Governo “liberal” de Lula serve caviar ao rico e migalhas ao pobre… milionários reclamam de barriga cheia

28 junho 2025 às 21h01

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Único presidente a ser eleito quatro vezes consecutivas para presidente dos Estados Unidos, entre as décadas de 1930 e 1940, Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) conseguiu recuperar a economia do país, que vivia sob uma das maiores depressões da história.
Qual o segredo de Roosevelt, que governou o país mais rico do mundo sem sair de uma cadeira de rodas — teve poliomielite aos 39 anos de idade? Não há mágica.
Com a economia deprimida, os empresários tinham receio de investir e perder ainda, correndo o risco de falência. Milhares faliram durante a depressão.
Crises estruturais da economia capitalista “exigem” um Estado investidor, ou seja, gestores que saibam investir em obras que gerem tanto lucros quanto empregos. Quem retira o mercado da crise é o Estado. Ao menos é a regra.
Nas grandes crises, deixada ao deus-dará, a livre iniciativa poderá até ser livre, mas terá pouca iniciativa. Então, Roosevelt e seus principais auxiliares, como o notável Harry Hopkins, colocaram recursos públicos na economia — financiando os capitalistas. O que se revelou um acerto.
O governo do New Deal atuou na economia e no social, conectando-os. Ao mesmo tempo que incentivou grandes obras, que geraram empregos, o governo de Roosevelt criou programas sociais de apoio aos milhares de pobres que perambulavam pelo país à procura de trabalho e, sim, comida.
O filme “As Vinhas da Ira”, baseado no romance de John Steinbeck, é uma história até branda do que foi a depressão americana.
Então, mesmo na maior economia do mundo, os empresários — liberais — não prescindem do Estado. Em crises recentes, como no governo do presidente Barack Obama, o mercado — até bancos e grandes redes imobiliárias — correu atrás do Estado para salvá-lo.

O líder do Partido Democrata agiu com precisão cirúrgica. Se o mercado não tivesse sido “salvo” arrebentaria-se toda a economia — inclusive o Estado — e a sociedade. É uma questão de pragmatismo, não tem nada a ver com ideologia. Crises gigantescas se tornam de “todos”, não só do mercado.
Assiste-se, neste momento, os capitalistas americanos se socorrendo com o presidente Donald Trump, do Partido Republicano, com o objetivo de tentar conter a expansão econômica da China. O país de Xi Jinping se tornou uma ameaça àquilo que é mais caro aos Estados Unidos: a hegemonia tecnológica.
A União Soviética de Stálin e dos pós-stalinistas nunca conseguiu concorrer, em termos de tecnologia, com os Estados Unidos. Por isso ficou para trás e o socialismo acabou ruindo, em 1991.
A China, no lugar de competir militarmente, descobriu, com seu capitalismo enviesado — espécie de socialismo de mercado —, optou pela concorrência na área de tecnologia. É a verdadeira “guerra” em curso.
Com suas excelentes universidades, os Estados Unidos persistem na frente, em termos tecnológicos, mas a China está se aproximando. Porque investe maciçamente em educação e ciência. O país “copiava”, mas agora cria, ou seja, produz tecnologia de maneira original.
Os chefões das big techs se aproximaram de Donald Trump não por questões ideológicas. Estão em busca de amparo para seus negócios, porque perceberam — e sabem muito a respeito do assunto — que a China está competindo para valer. Para piorar as cousas, o país é infenso ao controle do capitalismo dos bilionários, como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.

A China que se compreende e, quase sempre, não se compreende levou os bilionários das big techs e outros ao colo do presidente americano. Assim como o próprio Donald Trump é, de certo modo, uma “invenção” americana para tentar “segurar” a China — o novo dínamo da economia global.
Para obstruir os avanços da China, Donald Trump age para tentar controlar, por meio de taxas, os aliados dos asiáticos. A Europa está sendo compelida a ajudar os americanos a contornar o poderio da China.
Vale tudo: até o protecionismo antiliberal. O capitalismo é cada vez menos liberal e mais, digamos assim, nacionalista e protecionista.
O pano de fundo é que o Estado, mais uma vez, é chamado pelos capitalistas — o mercado — para, digamos, salvá-los. O Estado que, dia e noite, é execrado pelo mercado e seus ideólogos.
Mercado assenhora-se do Estado no Brasil
Deixando a China e os Estados Unidos de lado, cita-se a seguir o Brasil, o governo Lula da Silva, o mercado patropi e uma reportagem de “O Estado de S. Paulo” publicada sob o título de “Lula diz que o Brasil dá ‘R$ 860 bilhões em isenções para os ricos’, veja os números e se é verdade”.
Vale ressaltar, desde o início, que a reportagem de Alvaro Gribel é correta. Mas com os vieses de sempre quando um jornal liberal precisa defender os liberais que, de alguma maneira, se apropriam do dinheiro do Estado, quer dizer, da bufunfa pública.

A prática de ouvir apenas economistas do mercado é outro dos problemas da imprensa brasileira, notadamente do “Estadão”. Por que não ouvir especialistas acadêmicos que não estejam subordinados aos patrões e padrões do mercado financeiro? Por que usar um dado (860 bilhões de reais) para subestimar outro (587 bilhões)? A relevância do segundo dado não é levada em conta, porque o objetivo é desqualificar o primeiro dado.
O “Estadão” não foi atrás de uma informação crucial: quantos ricos devem ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal e ao BNDES? Seria interessante saber quantos super ricos (alguém se lembra de Eike Batista?) e ricos estão pendurados nos três bancos. Mas aí, claro, o mercado “ruiria”.
Ainda que correta, no geral, a reportagem é uma tática para “negar” a fala de Lula da Silva, que não está errada, no geral. Afinal, o Estado banca os ricos — é a síntese do que disse o presidente. O valor do dinheiro, no caso, é o de menos.
Numa viagem a Minas Gerais, Lula da Silva disse: “Vocês sabem quanto que nós gastamos com os ricos? Sabem quantos bilhões a gente dá de isenção para os ricos deste país que não pagam impostos? 867 bilhões de reais. É quatro vezes o Bolsa Família”.

