Operação Lava Jato dá lições para julgamento de Bolsonaro: excessos mudam ventos políticos
26 julho 2025 às 21h00

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Em 15 de julho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli anulou os atos da Operação Lava Jato contra o doleiro Alberto Youssef. Com a decisão, foram invalidadas todas as determinações do ex-juiz Sergio Moro no processo. Dias antes, em evento de homenagem aos 75 anos do Tribunal de Contas do Pará, o ministro Luiz Fux havia afirmado que as anulações dos processos da Lava Jato foram tomadas “por questões formais”, mas destacou: “ninguém pode esquecer que houve corrupção no Brasil”.
A Lava Jato é descritiva e prescritiva. Primeiro, descreve Brasil: resume sua tendência de embarcar em “momentos políticos” como se fossem eternos; exemplifica a falta de planejamento na convicção de que, se tudo não for feito imprudentemente agora, não será nunca mais; mostra instrumentalização da Justiça contra o incumbente anterior quando um chefe novo assume o cargo.
É prescritiva, pois apresenta lições fundamentais, em especial neste momento em que um ex-presidente é novamente julgado. Caso não aprenda com os erros do passado e repita atropelos, o país corre risco de ver nova anulação do processo “por questões formais”, e a punição ficar apenas na memória, na forma “ninguém pode esquecer que houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil…”
O sinal de que algo no processo não está claro foi novamente aceso nesta segunda-feira, 21, quando o ministro Alexandre de Moraes advertiu Jair Bolsonaro (PL) sobre a possibilidade de prisão caso continuasse descumprindo medidas cautelares. A advertência foi feita após Bolsonaro conceder entrevistas à imprensa na saída da Câmara dos Deputados. Na ocasião, o ex-presidente revelava pela primeira vez sua tornozeleira eletrônica. As matérias produzidas por jornais foram publicadas nas redes sociais do deputado Eduardo Bolsonaro (PL).
A defesa de Bolsonaro, em embargo de declaração, pediu esclarecimentos sobre as restrições impostas ao ex-presidente. Os advogados argumentaram que as medidas estabeleciam a proibição de utilização das redes sociais, mas não a proibição de conceder entrevistas. Alexandre de Moraes proferiu despacho na terça-feira, 22, no qual explicitou que a cautelar de proibição valia para as próprias redes sociais diretamente, ou por intermédio de terceiros. “Inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas de redes sociais de terceiros”, escreveu.
O despacho implica incontornavelmente em censura prévia. Bolsonaro não é capaz de controlar o que terceiros publicam em suas redes sociais. No caso da entrevista concedida na saída da Câmara dos Deputados, a censura se estende à imprensa. Tem interesse público, e portanto jornalístico, o fato de um ex-presidente exibir sua tornozeleira eletrônica e falar em “suprema humilhação”. É obrigação da imprensa publicar e divulgar a entrevista com em redes sociais. Se Bolsonaro correr o risco de ser preso porque terceiros divulgaram tal material, na prática, a medida cautelar significa que ele deve se calar.
O problema é ainda maior se consideramos que Bolsonaro, mesmo inelegível, tem 26% de intenção de votos segundo a última pesquisa Quaest, e ainda é considerado o maior líder da direita no país. É impossível que uma figura aclamada como “mito” por um quarto da população apareça em público sem ser filmada — está também proibido de andar nas ruas?
O ministro Luiz Fux foi o único que discordou das restrições impostas a Jair Bolsonaro no dia 21 (o mesmo Fux que, em setembro de 2018, proibiu o então ex-presidente Lula da Silva de conceder entrevista na prisão). Fux também divergiu da competência da Primeira Turma para a análise do caso, considerando que o foro adequado seria o plenário da Corte.
Entretanto, vale um olhar crítico sobre as notícias que relatam a discordância entre ministros do STF, como se houvesse possibilidade de que as decisões da turma divirjam de uma personalidade centralizadora. Em matéria de 22 julho, O Globo informou que Fux avisou de antemão o ministro Alexandre de Moraes, seu colega na Primeira Turma, que adotaria posição divergente. Na prática, Moraes age com apoio do corpo do STF, segundo o ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello, que presidiu a Corte entre 2001 e 2003.
Em entrevista ao Estadão, Marco Aurélio Mello afirmou que há um espírito de corpo contrário à obrigação de independência dos ministros. Como Fux, Marco Aurélio Mello discorda que a competência do julgamento do cidadão comum seja o STF. “Houve emenda regimental deslocando a competência do plenário para as turmas processo-crime […]. Quando o Supremo decide, não cabe recurso ao órgão revisor, então fica prejudicado o devido processo legal […]. Espero que não cheguemos a decidir processo-crime monocraticamente”, disse em entrevista ao Estadão.
A expansão das atribuições da Corte parece estar atrelada ao apoio da população às instituições em reação aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Para que não fique dúvidas: ao que indicam os interrogatórios, inquérito e processo conduzido pelo STF, o núcleo da trama golpista de fato girava em torno de Jair Bolsonaro, e Moraes tem o dever de responsabilizar os culpados. É justamente pela gravidade dos fatos que se deve insistir que o julgamento siga o protocolo, sem sentimento de autodefesa ou aproveitamento de momentos políticos.
