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Golbery do Couto e Silva, um dos cérebros-artífices da ditadura civil-militar de 1964, criou o Serviço Nacional de Informações. Tempos depois, com o SNI se tornando uma fonte de bisbilhotagem da vida de adversários e aliados — sem limites, havia se tornado quase uma Stasi —, o general admitiu: “Criei um monstro”.

Os monstros não nascem sozinhos, não são criações próprias. Por isso, se o SNI havia se tornado um monstro — destruindo vidas ao colher informações ilegalmente —, o responsável não era o chefe do momento, e sim Golbery do Couto Silva.

Pode-se acusar Golbery do Couto e Silva de muitas coisas, mas não se pode sugerir que não era um homem inteligente. Era o principal intelectual da ditadura. Um pensador político. Por isso, ao perceber que o regime discricionário iria sucumbir, que não se sustentava mais, operou, junto com o presidente Ernesto Geisel, para, digamos assim, “matá-la”, como costuma dizer o jornalista e pesquisador Elio Gaspari, autor de cinco livros seminais sobre a ditadura civil-militar.

Um mérito, dos grandes, de Golbery do Couto e Silva é indiscutível: demoliu a ditadura que ajudou a construir. Mas, sobre o SNI, poderia ter dito, à Flaubert: “o monstro sou eu”.

O trumpista Eduardo ecoa Jair Bolsonaro

Corre na imprensa e entre políticos da direita que o “problema” do ex-presidente Jair Bolsonaro são os filhos, notadamente Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro. Será mesmo?

Donald Trump e Eduardo Bolsonaro: uma aliança político-estratégica que não é positiva para o Brasil | Foto: Joyce N. Boghosian/White House)

Quando militar, na década de 1980, Jair Bolsonaro elaborou um plano para explodir bombas-relógios em unidades militares do Rio de Janeiro. Acabou preso e condenado pela Justiça Militar. Depois, por pressão da linha dura do Exército, foi absolvido.

Como presidente, participou ativamente da elaboração de um plano — ou planos — para impedir a posse de Lula da Silva. Depois, seus aliados operaram para derrubar o presidente da República.

Aliados de Jair Bolsonaro projetaram inclusive o assassinato de Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Não é a esquerda ou ministros do STF que dizem isto, sublinhe-se. Na verdade, são documentos produzidos por bolsonaristas que revelaram a trama que se pretendia cruenta.

A ideia de golpe de Estado não é de Eduardo Bolsonaro e de Carlos Bolsonaro, que, como políticos, são frangos de granja. O próprio Jair Bolsonaro disse, numa entrevista ao site Portal 360, que Eduardo Bolsonaro “não é tão maduro assim”, acrescentando que “não é talhado para a política”.

Ao “diminuir” Eduardo Bolsonaro, para se apresentar como “maduro” e “talhado para a política”, Jair Bolsonaro esconde que sua cria apenas o repete. Ou melhor, repete publicamente o que o ex-presidente às vezes diz privadamente. O filho ecoa o pai. (Há a possibilidade de as brigas entre os Bolsonaro serem encenações? Muito provável. É preciso duvidar do excesso de “loucura”.)

Romeu Zema (Minas Gerais), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Júnior (Paraná): políticos da direita civilizada, democrática e propositiva | Foto: Jornal Opção e Divulgação

Espécie de guru ideológico e religioso dos Bolsonaros, o pastor Silas Malafaia, numa conversa com Jair Bolsonaro, chamou Eduardo Bolsonaro de “babaca”, “idiota” e “estúpido de marca maior”. Sua fala: “Esse seu filho Eduardo é um babaca”.

Por ser “inexperiente”, de acordo com Silas Malafaia, Eduardo Bolsonaro “está dando a Lula e à esquerda o discurso nacionalista, e, ao mesmo tempo, ferrando” Jair Bolsonaro.

“Só não faço um vídeo e arrebento com ele por consideração a você”, disse Silas Malafaia a Jair Bolsonaro.

Há pelo menos duas questões a considerar. Primeiro, Silas Malafaia tem razão ao dizer que, ao aliar-se ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, numa cruzada contra o Brasil — e não apenas contra Lula da Silva e o PT —, Eduardo Bolsonaro deu “oxigênio” eleitoral ao petista-chefe, que, segundo a última pesquisa Quaest, é o favorito para a disputa de 2026, daqui a um ano e um mês.

Segundo, Silas Malafaia equivoca-se ao sugerir que a aliança de Eduardo Bolsonaro com Donald Trump — que, é preciso admitir, está balançando o Brasil — não tem as digitais de Jair Bolsonaro.

Sem Jair Bolsonaro, um ex-presidente e um capitão reformado do Exército, é provável que Eduardo Bolsonaro não teria sido recebido por Donald Trump. Por isso, a ida do deputado licenciado para os Estados, para criar uma campanha americana contra o Brasil, Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal, faz parte de um plano do grupo de Jair Bolsonaro.

Tarcísio de Freitas foto de Foto Divulgação Cleiby Trevisan
Tarcísio de Freitas: aposta é pela reeleição em São Paulo | Foto: Cleiby Trevisan

O bolsonarismo é um movimento de direita adicto a Jair Bolsonaro. Não é autônomo, pelo menos não inteiramente. Então, o novo golpismo, agora com a participação dos Estados Unidos — lembrando o golpe de 1964, que contou com o apoio do presidente Lyndon Johnson, por sinal do Partido Democrata —, tem as digitais do ex-presidente.

