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Há meses as pesquisas vêm reiterando: a violência ocupa o topo das preocupações dos brasileiros, e a forma de enfrentá-la será determinante nas eleições de 2026. No levantamento mais recente da Genial/Quaest sobre o tema, realizado em março de 2025, 70% dos entrevistados apontaram a segurança pública como principal inquietação, e 38% avaliaram negativamente o governo federal. 

Com 121 corpos, 96 fuzis apreendidos e 113 prisões efetuadas, a megaoperação policial de no Rio de Janeiro deu materialidade ao problema. A aprovação do governador fluminense Cláudio Castro (PL) subiu 10 pontos percentuais após a ação nos complexos do Alemão e da Penha; a operação foi aprovada por 64% dos moradores do RJ e por 73% dos moradores das favelas.  

Primeiro, cabe afirmar o óbvio: os moradores de áreas dominadas pelo Comando Vermelho têm razões de sobra para aprovar a ação. Estas pessoas são obrigadas a consumir apenas serviços e produtos fornecidos pela facção, são forçados a pagar “impostos” aos criminosos, são impedidos de transitar livremente em seus próprios bairros, vivem sob constante risco.  Nada disso é contraditório com o repúdio à barbárie como política de segurança pública

Entretanto, há na poeira levantada uma confusão de interesses eleitorais que vale a pena tentar elucidar. Cláudio Castro, que corre risco de se tornar inelegível por processo de 2022, ressurgiu como potencial líder de votos no RJ. O efeito eleitoral teve duas consequências negativas: primeiro, lançou a dúvida da instrumentalização da Justiça, já que o Tribunal Superior Eleitoral se moveu pela cassação do governador poucos dias após a operação. Depois, lança a dúvida da instrumentalização política do combate ao crime.

Nesta terça-feira, 4, o presidente Lula da Silva (PT) engrossou essa visão — a de que combater facções é uma manobra eleitoral, e não a pauta mais cara aos brasileiros neste momento. O presidente comentou a megaoperação contra o Comando Vermelho livre da mediação de Sidônio Palmeira pela primeira vez, para rebater a afirmação de Castro de que a operação foi um sucesso. 

No momento da operação, Lula expressou consternação em suas redes sociais. Dez dias depois, houve uma mudança de tom. Em entrevista concedida em Belém, no Pará, onde será realizada a COP30, Lula declarou que “houve uma matança”. “A decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve uma matança. Eu acho que é importante a gente ver em que condições ela se deu”, afirmou.

É desejável que, conforme cobra o presidente, haja mais informações. Mas o uso da palavra “matança” expressa (talvez por cálculo político, talvez por opinião sincera) que o propósito da operação foi o extermínio. A realidade aponta para outra direção. Além de 121 mortes — número inaceitavelmente alto — houve 113 prisões. 

Uma chacina não faz presos. Se o leitor tiver estômago e assistir as imagens feitas durante a operação (não é recomendado), verá as circunstâncias em que as mortes ocorreram: na mata, entre policiais e aqueles que escolheram o combate em vez da rendição. O mero fato de quatro policiais terem morrido significa que houve resistência às prisões.

Não se busca afirmar aqui que não houve execuções; podem ter havido, o que é abominável, mas a ideia de que o propósito da operação era simplesmente matar não se sustenta. O Rio de Janeiro já teve chacinas e extermínios reais, com aspectos diferentes da megaoperação em discussão. O discurso de que agentes políticos buscam capitalizar a morte é um discurso político, que iguala o combate ao crime à exploração eleitoral. 

Este é ainda um discurso fadado ao fracasso. Pelo fato de que a segurança pública é uma enorme demanda, é impossível convencer os brasileiros de que o combate ao crime é uma imoralidade. Os moradores de áreas dominadas por facções não vão acreditar que o enfrentamento aos criminosos que os submetem à todo tipo de extorsão é uma conspiração em busca de votos. A proposta violenta apresentada em outubro é criticável (como foi criticada pelo Jornal Opção), mas, se nenhuma alternativa for apresentada, esta será a proposta abraçada por uma população ávida por segurança. 

Nesta “poeira” que confunde a legalidade da operação com a legitimidade do desejo por segurança, duas narrativas coexistem: 

A) O Governo do Rio de Janeiro divulgou uma espécie de perfil de 115 dos 117 suspeitos mortos na megaoperação. “Mais de 95% dos identificados tinham ligação comprovada com o Comando Vermelho; 59 das pessoas mortas tinham mandados de prisão pendentes, pelo menos 97 apresentavam históricos criminais relevantes”. É a versão da polícia, segundo a qual a operação foi um sucesso. 

B) Nenhum dos 115 nomes divulgados consta entre os 58 réus que tiveram a prisão preventiva decretada em decisão emitida pela 42ª Vara Criminal, que originou a operação. É a versão do fracasso. A esquerda, que historicamente apresentou menos que a direita em matéria de segurança pública, sequer admite que a força às vezes é necessária para o Estado reconquistar território perdido para facções fortemente armadas. Para este campo, o mero enfrentamento já significa uma derrota. 

