Quem vai ocupar o espaço deixado por Iris Rezende, Iris Araújo, Santillo, Nion e Maguito?
26 fevereiro 2023 às 00h00

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O historiador é aquele que examina os fatos com relativo distanciamento, o que não exclui uma possível paixão pelo tema em exame. A paixão, por si, não atrapalha o julgamento equilibrado e, digamos, justo. O que trava uma compreensão ampla é a avaliação excessiva, radicalizada, que tende a se prender à circunstância, e não ao painel global em que se inserem homens e mulheres e os acontecimentos.
Deve-se avaliar um político pelo extremo ou pela média? Ditadores precisam ser avaliados pelos extremos. Ióssif Stálin, da União Soviética, Adolf Hitler, da Alemanha, e Mao Tsé-tung, da China, não devem ser julgados pela média, e sim pelo extremo. Os três mataram, ou mandaram matar, milhões de pessoas e sacrificaram a democracia no altar do totalitarismo.

Porém, políticos democratas devem ser avaliados pela média — caso de Rodrigues Alves (presidente brasileiro que fez o Butantan e convocou o médico e cientista Oswaldo Cruz para erradicar epidemias), Franklin Delano Roosevelt (recuperou a economia americana e foi decisivo na vitória do Aliados na Segunda Guerra Mundial), Winston Churchill (suas palavras, candentes e cortantes, e ações ajudaram os Aliados a ganhar a maior batalha do século 20 e, ao mesmo tempo, a manter a democracia, não apenas na Europa, e sim em quase todos os países), Juscelino Kubitschek (o presidente mais democrata da história do Brasil), Tancredo Neves (o mineiro derrotou a ditadura, em 1985, enterrando-a), Ulysses Guimarães (combateu a ditadura com inteligência e coragem), Fernando Henrique Cardoso (criou o Plano Real, estabilizou a economia e venceu a inflação) e Lula da Silva (o presidente tem preocupação genuína com a redução das desigualdades sociais — e isto é o cerne de sua história).

A história dos oito políticos listados acima é relevante. Isto não quer dizer que não há problemas na trajetória deles. O que se está a sugerir é que, pesando prós e contras, a história de cada um persiste de pé — grande. O leitor certamente perguntará: por que não se citou Getúlio Vargas? De fato, o político gaúcho foi um dos mais importantes presidentes da história do país (criou, por exemplo, o salário-mínimo, a Petrobrás, a indústria siderúrgica, uma legislação trabalhista moderna), mas não mereceu referência porque foi ditador. Porém, na média, como avaliá-lo? É preciso admitir que fortaleceu o Estado nacional e a indústria do país, o que o torna grande, porém, o fato de ter sido ditador — pessoas foram torturadas e mortas em seu governo, a imprensa foi censurada e a democracia foi posta na geladeira — o diminui. Frise-se: há ditaduras piores do que outras, mas nenhuma ditadura é positiva. Não há crescimento do PIB, como na era do Milagre Econômico de Emilio Garrastazu Médici, que justifique o banimento da democracia.
O jornalista precisa avaliar de imediato os políticos que estão no poder ou estão disputando o poder — como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (que faz um governo de modernização, inclusive de comportamento, dado seu rigor com o dinheiro do Erário), e o ex-governador Marconi Perillo (que, pela média, talvez seja reconhecido, pelos pesquisadores, como um gestor relevante). Mas nem sempre tem como analisá-los com ampla justiça — até porque a história deles continua, ainda não terminou (se é que a história de um político termina, pois a história, ao longo dos anos, vai redimensionando seu papel).
Iris Araújo — 1943-2023

A morte da ex-deputada federal Iris Araújo, aos 79 anos, indica que uma geração de políticos passou. Portanto, pode ser avaliada com algum distanciamento, ainda que as mortes sejam recentes. Vamos examinar alguns desses políticos. Mas falemos primeiro de uma mulher que foi presidente do MDB em Goiás, vice-presidente nacional do partido, deputada federal, senadora (por pouco tempo), candidata a vice-presidente da República e, como mulher de Iris Rezende, primeira-dama de Goiás e de Goiânia.
Iris Araújo era uma mulher de personalidade forte e soube cavar seu espaço político cotovelando, porque os homens não abrem espaço àqueles e àquelas que chegam com suavidade. Por vezes, para não criticarem Iris Rezende, a pessoa mais poderosa da família, optavam por criticá-la. Mas ela não se abateu.
Em 1990, quando Iris Rezende sofreu um grave acidente, Iris Araújo foi para a linha de frente da campanha, ao lado de, entre outros, Otoniel Machado e Haley Margon Vaz. Iris Rezende acabou vencendo um político forte do Sudoeste goiano, Paulo Roberto Cunha, que havia sido prefeito de Rio Verde.
Henrique Santillo — 1937-2004

