Lula da Silva perde a aura teflon e o impeachment de Dilma Rousseff
12 setembro 2015 às 14h14

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A Polícia Federal quer investigar as ações do presidente Lula referentes ao petrolão.
Queda de Dilma Rousseff pode “atropelar” o vice-presidente Michel Temer

A revista “Época” tem publicado uma série de reportagens sobre supostos negócios intermediados pelo ex-presidente Lula da Silva (PT) com o objetivo de beneficiar a Odebrecht. A publicação do Grupo Globo tem sido cautelosa e procura documentar o que publica. Numa reportagem de capa, exibiu evidências, a partir de uma investigação do Ministério Público Federal, de que o petista-chefe defendeu interesses da empresa brasileira em Cuba, país administrado pelo presidente Raúl Castro. Menciona-se, igualmente, que a empreiteira pagou palestras do político que presidiu o Brasil durante oito anos.
Mesmo assim, a revista não avança o sinal e não explicita, de forma direta, que Lula da Silva fez lobby para, depois, receber dinheiro da Odebrecht. Não está comprovado que isto tenha ocorrido e, por isso, “Época” não avança o sinal. Porém fica explícito que o ex-presidente trabalhou para que a empreiteira conseguisse obras em Cuba — pagas, frise-se, com dinheiro público do Brasil, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os negócios envolvem alto risco para o Brasil — pois o país de Fidel e Raúl Castro é tido pelo mercado internacional como mau pagador — e nenhum para Cuba. Pode-se falar numa rede de proteção político-ideológica — o Brasil funcionando como avô benevolente da terra devastada “de” Lezama Lima, Virgilio Piñera e Guillermo Cabrera Infante.
O sistema de proteção formulado pelo governo de Lula da Silva foi mantido e, até, ampliado pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
Na sexta-feira, 11, a “Época” revelou outra história que põe Lula da Silva à beira do precipício. Um texto publicado no portal da revista assinala: “Agora é oficial: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é suspeito de ter se beneficiado do petrolão para obter vantagens pessoais, para o PT e para o governo. A suspeita consta em documento da Polícia Federal. Nele, pede-se ao Supremo Tribunal Federal autorização para ouvir Lula no inquérito que investiga políticos na Operação Lava Jato”.
Recebido pelo STF na quarta-feira, 9, o documento é assinado pelo delegado Josélio Sousa, da Polícia Federal em Brasília. O delegado escreveu: “Atenta ao aspecto político dos acontecimentos, a presente investigação não pode se furtar de trazer à luz da apuração dos fatos a pessoa do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva que, na condição de mandatário máximo do país, pode ter sido beneficiado pelo esquema em cursa na Petrobrás, obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal”. Frise-se que o delegado escreve “pode ter sido beneficiado” e não, de maneira enfática, que “foi beneficiado”. Há uma suspeita, a partir de indícios fortes, mas não, ainda, uma convicção. Ouvido, em Buenos Aires, Lula da Silva disse: “Não me comunicaram nada”.
A Polícia Federal sublinha que “os fatos evidenciam que o esquema que ora se apura é, antes de tudo, um esquema de poder político alimentado com vultosos recursos da maior empresa do Brasil”.
A investigação da Polícia Federal não tem como alvo apenas Lula da Silva. A PF quer ouvir os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antônio Palocci (Fazenda e Casa Civil), Aguinaldo Ribeiro (Cidades), Edison Lobão (Minas e Energia), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência da República), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Ideli Salvatti (Relações Institucionais), Mário Negromonte (Cidades), Paulo Bernardo (Planejamento, Orçamento e Gestão). Apesar das evidências, os ex-ministros garantem que não estão envolvidos no esquema apurado pela Operação Lava Jato.
O delegado Josélio Sousa escreve no documento: “As investigações quanto ao primeiro escalão do Poder Executivo serão ainda instruídas com os elementos de prova produzidos nos inquéritos que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, especialmente quanto aos investigados José Dirceu de Oliveira e Silva e Antônio Palocci Filho, bem como com os elementos de prova produzidos nos demais inquéritos que tramitam no STF. Igualmente, serão ainda carreados para os autos os Termos de Colaboração do empresário Ricardo Pessoa, proprietário da UTC Engenharia”.
