O ex-prefeito de Aparecida de Goiânia perdeu o timing? Se a resposta for sim, o tucano vai colocar seu bloco na rua para a disputa deste ano 

Quando foi eleito governador em 1998, há quase 24 anos, Marconi Perillo tinha apenas 35 anos. Iris Rezende, o candidato derrotado, tinha 65 anos. Por ser jovem, entre 1999 e 2018, o líder do PSDB praticamente travou a ascensão de vários outros políticos — tanto que foi eleito quatro vezes e contribuiu para a vitória de Alcides “Cidinho” Rodrigues em 2006. Contando com a gestão de Rodrigues, que depois se tornou adversário figadal de Perillo, o tucanato ficou 20 anos no poder — ou seja, uma geração.

Embora tenha mostrado força, o grupo de Perillo não se renovou, e exatamente por ele ser jovem e, politicamente, ambicioso. No lugar de abrir espaço para um aliado, como Giuseppe Vecci e José Paulo Loureiro, entre outros, continuou disputando todas as eleições possíveis. Ganhou, é certo, mas às custas de um desgaste gigante, de um esgotamento de sua imagem. Há quem postule que a prisão de Perillo pela Polícia Federal é o fato decisivo que esgarçou sua imagem.

Marconi Perillo, ex-governador: uma vitória do tucano retomaria o ciclo de 1999 a 2018 e poderia bloquear a renovação política em Goiás | Foto: Reprodução

Não há dúvida de que a prisão contribuiu para o esgarçamento de sua imagem, mas não é condição suficiente para explicar a debacle geral de seu grupo. O mais provável é que seu longo tempo no poder — deixando de acolher e atender as principais demandas da sociedade e do funcionalismo público —, além do enfado com os próprios aliados (já não se preocupava em cumprir acordos com suas bases), tenha contribuído para a derrota de sua aliança política no pleito de 2018. Ao perceber a falta de renovação, os eleitores, numa espécie de inconsciente coletivo, decidiram apeá-lo do poder, assim como José Eliton, que, em 2018, era o governador, depois de ter sido vice. Noutras palavras, os votantes definiram a votação — arrancando o Tempo Novo, que havia se tornado Tempo Velho, do poder.

A vitória de Ronaldo Caiado, no primeiro turno, foi um recado duro àqueles que, no poder havia 20 anos, se acomodaram — deixando de ouvir a sociedade real para se contentar com as loas dos áulicos de sempre, aquele que vivem nas proximidades dos poderosos do momento, quaisquer que sejam eles.

Como havia denúncia de corrupção no governo tucano, os eleitores optaram por eleger um candidato, Ronaldo Caiado, que não tem, no seu currículo político, nenhuma nódoa. Não há, e nunca houve, denúncia formal e provada de improbidade administrativa contra o governador de Goiás. Noutras palavras, os eleitores retiraram um grupo do poder, que parecia “sujo”, e o substituiu por alguém que avaliava como “limpo”, “decente”.

Ronaldo Caiado, governador de Goiás, e Daniel Vilela, presidente regional do MDB: uma aliança que simboliza renovação | Foto: Divulgação

Para ser “esquecido”, para que os eleitores pudessem se preocupar com outros políticos, Perillo adotou uma estratégia: mudou-se para São Paulo, onde tem imóvel, e começou a trabalhar na CSN, gigante empresarial dirigida por Benjamin Steinbruch. Comenta-se, extraoficialmente, que é “lobista” da empresa. Dizê-lo “lobista” não é o mesmo que postular que atue ilegalmente. Na verdade, é uma espécie de consultor político do empreendimento.

Quase quatro anos depois da debacle de 2018, o Perillo que sofreu acusações de “corrupção” foi “esquecido” pelos eleitores e o mais lembrado é o Perillo “das obras”? É cedo para avaliar. Mais do que de pesquisas de intenção de voto, e mesmo qualitativas, o que se precisa é de eleições. A eleição de 2022 será o grande teste para verificar se os eleitores “perdoaram” ou não o líder tucano, hoje com 59 anos. Qualquer avaliação peremptória, baseada em pesquisas de intenção de voto — sobretudo agora, quando não se tem o contencioso eleitoral —, decerto não corresponderá à realidade que sairá das urnas em 2 de outubro de 2022.

