Pedra no sapato da direita não é Eduardo, e sim Jair Bolsonaro. Bolsonarismo é aliado indireto de Lula

23 agosto 2025 às 21h00

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Golbery do Couto e Silva, um dos cérebros-artífices da ditadura civil-militar de 1964, criou o Serviço Nacional de Informações. Tempos depois, com o SNI se tornando uma fonte de bisbilhotagem da vida de adversários e aliados — sem limites, havia se tornado quase uma Stasi —, o general admitiu: “Criei um monstro”.
Os monstros não nascem sozinhos, não são criações próprias. Por isso, se o SNI havia se tornado um monstro — destruindo vidas ao colher informações ilegalmente —, o responsável não era o chefe do momento, e sim Golbery do Couto Silva.
Pode-se acusar Golbery do Couto e Silva de muitas coisas, mas não se pode sugerir que não era um homem inteligente. Era o principal intelectual da ditadura. Um pensador político. Por isso, ao perceber que o regime discricionário iria sucumbir, que não se sustentava mais, operou, junto com o presidente Ernesto Geisel, para, digamos assim, “matá-la”, como costuma dizer o jornalista e pesquisador Elio Gaspari, autor de cinco livros seminais sobre a ditadura civil-militar.
Um mérito, dos grandes, de Golbery do Couto e Silva é indiscutível: demoliu a ditadura que ajudou a construir. Mas, sobre o SNI, poderia ter dito, à Flaubert: “o monstro sou eu”.
O trumpista Eduardo ecoa Jair Bolsonaro
Corre na imprensa e entre políticos da direita que o “problema” do ex-presidente Jair Bolsonaro são os filhos, notadamente Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro. Será mesmo?

Quando militar, na década de 1980, Jair Bolsonaro elaborou um plano para explodir bombas-relógios em unidades militares do Rio de Janeiro. Acabou preso e condenado pela Justiça Militar. Depois, por pressão da linha dura do Exército, foi absolvido.
Como presidente, participou ativamente da elaboração de um plano — ou planos — para impedir a posse de Lula da Silva. Depois, seus aliados operaram para derrubar o presidente da República.
Aliados de Jair Bolsonaro projetaram inclusive o assassinato de Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Não é a esquerda ou ministros do STF que dizem isto, sublinhe-se. Na verdade, são documentos produzidos por bolsonaristas que revelaram a trama que se pretendia cruenta.
A ideia de golpe de Estado não é de Eduardo Bolsonaro e de Carlos Bolsonaro, que, como políticos, são frangos de granja. O próprio Jair Bolsonaro disse, numa entrevista ao site Portal 360, que Eduardo Bolsonaro “não é tão maduro assim”, acrescentando que “não é talhado para a política”.
Ao “diminuir” Eduardo Bolsonaro, para se apresentar como “maduro” e “talhado para a política”, Jair Bolsonaro esconde que sua cria apenas o repete. Ou melhor, repete publicamente o que o ex-presidente às vezes diz privadamente. O filho ecoa o pai. (Há a possibilidade de as brigas entre os Bolsonaro serem encenações? Muito provável. É preciso duvidar do excesso de “loucura”.)

Espécie de guru ideológico e religioso dos Bolsonaros, o pastor Silas Malafaia, numa conversa com Jair Bolsonaro, chamou Eduardo Bolsonaro de “babaca”, “idiota” e “estúpido de marca maior”. Sua fala: “Esse seu filho Eduardo é um babaca”.
Por ser “inexperiente”, de acordo com Silas Malafaia, Eduardo Bolsonaro “está dando a Lula e à esquerda o discurso nacionalista, e, ao mesmo tempo, ferrando” Jair Bolsonaro.
“Só não faço um vídeo e arrebento com ele por consideração a você”, disse Silas Malafaia a Jair Bolsonaro.
Há pelo menos duas questões a considerar. Primeiro, Silas Malafaia tem razão ao dizer que, ao aliar-se ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, numa cruzada contra o Brasil — e não apenas contra Lula da Silva e o PT —, Eduardo Bolsonaro deu “oxigênio” eleitoral ao petista-chefe, que, segundo a última pesquisa Quaest, é o favorito para a disputa de 2026, daqui a um ano e um mês.
Segundo, Silas Malafaia equivoca-se ao sugerir que a aliança de Eduardo Bolsonaro com Donald Trump — que, é preciso admitir, está balançando o Brasil — não tem as digitais de Jair Bolsonaro.
Sem Jair Bolsonaro, um ex-presidente e um capitão reformado do Exército, é provável que Eduardo Bolsonaro não teria sido recebido por Donald Trump. Por isso, a ida do deputado licenciado para os Estados, para criar uma campanha americana contra o Brasil, Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal, faz parte de um plano do grupo de Jair Bolsonaro.

