O inimigo de Israel é o Hamas e não os palestinos, que não devem ser eliminados

15 outubro 2023 às 00h01

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Na batalha contra Israel, o Hamas de Ismail Haniyeh, Marwan Issa e Mohammed Deif não hesitou em matar inocentes — pessoas que não estão em guerra. O governo israelense seguirá — já está seguindo — o mau exemplo dos terroristas palestinos?
O entendimento preciso de um fato só é possível se as palavras corretas forem expostas sem eufemismos. Portanto, o Hamas é, sim, terrorista. Assim como a invasão de Israel, que resultou em centenas de pessoas mortas — inclusive crianças e idosos —, é um crime dos mais cruéis e, por isso, deve ser condenada sem edulcorações diplomáticas.
O Hamas não quer, em nenhuma hipótese, a existência de dois Estados na região: o israelense e o palestino. O que a organização terrorista realmente exige é a eliminação de Israel do mapa do Oriente Médio.
Quem defende os dois Estados está correto. De fato, urge criar o Estado palestino — que, a rigor, praticamente já existe. Porque há um povo, o palestino, e ele está assentado, bem ou mal, numa região definida. O Estado de Israel já está efetivado, desde 1948, inclusive com a participação do brasileiro Osvaldo Aranha.
Um dia, será possível a convivência entre os dois Estados — o israelense e o palestino? É possível, mas não será fácil. O ataque ao território de Israel — uma ação tão temerária quanto ousada — mostra que o Hamas não quer paz, não busca nenhuma convivência pacífica. Pelo contrário, quer guerra e, tal como o ditador nazista Adolf Hitler, destruir os judeus, no caso os judeus de Israel.

O fato de que organizações terroristas — como Hamas e Hezbollah, este baseado no Líbano e igualmente financiado, em grande parte, pelo Irã — querem varrer Israel do mapa do Oriente Médio contribui para reforçar o poderio do país dos judeus, sobretudo fortalecendo seus laços com os Estados Unidos e vários países europeus, como Alemanha e Inglaterra.
O jogo do Irã no Oriente Médio
O Hamas e o Hezbollah são os principais inimigos de Israel na região? São grandes inimigos, mas não têm estrutura para, sozinhos, acabarem com o país de Amós Oz e David Grossman.
Na verdade, o maior rival de Israel é o Irã dos xiitas. Porque o Irã tem petróleo, portanto euros e dólares. É um país rico, com amplas reservas cambiais, e, por isso, pode comprar as melhores armas do mercado para lutar contra seus inimigos.
Não se pode sugerir que o Hamas e o Hezbollah são braços armados e terroristas do Irã (que também financiou a Síria contra o Estado Islâmico). Porque as duas organizações, ainda que dependam financeiramente dos iranianos, são autônomas. Inclusive, se o Hezbollah é xiita, o Hamas é sunita (por sinal, em geral os sunitas não apreciam os xiitas e vice-versa).
Mas é ingenuidade acreditar que, sem o Irã, o Hezbollah e o Hamas teriam condições de desafiar Israel, um país altamente avançado e muito bem armado. As duas organizações terroristas lutam com armas modernas e eficazes, como foguetes de alta qualidade. Não batalham com pedras, revólveres e pistolas. Isto tem um preço elevado. Só o Irã pode custear, com dinheiro a fundo perdido, uma guerra contra uma potência como Israel.

