas são seminais, mas detalhes às vezes não são flagrados com precisão milimétrica. Há indícios de que há uma certa “confusão” — e talvez o termo não seja este — entre o governo Lula da Silva e o indivíduo Lula da Silva.
Parece — e é preciso escrever parece, dada a incerteza — que os eleitores estão dissociando o governo da pessoa Lula da Silva. Tanto que, mesmo antes do tsunami Donald Trump, o petista-chefe permanecia altamente competitivo. Praticamente empatado com as figuras de proa do bolsonarismo.
Como contraponto deve-se dizer que as pesquisas incluem um pré-candidato de esquerda, Lula da Silva, e vários pré-candidatos das direitas — Michelle Bolsonaro (PL), Ratinho Júnior (PSD), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Se os pré-candidatos das direitas aparecem bem, colados em Lula da Silva, há um claro sinal de que, se estiverem unidos, podem superar o postulante petista.
Há, também, a força do bolsonarismo. A tendência é que o postulante da direita, o bolsonarista, vá para o segundo turno contra Lula da Silva.
Pedra no sapato de Trump é a China
Aí, quando a direita parecia consolidada para retirar Lula da Silva do poder, surge Murphy (“se algo pode dar errado, dará”), quer dizer, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Sob Trump, o governo dos Estados Unidos decidiu taxar os produtos brasileiros em 50% — o que vai inviabilizar muitos dos negócios com o parceiro da América do Sul.
Até empresários e economistas — como Jeffrey Sachs e o Nobel de Economia Paul Krugman — se manifestaram contrários à decisão do gestor republicano. Pelo absurdo e pelo irrealismo. Trump quer ganhar “amigos” — parceiros — à força? O soft power da China é mais, digamos, “agradável”.
O tarifaço de Trump não reorganiza, e sim bagunça, a economia global. O que os Estados Unidos realmente querem?
Como Trump sugere que há um conluio entre o governo de Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal de Alexandre de Moraes para perseguir Jair Bolsonaro — que deve ser condenado à prisão por golpismo —, fica-se com a impressão de que o Brasil é a questão central para os Estados Unidos.

Com seu tamanho (quinto maior país do mundo), com sua capacidade de produzir alimentos, reservas minerais e um mercado de 214 milhões de consumidores, o Brasil conta na geopolítica global. Mas não é a ameaça mais premente para Trump, quer dizer, para os Estados Unidos.
No fundo, ao tentar enfraquecer o Brasil — assim como outros países, como a Rússia de Vladimir Putin —, Trump quer retirar o país da órbita da China. A imperícia vai torná-lo ainda mais aliado dos chineses.
Um instituto britânico sugere que a China passará os Estados Unidos, em termos de economia, em 2035 — daqui a dez anos. Antes, se falava em 20 ou 30 anos. Já há sensação de que a China — e isto se deve em parte à presença massiva dos automóveis elétricos — passou os EUA é flagrante.
Pesquisa do instituto Pew Research Center, dos Estados Unidos, “mostra que uma média de 41% dos entrevistados em 25 países veem a China como a maior potência econômica atual, contra 39% que avaliam ser os EUA” (reportagem de Nelson Sá, da “Folha de S. Paulo”, publicada na terça-feira, 15).
Então, a pedra no sapato dos Estados Unidos é a China. Mas uma batalha frontal com o gigante asiático pode ter consequências graves — como a Terceira Guerra Mundial. Por sinal, a China e a Rússia, assim como o país de Harry Truman, são as maiores potências nucleares do mundo.

