MP precisa explicar por que jogou no lixo relatório do CAU e investigação da polícia sobre o Nexus
02 setembro 2017 às 09h35

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Articulação para a construção do empreendimento é repleta de irregularidades. Mesmo assim, o Ministério Público fez acordo com as construtoras e com a prefeitura, “liberando” a obra

O livro “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, é uma espécie de biografia do Brasil. O autor explica que as elites — articulando pelo alto e, às vezes, fingindo “incluir” o povo — controlam o poder e, nos períodos em que se avizinha uma mudança, absorvem os movimentos de pressão e evitam o avanço ou possibilitam um avanço tão-somente mediano. Recente acordo entre a construtora Consciente JFG Incorporações — consórcio articulado pelos empresários Ilézio Inácio Ferreira e José Batista Sobrinho Júnior, o Júnior do Friboi (irmão de Josley Batista, o delator da JBS) —, a Prefeitura de Goiânia e o Ministério Público de Goiás escancara as portas para a construção do Nexus Shopping & Business. Da Prefeitura de Goiânia, gerida por Iris Rezende, não se esperava outra coisa. O gestor peemedebista é amigo de Ilézio Inácio Ferreira e mantém ligação estreita com o setor da construção civil. O que não se esperava é que, depois de uma atuação inicialmente impecável, o Ministério Público tenha participando do pacto que beneficia não a cidade, mas dois grupos empresariais. Por que o MP mudou, de repente, não se sabe e certamente nunca se saberá. O fato é que jogou no lixo o cuidadoso e ponderado relatório do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) de Goiás — que havia sido louvado exatamente pelo MP — e uma investigação criteriosa da Polícia Civil. Pode-se dizer que, com o acordão, “legalizou-se” um crime?
O Jornal Opção publicou uma reportagem detalhada na qual se apontou que o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do Nexus apresentava problemas graves. O principal deles a falsificação da assinatura de moradores da região — os setores Marista e Oeste — onde “será” construído o Nexus. Na época, a repórter percebeu a fraude e decidiu consultar um perito, que, de maneira preliminar, confirmou que havia assinaturas feitas possivelmente pela mesma pessoa. Posteriormente, peritos da Polícia Científica de Goiás constataram, depois de examinar as 278 fichas de entrevistas, que pelo menos 37 assinaturas são falsificadas. Responsável pelo inquérito policial, a delegada Lara Menezes, da Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente, afirma que o laudo, “detalhista”, sugere uma fraude absolutamente dolosa. A policial frisa que é possível que as assinaturas podem ter “partido de um único punho, uma vez que apresentam algumas particularidades gráficas pertinentes às mesmas, bem como à qualidade do traçado”. A delegada destaca que o Estudo de Impacto de Vizinhança está “maculado”.
A Polícia Civil visitou os imóveis nos quais os moradores teriam sido pesquisados por uma empesa contratada pelo Nexus. A constatação da investigação policial é grave: dos 32 endereços que constam nos relatórios da “pesquisa de opinião” somente dois confirmam que realmente assinaram. A maioria informou que não foi entrevistada. Comprovadas as fraudes, a delegada Lara Menezes indiciou os responsáveis pelo estudo e pela obra do Nexus. Magna Barbosa de Queiroz, Mário Rassi, Paulo de Tarso Rassi Paranhos Filho, Sueli Rassi, a Construtora Milão, a Consciente JFG Incorporações, a Consciente Construtora e a JFG Construções são acusados de elaborar ou apresentar laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão. No caso de condenação, a pena é de seis anos de prisão, com o acréscimo de multa.
O acordo entre Ilézio Inácio Ferreira, Júnior Friboi, a Prefeitura de Goiânia e o Ministério Público — que permite a continuidade da construção do Nexus — atropelou, integralmente, a investigação detalhada e precisa da Polícia Civil. Pode-se dizer que, apesar de verdadeira e ampla, foi solenemente ignorada. O procurador-geral de Justiça, Benedito Torres, deveria apresentar uma explicação consistente sobre as razões de o Ministério Público de Goiás, um dos mais qualificados do país, ter endossado um “acordão” que “tenta” derrubar tanto a investigação policial, feita de maneira criteriosa, quanto o relatório do Conselho de Arquitetura e Urbanismo. Por que o MP, depois de avaliar como positivo o trabalho do CAU, decidiu mudar de opinião? O que, de tão relevante, fez o MP mudar de “opinião”? Procurador de retidão exemplar, Benedito Torres deveria apresentar o “nexo”, se há algum. Não deixa de ser curiosa também a decisão do desembargador Ney Teles de Paula, que, ao autorizar a construção da obra, que estava embargada pelo juiz de primeira instância, mencionou um “mal irreparável” para a empresa. Ora, com todo o respeito que se deve ter por Ney Teles, magistrado íntegro, deve se pensar, antes, no mal irreparável que a obra, construída, deixará para a cidade, para seus habitantes, como engarrafamentos diários na região das avenidas D e 85 e ruas próximas. Não deixa de ser sintomático de uma certa visão limitada de cidade um fato que agora ignoram. Numa gestão anterior, Iris Rezende construiu uma trincheira na Avenida 85 com o objetivo de reordenar o trânsito no local, reduzindo o tumulto diário. Pois o mesmo prefeito que a construiu, ao aprovar o Nexus, praticamente a torna inoperante. Com o shopping, escritórios e hotel, o trânsito tende a ficar congestionado todos os dias. O peemedebista jogou dinheiro público “fora”.
Relatório

O CAU produziu uma peça irretocável que, para aprovar o Nexus, jogaram no lixo. A presidente da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental do CAU, Regina de Faria Brito, esmiuçou o relatório sobre as irregularidades cometidas pelos patronos do Nexus. Não há espaço para listar todas, mas são várias. O texto é preciso, isento e ponderado. Mas infelizmente, ao aceitar o acordo com a construtora e a prefeitura, o Ministério Público, depois de um trabalho exemplar, o desconsiderou.
Confirmado o acordo, o CAU divulgou uma nota na qual assinala: “Todo o processo revela a existência de vícios que prejudicam a sociedade e precisam ser sanados — desde a elaboração da legislação urbana, em que historicamente atua fortemente o setor construtivo; até o processo de aprovação do empreendimento pela Prefeitura que, no caso, claramente favoreceu os empreendedores ao ignorar o fato de que o Estudo de Impacto de Vizinhança não atendeu às determinações do Plano Diretor, como também deficiências do projeto”.
A construção do Nexus prova que Raymundo Faoro, com seu “Os Donos do Poder”, permanece mais vivo do que nunca. Mas há vitórias que são derrotas e derrotas que são vitórias. O Nexus, sob o patrocínio de Ilézio Inácio e do irmão de Joesley “JBS” Batista, aparentemente “ganhou”. Mas a reação do CAU, prontamente postando-se ao lado da sociedade e contra o arbítrio, e a investigação isenta da Polícia Civil, que não aceita pressões, provam que as instituições estão vivas, ativas e são seriíssimas. Vale frisar a crítica permanente de parte da Imprensa, notadamente do Jornal Opção.
Frise-se que, a partir de agora, o Ministério Público, mais do que o CAU, precisa ficar atento àquilo que a construtora irá fazer de fato e se vai cumprir a lei daqui pra frente. O prefeito Iris Rezende, ligado às construtoras, não foi iludido. Espera-se que o MP, que parece ter confiado excessivamente na suposta boa vontade da Consciente Construtora e da JFG Incorporações, fique ao menos um pouco mais atento. Até por que outros Nexus virão…