Ricardo Pessoa, apontado como chefe do Clube do Bilhão — o das maiores empreiteiras —, admitiu, em delação premiada, que repassou R$ 2,4 milhões, em dinheiro, para a campanha presidencial de Lula da Silva em 2006. Mesmo admitindo que se encontrou com Lula da Silva sete vezes, o empresário disse que não tem ideia se o petista-chefe sabia que a origem do dinheiro era ilegal. O PT corroborou: “não vai se pronunciar, pois não tem conhecimento oficial dessa demanda da Polícia Federal”.
Durante anos, analistas apresentaram Lula da Silva como o político “teflon” — nada colava nele. Os dados publicados recentemente não são conclusivos, não há provas cabais de que o ex-presidente seja corrupto — até porque nem mesmo foi investigado, quanto mais julgado pela Justiça —, mas há indícios, cada vez mais contundentes, de que as investigações estão se aproximando dele e, possivelmente, contaminando-o. É possível que, com o tempo, o teflon esteja desaparecendo devido ao “uso”. O petista-chefe passa a imagem que está deixando de ser intocável. Fica a ressalva, porém, de que se deve falar em suspeitas, e não em certezas. O benefício da dúvida é crucial. Quando os ânimos estão exaltados, quando as pessoas estão mais inquisitoriais, uma visão democrática, não partidarizada e não ideologizada, sugere que as investigações devem ser feitas com rigor, mas com cautela, e que os indivíduos precisam ter certo cuidado nas avaliações. Um pouco de paciência — esperando investigações mais detidas e, em seguida, o julgamento da Justiça — é sempre recomendável. Muito daquilo que parece claríssimo, exigindo condenação imediata, às vezes é mais turvo do que se imagina.
Impeachment e risco país
No momento em que opera-se um cerco às ações de Lula, como suposto lobista da Odebrecht, sobretudo no exterior, o espectro do impeachment volta a rondar a presidente Dilma Rousseff. É certo que, como tem sugerido o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a petista-chefe não é corrupta e, tudo indica, não tem envolvimento nos malfeitos da Petrobrás, no esquema consagrado como petrolão. Mas seu governo esteve quase que inteiramente contaminado por uma corrupção que se pode nominar de sistêmica, com braços e abraços de polvo. Pode-se falar em Dilma Rousseff como um “anjo” pairando — limpinha — acima de um chiqueiro? É consenso que se trata de uma política honesta, mas seu governo não é; melhor, não era. Portanto, se não consegue articular um governo decente, moldando-o à sua semelhança, a presidente merece continuar no poder? Talvez não.
Porém, no caso de impeachment de Dilma Rousseff, será legítimo e legal que o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, se torne presidente, assim como Itamar Franco se tornou o sucessor de Fernando Collor? O PMDB está tão contaminado pelo petrolão — uma verdadeira septicemia — quanto o PT de Dilma Rousseff e Lula da Silva e o PP do senador Ciro Nogueira. A delação premiada de Fernando Baiano, apontado como um dos operadores do PMDB, certamente deixará alguns de seus líderes muito mal, sobretudo cabeças coroadas do Senado e da Câmara dos Deputados.
Como o PMDB parece não ter autoridade moral, tampouco condições de articular um pacto político com o apoio do PSDB, a saída que certamente contemplará a vontade da maioria dos brasileiros é a convocação de nova eleição presidencial. Hoje, fica-se com a impressão de que Dilma Rousseff é uma presidente que não governa — é governada pelos fatos, que se tornaram caminhões atropeladores. Com o PMDB no poder, possivelmente, não seria muito diferente.
Na semana passada, o risco país do Brasil chegou a 400 pontos. É o maior índice desde março de 2009 (atingiu, nesse ano, 410 pontos). Isto quer dizer que cada vez mais o mundo confia menos no Brasil. Ao mesmo tempo, sem saída, Dilma Rousseff tenta transferir a crise de seu governo — mais do governo do que do país — para a sociedade, com a criação e ampliação de impostos. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um tecnocrata afeito aos banqueiros, como os do Bradesco, parece, às vezes, um gestor chinês. Prega como um neoliberal e, na prática, funciona como um estatista que só pensa em arrancar recursos da sociedade para alocá-los na operação tapa-buraco das contas do governo. O economista americano Milton Friedman certamente está se revirando no túmulo ao “verificar” as ações do “chicago boy” patropi.