Da geração de 1930, Henrique Santillo foi o primeiro a falecer, em 2004, com apenas 64 anos. Ele nasceu em 1937.
Na ditadura, entre 1964 e 1985, poucos políticos goianos (e brasileiros) brilharam tanto quanto Henrique Santillo. No Senado, firmou-se como um dos membros do MDB Autêntico, tornando-se um crítico contundente da ditadura (ele e o irmão Adhemar Santillo eram chamados de Irmãos Coragem) e um dos melhores debatedores do país. Debateu, por exemplo, com Jarbas Passarinho, um dos poucos políticos cultos da ditadura (ao lado de Roberto Campos, Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen e Golbery do Couto e Silva). Dado seu preparo intelectual — era um grande leitor (inclusive da poesia de Jorge Luis Borges) —, não perdeu a discussão.
Julgamentos ocasionais sugerem que, como governador, entre 1987 e 1991, Henrique Santillo não foi eficiente. Talvez um exame mais detido leve a uma reavaliação. O paulista que se goianizou merece ser incluído na categoria dos modernizadores e, ao mesmo tempo, daqueles preocupados com as questões sociais. Como não era populista, embora tenha investido no social, não tirou proveito disso. Ao investir na política de regionalização da saúde, estava investindo no social, democratizando o acesso em todo o Estado, notadamente para os mais pobres. Mas isto fazia parte de um projeto mais amplo, ou seja, de colocar o Estado a serviço da sociedade, e não de grupos políticos e empresariais. É possível que, sem a tragédia do Césio, que prejudicou a economia e a imagem de Goiás, o político tivesse feito um governo mais dinâmico e arrojado.
Em termos de probidade, Henrique Santillo era nota dez. Não se enriqueceu no poder. Fica, pois, entre os grandes.
Paulo Roberto Cunha — 1942-2011

Deputado federal-Constituinte, Paulo Roberto Cunha renunciou ao mandato e foi eleito prefeito de Rio Verde, em 1989, e fez uma gestão considerada modernizadora e popular (apesar de que, pessoalmente, o político era “turrão”).
Em 1990, com a fama de gestor eficiente e de político de primeira linha, Paulo Roberto Cunha disputou o governo do Estado contra Iris Rezende. Chegou a se aproximar do político do MDB, mas acabou não sendo eleito. A estrutura do emedebista era muito maior, assim como sua história estadual era mais longeva e consolidada.
Depois, foi eleito e reeleito prefeito de Rio Verde (no poder, trabalhou para que a agricultura do município permanecesse diversificada, evitando a monocultura da cana de açúcar). Voltou a ser um político municipal, depois de incursionar pela política estadual. Ao lado de Paulo Campos, também de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha merece um lugar entre os grandes. O fato de não ter sido governador do Estado não o diminui.
Paulo Roberto Cunha morreu em 2011, aos 69 anos.
Mauro Borges — 1920-2013