O bolsonarismo é um movimento de direita adicto a Jair Bolsonaro. Não é autônomo, pelo menos não inteiramente. Então, o novo golpismo, agora com a participação dos Estados Unidos — lembrando o golpe de 1964, que contou com o apoio do presidente Lyndon Johnson, por sinal do Partido Democrata —, tem as digitais do ex-presidente.
Apontados como “aloprados”, os “meninos” Eduardo e Carlos Bolsonaro fazem o que pai manda. Porque o consideram um grande estrategista, dada sua ligação com outros militares, apontados como estrategistas, como o general Augusto Heleno, que imperou na Abin (como se fosse Golbery do Couto e Silva ou João Figueiredo).
Se os “meninos” ganharam uma autonomia relativa — e, frise-se, Eduardo Bolsonaro se movimenta com desenvoltura nos Estados Unidos —, para articular e operar nas redes sociais, alguém a concedeu.
Carlos e Eduardo Bolsonaro são criaturas de Jair Bolsonaro. Não criadores de Jair Bolsonaro. Por isso, é possível sugerir que Silas Malafaia está equivocado. Acrescente-se que o próprio pastor da Assembleia de Deus, com seu radicalismo cada vez mais extremado, contribui para prejudicar o ex-presidente e toda a direita. O pastor é um homem de Deus, sem dúvida, mas, quando deblatera, parece um anjo tão caído quanto Lúcifer. Um religioso que cultiva a ideia de “arrebentar” alguém não é, na prática, defensor da paz e dos preceitos cristãos.

Direitas precisam adotar discurso “brasileiro”
Jair Bolsonaro usa Eduardo e Carlos Bolsonaro para enviar recados para os pré-candidatos a presidente da República no espectro da direita? É o que parece. Insistindo: a autonomia da dupla é mínima. O que condena em público Jair Bolsonaro certamente aplaude privadamente.
Jair Bolsonaro pode até ser inculto, como dizem, mas é inteligente e sabe manejar a política e o eleitorado de direita. Por isso, já percebeu que, além do fato de que não pode ser candidato, ninguém da família poderá ser candidato a presidente em 2026.
Corrigindo: na verdade, Michelle Bolsonaro, a mulher de Jair Bolsonaro, e Flávio Bolsonaro podem, se conquistarem o apoio do marido e do pai, disputar a Presidência. Mas terão chance de vencer o pleito? Possivelmente, não. Até porque não empolgam as direitas e o centro. A primeira tem carisma, mas não tem experiência. O segundo, por ser senador, tem alguma experiência, mas não tem carisma.
Então, com a crise do bolsonarismo — no sentido de não ter um candidato dos quadros da família Bolsonaro, e não no sentido eleitoral (pois continua forte) —, há um risco para as direitas.

No momento, de alguma maneira, as direitas enfrentam um paradoxo. Primeiro, precisam do apoio do bolsonarismo, que tem um eleitorado praticamente cativo. Segundo, o bolsonarismo, radicalizado, pode contribuir para manter Lula da Silva na Presidência.
O que fazer? É difícil encontrar uma saída. As direitas não podem abdicar do bolsonarismo — ainda que o bolsonarismo esteja abdicando delas, numa tática suicida —, mas, se quiserem derrotar Lula da Silva, não podem adotar seu discurso integralmente.
O tarifaço de Donald Trump prejudica o Brasil? Sim. Então, as direitas civilizadas e realistas podem apoiar as ações “estúpidas” — segundo Silas Malafaia — de Eduardo Bolsonaro? Só se quiserem perder a eleição para Lula da Silva. Aqueles que são experimentados nunca se suicidam política e ideologicamente.
A última pesquisa Quaest, divulgada na quinta-feira, 21, mostra que Lula da Silva pode vencer qualquer um dos candidatos da direita. O que aconteceu? Como disse Silas Malafaia, o bolsonarismo, via Eduardo Bolsonaro, deu oxigênio ao petista-chefe.
Então, o maior “aliado” de Lula da Silva hoje é o bolsonarismo, não o das ruas, e sim o da família Bolsonaro. A estultice dos Bolsonaros deu um novo discurso ao presidente, que se tornou o representante do Brasil contra Donald Trump (que, como se sabe, vem expulsando brasileiros dos Estados Unidos, vários deles bolsonaristas ou ex-bolsonaristas).
A partir do quadro de hoje, e não se sabe o de amanhã — o acaso vive atropelando os profetas das certezas —, Lula da Silva é o favorito absoluto. Mas isto não significa que as direitas, se formatarem um discurso pró-Brasil — ainda que sem rompimento com o bolsonarismo —, não tenham chance de derrotá-lo.
Os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicados), do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) têm condições de derrotar Lula da Silva? É possível que sim.
Os quatro gestores estão fazendo a coisa certa. Enquanto o bolsonarismo de Eduardo e Carlos Bolsonaro promove a discórdia, por puro amadorismo político, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior e Romeu Zema se uniram, o que é, estratégica e politicamente, inteligente. Um deles pode ser presidente do Brasil. E nem precisam se afastar do bolsonarismo, para não perder seu eleitorado. Só não podem endossar as ideias malucas esboçadas por Eduardo e Carlos Bolsonaro — da turma do “vai que cola” — sob a tutela do pai.