O mais provável é que as acusações de corrupção sejam retomadas. O que não se sabe é que como os eleitores vão avaliá-las. Podem continuar apoiando-as, como em 2018, ou deixá-las de lado. O fato é que a sociedade brasileira está escaldada com políticos comprovadamente corruptos. Então, é possível que, com a memória refrescada, rejeite, mais uma vez, aqueles que foram acusados de “assaltar” os cofres públicos.

Gustavo Mendanha: há um consenso entre as lideranças estaduais de que o ex-prefeito de Aparecida de Goiânia perdeu o timing da política | Foto: Reprodução

Dito isto, vale examinar o quadro político atual. De acordo com as pesquisas divulgadas, o governador Ronaldo Caiado é o líder, com relativa folga, seguido de Perillo, do PSDB, e do ex-prefeito de Aparecida de Goiânia Gustavo Mendanha, do Patriota.

Há quem postule que se dará uma polarização entre Ronaldo Caiado e Mendanha. Porém, o que se assiste hoje não é uma polarização com o pré-candidato do União Brasil, e sim na disputa pelo segundo lugar. Uma pesquisa mostrou Perillo à frente de Mendanha — praticamente empatados.

Se Ronaldo Caiado e Mendanha se dizem definidos como pré-candidatos a governador, Perillo tem afirmado aos aliados que só decidirá sobre seu futuro político entre junho e julho. Trata-se de indecisão? Talvez sim. Talvez não.

Como se trata de uma raposa felpuda, o mais provável é que Perillo está aguardando o quadro ficar mais delineado. Perspicaz, e apaixonado por examinar pesquisas, o tucano sabe que a liderança de Ronaldo Caiado é consistente. Mas não sabe o que ocorrerá com Mendanha — que tem circulado pelo Estado praticamente sozinho, voando num helicóptero da empresária e deputada federal Magda Mofatto (que, em tese, deveria apoiar o pré-candidato de seu partido, o PL, a governador — deputado Major Vitor Hugo). Há pouco dias, ao descer num município do Entorno de Brasília, quase solitário, uma radialista brincou: “É o nosso Dom Quixote”. Um político acrescentou, partilhando a brincadeira: “Só faltou Sancho Pança, o Tatá Teixeira”. Todos riram.

Blague à parte, o que políticos profissionais dizem é que Mendanha perdeu o “timing”, ou seja, por causa de sua indecisão em estabelecer alianças, ficou praticamente sozinho, filiando-se a um micropartido, o Patriota. Poderia ter se filiado ao PL antes do deputado Major Vitor Hugo. Como não o fez, perdeu espaço. Anunciou que teria o apoio de Jair Bolsonaro e acabou desmentido pelo próprio presidente, que garantiu que banca Vitor Hugo como pré-candidato pelo PL. Negociou como amador com o Republicanos e o pP e não conquistou o apoio de nenhum deles.

Mendanha não é bobo, é claro, mas não tem a astúcia de Perillo. Este, como se disse antes, vai decidir seu projeto entre junho e julho por três motivos. Primeiro, vai observar sua rejeição, que, embora esteja caindo, ainda é alta. Não o “derruba” para uma disputa de deputado federal e, quem sabe, de senador. Mas pode ser um empecilho para uma eleição para governador. No momento, a rejeição é incontornável. Entre julho e agosto, quando os partidos têm de fazer suas convenções, não se sabe como estará.

Costuma-se sugerir que as bases de Perillo querem-no disputando mandato de governador. É um fato. Porém, com sua astúcia habitual, o tucano ainda não sabe (ou não diz) o que disputará. Há indícios de que não apreciou sua passagem pelo Senado e que o que mais aprecia é o Poder Executivo. Sua vocação seria mais administrativa. Além disso, aprecia desafios. Em 2002, quando era governador e estava bem atrás de Maguito Vilela nas pesquisas de intenção de voto, vários aliados recomendarem que disputasse o Senado, pois seria mais fácil. Pelo contrário, ele bateu o pé e disputou o governo, sagrando-se vencedor. Claro que estava no poder e, ancorado em pesquisas qualitativas, mudou o governo e ampliou sua popularidade. Agora, não está no poder e seu desgaste persiste alto, ainda intransponível para quem planeja disputar mandato de governador.