Novamente, a operação Lava Jato dá exemplos. A anulação das ações subsidiou a apresentação de uma versão alternativa à que dominou os noticiários de 2014 à 2021. A primeira anulação, em abril de 2021, restaurou os direitos políticos de Lula da Silva e embasou na campanha eleitoral de outubro de 2022 as respostas do petista aos questionamentos sobre corrupção (a de que foi vítima de perseguição do Judiciário).
Dispensando por hora o mérito das acusações, o mesmo pode ocorrer com Jair Bolsonaro. No futuro, se a Corte considerar que Moraes extrapolou a Constituição ao puni-lo por entrevistas publicadas por terceiros, e se considerar que o foro para julgar ex-presidente é aquele dos cidadãos comuns, e não o STF, Bolsonaro pode ser premiado com um discurso pronto para as eleições — a de que foi vítima de perseguição. Não por acaso, seus apoiadores insistem desde já nesta defesa.
Conciliação em vez do confrontamento
O discurso é engrossado internacionalmente: na última sexta-feira, 18, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, anunciou que o governo Trump suspendeu o visto de Alexandre de Moraes e de “aliados” do magistrado no STF. “A política de caça às bruxas de Alexandre de Moraes contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura que viola os direitos dos brasileiros e também atinge os americanos. Ordenei a revogação dos vistos de Moraes, seus aliados na corte, e seus familiares, de forma imediata”, declarou Rubio.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, determinou nesta segunda-feira, 21, o bloqueio das contas bancárias e dos bens do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Ele é investigado no STF por incitar o governo norte-americano a adotar medidas contra o governo brasileiro, na forma da taxação a exportações em 50%, em decorrência da ação penal da trama golpista.
Na realidade, é improvável que a família Bolsonaro tenha tanta influência junto ao governo americano. Uma leitura menos ingênua indica que o tarifaço provavelmente tem fundamentação nos esforços dos BRICS de implementar comércio em moeda alternativa ao dólar, na atuação do STF para responsabilizar big techs por publicações de usuários em redes sociais, na abertura do comércio brasileiro à empresas americanas e no subsídio ao etanol — questões econômicas.
De toda forma, o nome de Bolsonaro aparece nos comunicados da Casa Branca. Se Bolsonaro pode, indiretamente, ser impedido de dar entrevistas à imprensa brasileira, a atenção internacional não sofre influência do STF. A percepção internacional de que o Brasil estaria usando autoritarismo para combater o autoritário pode acelerar a mudança do tal momento político de apoio às instituições.
O aprofundamento das desavenças internacionais, no lugar da tradicional solução de conflitos pela via diplomática, é sintoma de uma mudança na mentalidade brasileira, que ressoa no governo federal e é manifestada nos inquéritos do STF. Para que não haja dúvidas: o conflito é culpa do governo dos Estados Unidos, e não de Lula. Mas há espaço para diálogo — Coréia do Sul, Singapura e Vietnã são alguns dos países que evitaram ou postergaram a implementação das taxas após o anúncio de Trump no “liberation day”, em 2 de abril.
A possibilidade apresentada pelo ministro Fernando Haddad de que o Brasil pode reagir suspendendo direitos de propriedade intelectual — como royalties audiovisuais, patentes de medicamentos e de sementes agrícolas — e a tributando das remessas de dividendos por multinacionais americanas instaladas no Brasil, ressoa o sentimento de autoproteção apresentado também pelo STF. As instituições brasileiras parecem estar sob constante ataque, e parecem sempre tentar expandir seus poderes sob justificativa de legítima defesa.
Essa mudança no brazilian way, da proatividade em busca do diálogo para uma intervenção reativa, não é invenção de Lula. Em nome de uma ideologia anti-esquerda, o ex-presidente Bolsonaro comprou briga com aliados internacionais históricos e parceiros comerciais de 2019 a 2023. Trata-se do ímpeto de isolacionismo global que todo o planeta atravessa. Porém, o Brasil tem potencial para liderar um contraponto a este momento, se colocando como protagonista na conciliação das crises que levam ao rompimento das cadeias internacionais de produção e, logo, às perdas econômicas.
Para isso, entretanto, seria necessário um líder sem o afã ideológico de Bolsonaro e que não dependa da narrativa do “nós contra eles” para permanecer no poder como Lula. Os excessos do Judiciário e do Executivo são polarizantes, e, portanto, a principal ameaça ao surgimento de um nome que arregimente o centro oscilante entre direita e esquerda no país.
Afinal, os ventos que beneficiam Lula da Silva neste momento (a contraposição às Tarifas de Trump, a possível condenação de Bolsonaro), podem beneficiar, adiante, um candidato de centro-direita, como Ronaldo Caiado (possivelmente, o mais preparado dos pré-candidatos das direitas), governador de Goiás; Ratinho Júnior, governador do Paraná; Romeu Zema, governador de Minas Gerais. Esta é mais uma das lições deixadas pela Lava Jato, quando a esquerda saiu das investigações para retornar ao poder.