De pronto, o Jornal Opção esclarece sua posição: nada tem contra os ricos, sobretudo os do setor produtivo, porque geram renda para os governos e empregos para os trabalhadores.
Porém, quando o suposto “rei do ovo” aparece, sugerindo que aqueles que recebem bolsa família estão acomodados (“viciados”) — esquecendo-se que são retardatários de uma sociedade amplamente desigual e não inclusiva —, é preciso frisar: há também os ricos ancorados no dinheiro público. Aqueles 27% do imposto de renda, descontados do trabalhador na fonte — sem escapatória —, são, ao fim e ao cabo, repassados para o mercado. Indiretamente, é o trabalhador financiando o capitalista.
O “Estadão” ressalva, citando especialistas do mercado: “O presidente não só inflou o número mas também desconsiderou uma série de benefícios que são voltados para a população mais pobre. Além disso, passou a considerar programas voltados para o setor produtivo — e que geram empregos — como medidas voltadas para os mais ricos”.
Citando dado da Receita Federal, o “Estadão” frisa: “A isenção tributária prevista para 2025 é de R$ 587 bilhões, ou 4,74% do Produto Interno Bruto (PIB)”.

Certo, o número é menor do que 860 bilhões de reais. Mas não muito menor. Relevante, e o “Estadão” não enfatizou, é que as isenções, na faixa de mais de meio trilhão de reais, é alta… e seria alta em qualquer país rico de todo o mundo.
O dado prova que os liberais do mercado estão grudados nas isenções do Estado para promover seus negócios. Ressaltando, como se fez acima, que os empréstimos para os agentes do mercado não foram registrados nem por Lula da Silva nem pelo “Estadão”.
O Rei do Ovo, Ricardo Faria, arrebanhou 132 milhões de reais em 71 empréstimos feitos no BNDES. Quem está mais viciado nas verbas do Estado: o chefe das poedeiras ou o pobre que recebe migalhas da Bolsa Família?
O economista Fernando Haddad, é responsável pela divulgação de que os empresários têm isenção de 860 milhões de reais. De acordo com o ministro da Fazenda o “dado mais elevado é uma projeção da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirb), um documento novo”.
O valor de 587 bilhões é apurado pelo Demonstrativo de Gasto Tributário (DGT).
As burlas fiscais no uso do Simples Nacional
Com o Simples Nacional, o governo tem uma perda de receita estimada em 127,73 bilhões de reais. “O benefício é voltado para empresas dos setores de comércio, serviços e indústria com faturamento de até R$ 4,8 milhões ao ano”.
Sublinhe-se: o Simples Nacional é altamente positivo para o mercado e para a sociedade.
O “Estadão” correu atrás de um economista do mercado para “justificar” o dado. Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, afirma, na síntese feita pelo jornal secular, que “não dá para firmar que o Simples é uma política voltada para os mais ricos, já que gera empregos para os mais pobres, além de ser direcionada para pequenas e médias empresas”.
De fato, o analista da XP está certo: os que aderem ao Simples não são super ricos. Mas quem fatura na faixa de 4,8 milhões de reais por ano é rico em qualquer lugar do mundo — inclusive nos Estados Unidos.
Curiosamente, a análise do ás da XP Investimentos é “corrigida”, indiretamente, por outro economista do mercado, João Pedro Leme, economista da Tendência Consultoria. No resumo do “Estadão”, ele diz que “muitas empresas fazem planejamento tributário para se manter enquadradas no Simples, e assim pagarem menos impostos. Ou seja, o programa atende pequenos empresários, de um lado, mas, por não passar por processos de revisão e medição de resultados, acaba também beneficiando os mais ricos”.
“É fato que muitas empresas e empresários mais ricos se aproveitam do limite anual bastante generoso de R$ 4,8 milhões para fazer planejamento tributário: desenham juridicamente suas operações para pagarem pouco imposto e aproveitar também a distribuição isenta de lucros”, assinala, com precisão, o analista da Tendência Consultoria.
Retirando o eufemismo da elegante exposição do economista, o que se está dizendo é há uma “burla” tributária orquestrada e não vista pelo governo federal.
João Pedro Leme faz uma ressalva pertinente: “O erro do presidente é considerar toda a renúncia como se fosse voltada para os mais ricos”.
O que concluir? Que o governo de Lula da Silva é mais liberal do que socialdemocrata, ou seja, do que imagina o vão discurso do bolsonarismo, do empresariado nacional e da própria esquerda que o apoia.
Quem financia o Estado no Brasil é o mercado ou quem financia o mercado é o Estado? Retroalimentam-se.
No governo de Lula da Silva, o Estado está sob controle, em termos de dinheiro-capital, do mercado.
Portanto, como no século 19 — quando havia escravidão —, o liberalismo continua, de alguma maneira, como uma ideia fora do lugar no Brasil… no século 21, no ano da graça de Deus de 2025. Pouco mudou.
Assim, pode-se falar que aos ricos — e aos super ricos —, o caviar; aos pobres, diria Machado de Assis e Roberto Schwarz, as batatas… às vezes, podres.