Segundo, de olho nas pesquisas, filtrando os dados com atenção redobrada, Perillo está observando os números de Mendanha. Se o ex-prefeito subir, tornando-se competitivo, deixando-o para trás, a tendência é que saia do páreo para governador. Pode até não apoiar o ex-prefeito no primeiro turno, optando por uma coligação com o PSB de José Eliton (pré-candidato a governador) e Elias Vaz e o PT de Rubens Otoni, Adriana Accorsi e Wolmir Amado (pré-candidato a governador). No entanto, se houver segundo turno, e se nele estiver Mendanha, a tendência é que o tucano o apoie. Pode-se dizer que o principal projeto de Perillo nem é ganhar, e sim tentar retirar Ronaldo Caiado do poder, o que ele sabe que será muito difícil, dado o fato de estar lidando com um político altamente profissional.

Terceiro, Perillo também está de olho nos números de Lula da Silva, o pré-candidato a presidente pelo PT. Se o petista for bem, patrocinando uma onda vermelha — ou uma onda Lula da Silva — em todo o país, é provável que o tucano tente embarcar na sua arca de Noé, disputando mandato de governador. No momento, é possível que esteja vendo a ascensão de Bolsonaro com preocupação. Cientistas políticos sugerem que crescer devagar, mas de maneira constante, como vem ocorrendo com o postulante da direita, é mais importante do que crescer aos saltos. Há mais consistência na ascensão lenta, porque revela que o político está, a um só tempo, sendo (re)assimilado pelos eleitores e sua rejeição está abaixando. Geraldo Alckmin, que deve ser o vice do postulante red, é visto como político moderado, o que de fato é, mas também é um político conservador, inclusive alinhado com o conservantismo mais forte da Igreja Católica. Sua aliança com o PT objetiva atrair votos da direita e da centro-direita e, também, fortalecer o petista-chefe em São Paulo.

Ao contrário de Mendanha, que se comporta como um líder messiânico — como se fosse um “enviado de Deus” ao Cerrado, ou, como quer, um “mito” —, Perillo pertence à “escola” política racionalista. Ele faz críticas públicas a Ronaldo Caiado, mas, como tem pesquisas nas mãos, sabe que o governador está bem avaliado e, sobretudo, que não há sentimento de mudança entre os eleitores. Além disso, os eleitores ressaltam o caráter humano de Ronaldo Caiado, que, durante pandemia, não economizou esforços e recursos financeiros para criar uma infraestrutura adequada para salvar vidas, em todo o Estado, de quem teve Covid. Sua gestão implantou UTIs no interior e lá elas permanecem — o que melhorou o sistema de saúde de maneira ampla. O tucano, que nada tem de néscio, também já deve ter percebido, via pesquisas, o impacto dos programas sociais na estabilidade do governador.

Os eleitores, segundo pesquisas qualis, raciocinam mais ou menos assim, quando se trata de comparar Perillo e Ronaldo Caiado: por que trocar um governador que ficou apenas quatro anos no poder por um ex-governador que ficou 16 anos no poder? Há um sentimento, aparentemente arraigado, de que é preciso dar uma segunda chance ao postulante do União Brasil. Por duas razões. Primeiro, no atual governo, Ronaldo Caiado administrou com “n” problemas herdados das gestões de Perillo e sob uma crise econômica gigante em decorrência da pandemia do novo coronavírus, da Covid-19. Segundo, com a casa em ordem, a tendência é que faça um governo não mais de ajustes, e sim com realizações.

Postas as questões acima, nuançadas de maneira realista, é possível que, se Mendanha não crescer nas pesquisas de intenção de voto, Perillo trabalhe para ser candidato e polarizar com Ronaldo Caiado. Eleitores parecem apreciar grandes duelos políticos — como o de Bolsonaro contra Lula da Silva e o de Perillo contra Ronaldo Caiado.

Uma vitória de Ronaldo Caiado encerrará, de vez, o ciclo de Marconi Perillo — abrindo espaço para outra renovação política em Goiás, com Daniel Vilela, Lissauer Vieira, Alexandre Baldy, Roberto Naves, Marden Júnior, Pedro Salles, Ismael Alexandrino, Cristina Lopes, Virmondes Cruvinel, João Campos, Francisco Júnior, Diego Sorgatto, Pábio Mossoró, Adriana Accorsi, Marcos Carvalho, Márcio Corrêa, Delegado Waldir, Mendanha, Issy Quinan, entre outros. Já uma vitória de Perillo retomaria o ciclo de 1998 a 2018, ou seja, pode ser um passo atrás, e não à frente, principalmente porque fecha o espaço à renovação. Se eleito em 2022, Ronaldo Caiado ficará no poder até 2026 e abrirá espaço à renovação. Uma vitória de Perillo ou de Mendanha tende a cercear o espaço à renovação.