O Irã é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo — com 9% das reservas mundiais —, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia, Canadá, Iraque, China e Emirados Árabes Unidos, e figurando à frente do Brasil, Kuwait, Noruega, México, Cazaquistão, Catar e Nigéria.
Neste momento, o apoio mais ostensivo a Israel advém dos Estados Unidos, do presidente Joe Biden — que não é visto como um “falcão” pela mídia, mas, apesar do discurso relativamente light, é um político durão. (O excelente livro “Árabes — Uma História”, de Eugene Rogan, professor de Oxford, relata: “Enquanto o presidente [George W.] Bush havia autorizado cerca de cinquenta ataques com drones, matando 296 combatentes e 195 civis, [Barack] Obama aprovou mais de quinhentos ataques, matando 3040 combatentes e centenas de civis”. A informação está na página 709.)
Por que a presença dos Estados Unidos, inclusive enviando o secretário de Estado — a figura mais importante do governo, depois do presidente — e um navio para Israel, com discurso e apoio tão incisivos?
Os Estados Unidos estão enviando um recado para o Hezbollah e para o Hamas? Não. Na verdade, o país de Joe Biden e Antony Blinken está avisando o Irã — além do Líbano e da Síria — que a guerra não é apenas contra Israel.
Os falcões americanos — e democratas não têm nada de “pombas”, como acreditam os que se importam não com atos, e sim com retóricas — estão alertando o Irã de que a guerra também é dos Estados Unidos. Não fossem os americanos, com seu imenso poderio — inclusive nuclear —, o Irã estaria se comportando de maneira mais ativa. Como são homens de Estado — e não malucos meramente radicais —, os governantes xiitas ficaram imensamente satisfeitos com o ataque do Hamas, afinal o dinheiro que deram aos palestinos, de acordo com o resultado, foi “bem” aplicado, mas não vão assumir, de maneira direta, que financiaram os atentados.
O recado de Joe Biden e Antony Blinken não é para o Hezbollan e para o Hamas — dos quais, sabe-se, Israel pode cuidar com suficiência. O “inimigo” verdadeiro é o Irã.
Diz-se que o Hamas, orientado pelo Irã, atacou Israel para colocar — ou recolocar — o mundo árabe contra o país de Yuval Harari. Sob orientação dos Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita iniciaram um processo de normalização de suas relações. O Irã considera a sunita Arábia Saudita como “inimiga”, mas não quer que estreite relações diplomáticas e comerciais com Israel.
Os analistas que dizem isto estão cobertos de razão. Mas a questão central é que o Irã, assim como outros países — com os palestinos na linha de frente —, quer excluir Israel do Oriente Médio. Então, opera para isolar o país de Benjamin Netanyahu, que, apesar de ser de direita, governa um país democrático. O Hamas está jogando o próprio jogo, na sua operação vingança, mas opera também pelas regras dos iranianos.
Mesmo relativamente silencioso, o mundo árabe comemorou o ataque do Hamas a Israel. Porque restou provado que o país do Mossad (frise-se que, com o serviço secreto falhando, quem descobriu o nazista Adolf Eichmann em Buenos Aires foi um cego. Este fato foi praticamente apagado depois que o Mossad sequestrou o criminoso de guerra da Alemanha) é vulnerável e que seu povo, sob ataque, tem medo, como qualquer outro povo. O ataque do Hamas gerou insegurança em Israel.
A ideia de um Israel inviolável — Tel Aviv era vista como uma “bolha”, em termos de segurança — foi para o espaço. Se o Hamas pôde invadir o país, jogando foguetes e matando pessoas, então outros também podem. É um recado.
Palestinos estão acima do Hamas
A caçada aos integrantes do Hamas é lícita? Pode-se tergiversar e ficar em cima do muro — como não chamar a organização palestina de terrorista (seguindo o ditame da ONU). Porém, como há uma guerra, e Israel foi agredido primeiro — contabilizando centenas de mortes —, os israelenses têm o direito de se defender. A rigor, o revide é uma defesa. Porque, se o país das escritoras Ayelet Gundar-Goshen, Olry Castel-Bloom e Shulamit Lapid não reagir, provando que é capaz de se defender, irá se tornar uma presa fácil aos terroristas anti-israelenses.
Então, a realidade é esta: os israelenses vão promover uma caçada sem igual aos terroristas do Hamas (e tanto dentro do território palestino quanto, no médio prazo, em outros países). Uma vingança pesada, com recados para todo mundo, tende a dissuadir outros grupos terroristas, e mesmo o Hezbollah e o Hamas.
Mas a cruzada contra o Hamas deve se tornar uma cruzada contra os palestinos? Fala-se em ataques cirúrgicos e danos colaterais.
Os bombardeios ditos cirúrgicos raramente o são. Armas poderosas destroem, no geral, mais do que o alvo. Daí que, para matar terroristas, acaba por se matar civis inocentes — gente que, na verdade, nem está envolvida na guerra, e, a rigor, não a quer. É provável que a maioria dos palestinos, dada a rivalidade histórica com Israel, ficou satisfeita com o ataque brutal do Hamas a israelenses dentro do território de Israel.
Mas o fato de terem ficado “satisfeitos” — frise-se que o Hamas não tem aprovação total dos palestinos —, se ficaram, não é o mesmo que estar envolvido nos ataques terroristas.
Portanto, é crucial que Israel, no afã de pegar os líderes e integrantes do Hamas, não transforme todos os palestinos em alvo. A morte dos israelenses é lamentável — há histórias escabrosas, como a dos bebês decapitados —, mas a morte de palestinos inocentes também o será. Aliás, as mortes já estão ocorrendo.
O objetivo é a retirada dos palestinos de Gaza? Mas para onde serão deslocados? O Egito e outros países terão dificuldade de absorvê-los — assim como a Europa.
O que o mundo precisa cobrar de Israel — e de seu principal aliado, os Estados Unidos — é que, na caça ao Hamas, que é justa, não sacrifique todos os palestinos. A luta do homem civilizado, aquele que não tolera a violência ditada pela barbárie, é também pela especificação real da culpa. Na luta contra Israel, o Hamas de Ismail Haniyeh, Marwan Issa e Mohammed Deif não hesitou em matar inocentes — pessoas que não estão em guerra. Israel seguirá — já está seguindo — o mau exemplo dos terroristas palestinos?
Então, o combate ao Hamas não pode se tornar um combate sem quartel a todos os palestinos. O mundo — e não apenas a ONU — tem de ficar desperto para isto. Não se pode destruir um povo porque, no seu meio, existe, e tem muito poder — inclusive de matar as forças contrárias —, uma organização terrorista como o Hamas.