Como governador, na primeira metade da década de 1960, Mauro Borges criou uma estrutura estatal forte para impulsionar a economia de Goiás, para tanto contou com técnicos da Fundação Getúlio Vargas e locais. Em pouco tempo, foi decisivo para modernizar o Estado e, sessenta anos depois, muito do que se tem no setor público deriva de sua gestão.
Em 1964, depois de ter apoiado o golpe de Estado, Mauro Borges acabou cassado, porque a linha dura, de direita, exigiu sua cabeça ao ministro do Exército, Costa e Silva, que pressionou o presidente Castello Branco a afastar o governador goiano.
Com a redemocratização, Mauro Borges foi eleito senador, em 1983 (seu mandato terminou em 1991), e deputado federal, em 1990.
Em 1986, Mauro Borges disputou o governo de Goiás contra Henrique Santillo e foi derrotado.
Como avaliar Mauro Borges? O apoio ao golpe de 1964 é um equívoco a registrar, mas é preciso informar ao leitor que, em 1961, quando os militares não queriam permitir a posse do presidente João Goulart, ele aliou-se a Leonel Brizola e foi importante para a manutenção do equilíbrio democrático. O que vai consolidá-lo na história é a modernização empreendida por seu governo, entre 1961 e 1964.
Curiosamente, Mauro Borges era, em termos políticos e administrativos, uma renovação em relação ao próprio pai, Pedro Ludovico Teixeira, o fundador de Goiânia. Pode-se falar que se tornou uma espécie de ruptura na, digamos, oligarquia. O lugar do governador na história é entre os grandes, ao lado do pai.
Mauro Borges morreu em 2013, aos 93 anos (nasceu em 1920).
Nion Albernaz — 1930-2017

Professor, Nion Albernaz se tornou um dos melhores prefeitos da história de Goiânia. Se não criou o conceito de cidade limpa e com flores, foi o que levou isto adiante com fervor, digamos. Não só. Talvez tenha sido um dos primeiros gestores a perceber a força dos serviços em Goiânia e contribuiu para melhorá-los (a partir daqueles fornecidos pela prefeitura).
Inteligente e profundo conhecedor de história, Nion Albernaz, ao perceber que havia cumprido seu papel, decidiu retirar-se da cena política e se tornou um hábil conselheiro. Nem sempre era ouvido, mas sempre deu orientações positivas. Observe-se que ele morreu em 2017, aos 87 anos, e a debacle do PSDB e do ex-governador Marconi Perillo se deu em 2018, um ano depois. As mortes de Fernando Cunha, em 2011, de Nion Albernaz — dois políticos ponderados e moderados — e de Carlos Maranhão, em 2021, um marqueteiro que entendia muito de política, certamente contribuiu para tornar o PSDB menor. É provável que Perillo tenha sido cercado não mais de políticos relevantes, verdadeiros homens públicos, e sim da turma vinculada a empreiteiros. Perdeu, por assim dizer, os referenciais — daí as duas debacles eleitorais, a de 2018 e a de 2022.
Nion Albernaz merece um lugar entre os grandes, como gestor. Mas também como um político de larga visão, um mestre.
Maguito Vilela — 1949-2021

Maguito Vilela foi quase tudo na política: vereador (em Jataí), deputado estadual, deputado federal, vice-governador (de Iris Rezende), governador, senador, prefeito (de Aparecida de Goiânia; foi eleito prefeito de Goiânia, mas morreu, abrindo espaço para o vice, Rogério Cruz).
O governo de Maguito Vilela, na década de 1990, foi um dos mais bem-avaliados do país, de acordo com pesquisas do Datafolha. Ele se preocupou com o social como poucos outros governadores e fez uma intensa política de atração de empresas (como a Mitsubishi e a Perdigão) com o objetivo de gerar empregos e melhorar a renda dos goianos.
Em 1998, era o favorito para disputar a reeleição, porém, compassivo, abriu espaço para Iris Rezende, que, não sendo mais símbolo da renovação, perdeu para Marconi Perillo, então com 35 anos. Maguito Vilela foi eleito senador. Em 2002, na disputa para governador, foi derrotado por Marconi Perillo, que havia se encorpado como político (sem dúvida, um dos mais hábeis). Em 2006, tentou de novo e viu Alcides “Cidinho” Rodrigues ser reeleito. Naquela época, até uma pedra, se tivesse o apoio de Perillo, seria eleita.
Maguito Vilela retomou a carreira política sendo eleito e reeleito prefeito de Aparecida de Goiânia. Depois de tão bem-sucedido na cidade vizinha, venceu Vanderlan Cardoso, no segundo turno, para prefeito de Goiânia.
Maguito Vilela, um político diplomata — “sem inimigos”, dizem —, fica na história entre os grandes, ao lado de Darci Accorsi, do PT, falecido em 2014, aos 69 anos. Accorsi não se tornou, porém, um político estadualizado.
Falecido em 13 de janeiro de 2021, Maguito Vilela tinha 71 anos. De problemas decorrentes da Covid-19.
Iris Rezende — 1933-2021