Instruído por especialistas, Trump opera pelas bordas, ou seja, “atacando”, via economia — tarifaço —, países como o Brasil, o Canadá, o México e a Rússia. Dará resultado? Muito difícil.
Tiro de Trump em Lula “baleou” o bolsonarismo
Se estava pensando em ajudar o bolsonarismo e prejudicar Lula da Silva, com uma tarifa alta — até abusiva —, Trump deu o famoso tiro pela culatra.
Será possível especular assim: Trump estaria usando Bolsonaro como pretexto para uma questão de mais importância, como enfraquecer, a curto ou médio prazo, o Brics, quer dizer, notadamente a China?
Se estava querendo ajudar Bolsonaro, Trump acabou por fortalecer Lula da Silva. Se as eleições fossem realizadas hoje, o petista estaria no segundo turno. De acordo com pesquisa do instituto Quaest, divulgada na semana passada, o red poderá vencer, no segundo turno, qualquer um dos candidatos das direitas, inclusive Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas.
Então, o que dizer de Trump? Mui amigo. Mui amigo. Mui amigo.
Ao jogar o país contra o bolsonarismo, que apoia o tarifaço, Trump pode se tornar, em 2026, o maior “general” eleitoral de Lula da Silva.
São Paulo será o Estado mais prejudicado pelo tarifão de Trump. Seu governador é Tarcísio de Freitas, aparentemente a maior aposta de Jair Bolsonaro — sobretudo por ter a simpatia do Centrão de Ciro Nogueira, Arthur Lira, entre outros — para presidente.

Num primeiro momento, Tarcísio de Freitas entusiasmou-se com a decisão de Trump. Depois, sob pressão dos empresários e produtores rurais de São Paulo, caiu na real e recuou. Chegou a tentar negociar com a embaixada americana. Mas o estrago estava feito. Ficou com a imagem de ser “contra” o Brasil.
O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro chegou a criticar Tarcísio de Freitas. Jair Bolsonaro sentiu-se compelido a agir e chamou o filho de “imaturo”.
Interesse de Bolsonaro está acima do interesse do país
O tarifaço de Trump, que prejudica o Brasil — todos os brasileiros —, criou uma crise na direita e uma crise entre o centro e a direita.
A pesquisa Quaest mostra que eleitores de centro — ainda não em larga escala — migraram para Lula da Silva.
Empresários e produtores rurais — muitos deles, talvez a maioria, bolsonaristas — notaram que os interesses da família Bolsonaro estão acima dos interesses deles e do país. Mas, se há uma crise, ainda não se pode sugerir que preferem apoiar Lula da Silva.
Porém, se o tarifão não for contido, com Lula da Silva operando para que seja, mas não os Bolsonaros, é provável que parte substancial do setor produtivo, o mais realista e menos ideológico, abandone o bolsonarismo.
Como ficará o centro? Basta notar que os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, já se alinharam com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, na busca de uma solução negociada com os Estados Unidos.

O senador Ciro Nogueira (pP), o mais bolsonarista dos políticos do Centrão, irá para o matadouro político ao lado dos Bolsonaros? Muito difícil. Por sinal, se perder o eleitor de centro, o Centrão pode se tornar Periferão.
Caiado, Ratinho e Zema são alternativas
Mas vale colocar uma questão: não há alternativa ao PT de Lula da Silva, no momento aproveitando a onda, e o bolsonarismo anti-Brasil?
Tarcísio de Freitas, a rigor, nem é bolsonarista entusiasmado. Mas ainda precisa do bolsonarismo, porque não tem grupo político. Ele prefere disputar o governo de São Paulo pela segunda vez, mas, sob pressão de Jair Bolsonaro, admite disputar a Presidência.
Se for candidato, Tarcísio de Freitas ficará alinhado com aqueles que, em defesa dos Estados Unidos, estão contra o Brasil. Por isso, dificilmente será candidato a presidente. No momento, está “queimado”. A campanha contra ele está pronta… e feita pelo bolsonarismo, não por seus adversários.
Porém, retomando a questão: há alternativas? É possível. Pois, como postularam Isaiah Berlin e John Gray, há a força do acaso. Os ventos sopram para um lado e, de repente, podem soprar para o outro lado.
Então, os ventos, que estão beneficiando Lula da Silva neste momento, podem beneficiar, adiante, um candidato de centro-direita, como Ronaldo Caiado (possivelmente, o mais preparado dos pré-candidatos das direitas), governador de Goiás, Ratinho Júnior, governador do Paraná, e Romeu Zema, governador de Minas Gerais.
O bolsonarismo pode recuar, ante seu enfraquecimento, e apoiar Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior ou Romeu Zema? Por realismo, sim. Se for com Tarcísio de Freitas, “queimado” pelo próprio bolsonarismo, será caixão e vela preta. Com políticos de direita, mas autônomos, como os três citados, as direitas poderão enfrentar Lula da Silva e, até, derrotá-lo? É possível.