Na dúvida, vale se balizar por exemplos bem-sucedidos e concretos. Goiás tem o que mostrar: de 2018 a 2025, são sete reduções consecutivas nas taxas de homicídios. Não é apenas uma vitória, são sete ocasiões em que o estado cumpriu a meta. Tanto o Atlas da Violência, que usa dados dos óbitos contabilizados dentro da saúde, quanto os dados do Ministério da Justiça, os homicídios caíram.

Entre 2018 e 2024, o número de homicídios no Estado caiu de 2.118 para 945 casos – redução de 55% (Observatório da Segurança Pública). Na outra metodologia, com 60,7%, Goiás teve a maior redução na taxa de homicídios de mulheres do Brasil (Atlas da Violência). 

Renato Brum, secretário de Segurança Pública, explicou o que foi feito em entrevista ao Jornal Opção de 17 de maio de 2025. Inteligência, integração e investimento. Sem valorização dos três Is, é impossível produzir melhora constante na área. A receita indica uma discordância com a visão de que o enfrentamento é sempre opcional. O policial deve estar armado à altura de sua tarefa, diz Brum.   

Na última semana, a simples manifestação de apoio ao Comando Vermelho rendeu 32 prisões em Goiás. Na terça-feira, 4, fogos de artifício foram estourados em espécie de “moção de aplauso” aos faccionados; na quarta-feira, 5, suspeitos em Goiânia, Aparecida de Goiânia, Senador Canedo, Abadia e Rio Verde foram presos por apologia ao crime, porte ilegal de arma e participação em organização criminosa. É uma demonstração de eficiência que chama a atenção. 

Por esta e outras, Ronaldo Caiado (UB) foi cotado para participar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado. Após o Palácio do Planalto ter obtido uma vitória ao emplacar um petista na presidência do colegiado (senador Fabiano Contarato), a oposição se articulou para levar o governador para mostrar o case de sucesso goiano. Ao menos neste primeiro momento, Caiado não figurou na lista de convocados pelo relator senador Alessandro Vieira (do MDB, partido com três grandes ministérios no governo federal). 

Vieira convocou governadores dos estados com menos mortes violentas do país — São Paulo, Santa Catarina e o Distrito Federal. Ainda assim, o caso de Goiás é excepcional e deveria ser exemplo para o país. Em 2015, o estado tinha quatro das 30 cidades mais perigosas do país, segundo o IPEA: Novo Gama, Luziânia, Senador Canedo e Trindade. Hoje, a variação média na taxa de mortes violentas é de -16,6% ao ano.

Iander Porcella, na coluna de Roseann Kennedy no Estadão, escreveu: “Uma das estratégias [era] usar os resultados positivos do governador de Goiás, no combate à criminalidade para desgastar o governo Lula, que será acusado pelos oposicionistas no colegiado de ‘omissão’.” Omissão é o termo adequado para descrever a postura do governo federal na área, pois, até agora, o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski pouco apresentou. 

Sua principal proposta para a segurança pública é uma tentativa de centralização das forças policiais no Governo Federal que representa uma ameaça à autonomia dos estados ao retirar a competência das polícias estaduais para o combate ao crime organizado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2025 ignora realidades locais e afasta de investigações um dos mais efetivos instrumentos de enfrentamento, os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), dos Ministérios Públicos Estaduais.

Desde o primeiro momento, Caiado é vocal sobre o assunto. Em entrevista ao Jornal Opção de dezembro de 2024, já afirmava: “O governo nunca pautou matéria de relevância em segurança pública” e “o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi uma cortina de fumaça”. Naquele dezembro, um apoio desinteressado da maioria dos governadores à PEC revelou que se desconhecia a dimensão do problema e que diversos governantes estavam gratos por repassar a questão a outras mãos. 

Hoje, com a segurança pública ganhando espaço no noticiário nacional, se percebe que o tema exige qualificação. Na última semana, Caiado e seis outros chefes de unidades federativas criaram um consórcio para trocar informações de inteligência, prestar apoio financeiro e de contingente policial no combate ao crime organizado. A proposta, de iniciativa própria, já cumpre mais do que a União promete há um ano. 

Em vídeo publicado em suas redes sociais, Ronaldo Caiado comentou a dissidência em curso na segurança pública: “Se você quiser ficar do lado do crime, fique do lado de Lula e de Maduro. Se você quiser ficar do lado do bem, fique conosco, aqueles que sabem combater a criminalidade, levar o estado ao crescimento e dar liberdade para as pessoas. Esse é o divisor de águas. A eleição está aí”. O eleitor de fato reconhece os resultados do projeto. Pesquisa Genial/Quaest publicada em 22 de agosto mostrou que, na Segurança Pública, 74% dos goianos consideram “positiva” a atuação do Governo de Goiás.