O lugar de Iris Rezende na história de Goiás é, certamente, entre Pedro Ludovico Teixeira e Mauro Borges, quer dizer, entre os grandes. Não se trata de identidade ideológica, mas de perceber os três como modernizadores e como políticos profissionais, ou seja, efetivamente vocacionados para vida pública.
Na década de 1960, Iris Rezende foi eleito prefeito de Goiânia, conclamando o povão a participar de sua gestão, por intermédio dos mutirões. Em plena ditadura, a revista “Realidade”, da Editora Abril, destacou um repórter para verificar o que estava acontecendo em Goiás.
A “Realidade” publicou uma reportagem especial, com o título de “Nasce um líder”, e as atenções do país se voltaram para Goiânia. Bem-sucedido como administrador — trata-se do verdadeiro político profissional apontado por Max Weber —, Iris Rezende passou a ser cotado para a disputa do governo do Estado, em 1970. Santinhos circulavam pela cidade com os dizeres: “Bom para 70”. No entanto, com a intenção de barrar lideranças novas no nascedouro, a ditadura o cassou.
Iris Rezende só retomou a carreira política em 1982, quando estava com 49 anos. Ele derrotou o candidato da ditadura, Otávio Lage, e assumiu o governo em 1983 — há 40 anos. Fala-se que, no governo, houve caça às bruxas — ou seja, aos aliados do ex-governador Ary Valadão —, daí as centenas de demissões. Porém, como gestor, o político foi um modernizador, sobretudo na questão da ampliação da infraestrutura (pavimentação asfáltica e criação de novas rodovias, além de investimento na área de energia elétrica). Num só dia, o governo fez mil casas em Goiânia, na Vila Mutirão.
Em seguida, Iris Rezende se tornou ministro do governo de José Sarney. Em 1990, voltou ao governo. Em 1998, perdeu a disputa para o governo para Marconi Perillo. Adiante, foi eleito prefeito de Goiânia três vezes, dedicando-se a ampliar a infraestrutura da cidade.
Em 2018, poderia ter disputado a reeleição, mas optou por deixar a política. Morreu em 9 de novembro de 2021, aos 87 anos.
Fez-se acima uma avaliação de vários políticos pela média, ressaltando como devem figurar na história daqui para frente. Há, por certo, problemas. Iris Rezende, por exemplo, era autoritário, em termos políticos, ou exercia sua autoridade? E exatamente por sua autoridade, que poucos contestavam, poderia ter investido mais em alguns setores, como educação? Sim.
Três políticos não foram listados, mas não estão mais disputando eleições: Irapuan Costa Junior, Leonino Caiado e Lúcia Vânia. Os três estão vivos, lúcidos e têm uma história altamente positiva.
Irapuan Costa Junior foi governador de Goiás e senador. Lúcia Vânia foi deputada federal e senadora. Leonino Caiado foi governador de Goiás.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), recebeu uma menção en passant. Porque ele está no poder e, sobretudo, tem futuro político, tanto que, em 2026, pode disputar a Presidência da República ou uma vaga no Senado.
Os herdeiros da nova geração

Quem vai ocupar o espaço — o lugar — da geração que está passando? Confira alguns possíveis nomes, em ordem alfabética: Adriana Accorsi (PT), Ana Paula Rezende (MDB, filha de Iris Rezende e Iris Araújo), Antônio Gomide (PT), Bia de Lima (PT), Bruno Peixoto (União Brasil), Daniel do Sindicato (União Brasil), Daniel Vilela (MDB), Flávia Morais (PDT), Diego Sorgatto (União Brasil), Fernando Peloso (PSD), Gustavo Mendanha (Patriota), Gustavo Gayer (PL), Ismael Alexandrino (PSD), Issy Quinan (MDB), Lucas do Vale (MDB), Lucas Virgílio (Solidariedade), Marden Júnior (Patriota), Pábio Mossoró, Pedro Sales (União Brasil), Roberto Naves (pP), Romário Policarpo (a caminho do MDB), Silvye Alves (União Brasil), Virmondes Cruvinel (União Brasil), Wagner Neto (PRTB), Wilder Morais (PL).
O que eles devem fazer para ocupar o espaço que está quase vazio? Colocar-se, desde já, apresentando-se com frequência à sociedade discutindo os problemas de Goiás e do país. E, também, sugerindo soluções.