Apontados como “aloprados”, os “meninos” Eduardo e Carlos Bolsonaro fazem o que pai manda. Porque o consideram um grande estrategista, dada sua ligação com outros militares, apontados como estrategistas, como o general Augusto Heleno, que imperou na Abin (como se fosse Golbery do Couto e Silva ou João Figueiredo).

Se os “meninos” ganharam uma autonomia relativa — e, frise-se, Eduardo Bolsonaro se movimenta com desenvoltura nos Estados Unidos —, para articular e operar nas redes sociais, alguém a concedeu.

Carlos e Eduardo Bolsonaro são criaturas de Jair Bolsonaro. Não criadores de Jair Bolsonaro. Por isso, é possível sugerir que Silas Malafaia está equivocado. Acrescente-se que o próprio pastor da Assembleia de Deus, com seu radicalismo cada vez mais extremado, contribui para prejudicar o ex-presidente e toda a direita. O pastor é um homem de Deus, sem dúvida, mas, quando deblatera, parece um anjo tão caído quanto Lúcifer. Um religioso que cultiva a ideia de “arrebentar” alguém não é, na prática, defensor da paz e dos preceitos cristãos.

Carlos Bolsonaro: filho de Jair Bolsonaro | Foto: Divulgação

Direitas precisam adotar discurso “brasileiro”

Jair Bolsonaro usa Eduardo e Carlos Bolsonaro para enviar recados para os pré-candidatos a presidente da República no espectro da direita? É o que parece. Insistindo: a autonomia da dupla é mínima. O que condena em público Jair Bolsonaro certamente aplaude privadamente.

Jair Bolsonaro pode até ser inculto, como dizem, mas é inteligente e sabe manejar a política e o eleitorado de direita. Por isso, já percebeu que, além do fato de que não pode ser candidato, ninguém da família poderá ser candidato a presidente em 2026.

Corrigindo: na verdade, Michelle Bolsonaro, a mulher de Jair Bolsonaro, e Flávio Bolsonaro podem, se conquistarem o apoio do marido e do pai, disputar a Presidência. Mas terão chance de vencer o pleito? Possivelmente, não. Até porque não empolgam as direitas e o centro. A primeira tem carisma, mas não tem experiência. O segundo, por ser senador, tem alguma experiência, mas não tem carisma.

Então, com a crise do bolsonarismo — no sentido de não ter um candidato dos quadros da família Bolsonaro, e não no sentido eleitoral (pois continua forte) —, há um risco para as direitas.

Silas Malafaia e Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro 1222

No momento, de alguma maneira, as direitas enfrentam um paradoxo. Primeiro, precisam do apoio do bolsonarismo, que tem um eleitorado praticamente cativo. Segundo, o bolsonarismo, radicalizado, pode contribuir para manter Lula da Silva na Presidência.

O que fazer? É difícil encontrar uma saída. As direitas não podem abdicar do bolsonarismo — ainda que o bolsonarismo esteja abdicando delas, numa tática suicida —, mas, se quiserem derrotar Lula da Silva, não podem adotar seu discurso integralmente.

O tarifaço de Donald Trump prejudica o Brasil? Sim. Então, as direitas civilizadas e realistas podem apoiar as ações “estúpidas” — segundo Silas Malafaia — de Eduardo Bolsonaro? Só se quiserem perder a eleição para Lula da Silva. Aqueles que são experimentados nunca se suicidam política e ideologicamente.

A última pesquisa Quaest, divulgada na quinta-feira, 21, mostra que Lula da Silva pode vencer qualquer um dos candidatos da direita. O que aconteceu? Como disse Silas Malafaia, o bolsonarismo, via Eduardo Bolsonaro, deu oxigênio ao petista-chefe.

Então, o maior “aliado” de Lula da Silva hoje é o bolsonarismo, não o das ruas, e sim o da família Bolsonaro. A estultice dos Bolsonaros deu um novo discurso ao presidente, que se tornou o representante do Brasil contra Donald Trump (que, como se sabe, vem expulsando brasileiros dos Estados Unidos, vários deles bolsonaristas ou ex-bolsonaristas).

A partir do quadro de hoje, e não se sabe o de amanhã — o acaso vive atropelando os profetas das certezas —, Lula da Silva é o favorito absoluto. Mas isto não significa que as direitas, se formatarem um discurso pró-Brasil — ainda que sem rompimento com o bolsonarismo —, não tenham chance de derrotá-lo.

Os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicados), do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) têm condições de derrotar Lula da Silva? É possível que sim.

Os quatro gestores estão fazendo a coisa certa. Enquanto o bolsonarismo de Eduardo e Carlos Bolsonaro promove a discórdia, por puro amadorismo político, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior e Romeu Zema se uniram, o que é, estratégica e politicamente, inteligente. Um deles pode ser presidente do Brasil. E nem precisam se afastar do bolsonarismo, para não perder seu eleitorado. Só não podem endossar as ideias malucas esboçadas por Eduardo e Carlos Bolsonaro — da turma do “vai que cola” — sob a tutela do pai.