COMPARTILHAR

O que pode regular o preço dos combustíveis é a criação de um fundo, e não o “abrasileiramento” do problema

O presidente Jair Bolsonaro, do PL, e o ex-presidente Lula da Silva, do PT, são parecidos ao menos num ponto. Os dois adotaram discursos populistas, antirrealistas, em relação à questão do preço dos combustíveis.

Bolsonaro fez discurso imperial a respeito da Petrobrás, trocou seu presidente, mas os preços continuam altos. Porque, apesar dos rompantes, o governo não tem como “puxar” os preços para baixo, o que quebraria a empresa, uma das mais importantes do país.

Numa entrevista recente, aderindo de vez ao populismo, Lula da Silva disse que, se for eleito presidente, vai “abrasileirar” o preço da gasolina. Eis o registro preciso do que o ex-presidente disse: “Nós vamos abrasileirar o preço da gasolina. O preço vai ser brasileiro, porque os investimentos são feitos em reais, a gente vai tirar gasolina, a gente vai aumentar a capacidade de refino”.

Lula da Silva pré-candidato PT a presidente da República: ideia de “abrasileirar” o preço da gasolina pode render votos, mas não é realista| Foto: Twitter do petista

O petista-chefe sabe que, apesar da terminologia bonita, “abrasileirar”, o preço dos combustíveis não será definido pelo governo federal. Noutras palavras, não será “abrasileirado”. Como importador de petróleo, cujo barril chegou a 100 dólares, o Brasil vai continuar com preços realistas, quer dizer, altos. Porque o governo não vai nem pode subsidiar a gasolina e o diesel de todos os brasileiros. Pois, se o fizer, se tentar fazer, pode até não quebrar o Estado, mas vai criar uma crise fiscal que vai torná-lo debilitado.

Por que, se sabe que não terá como fazer o que está propondo, Lula da Silva fala em “abrasileirar” o preço da gasolina? Porque é candidato a presidente da República. Portanto, no lugar de ser responsável, de apresentar uma ideia realista, o petista está sugerindo que há uma saída mágica para resolver o problema do preço elevado dos combustíveis. Mas e depois? Ora, se for eleito, e não conseguir baixar os preços em níveis satisfatórios, será fácil “culpar” a conjuntura internacional e os países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita e até, quem sabe, a Venezuela.

Mas o país não precisa ficar parado, ou falando em “abrasileiramento” do preço da gasolina. O economista José Roberto Mendonça de Barros disse ao “Estadão” que “uma forma para driblar a alta do petróleo seria criar um fundo de estabilização. Com um imposto sobre as vendas da commodity, seriam obtidos recursos para usar quando a cotação ultrapassasse determinado patamar”. No entanto, de acordo com o sócio da MB Associados, “isso tem de ser feito quando o preço está baixo”.

“O problema é que”, no Brasil, “fica tudo para a última hora. Depois que a casa foi arrombada, é difícil fazer seguro. Ninguém se preparou para a situação atual. Se o petróleo chegar a 100 dólares, o governo está desarmado, e dar subsídio para quem não precisa é torrar dinheiro público”, afirma Mendonça de Barros.

Jair Bolsonaro, pré-candidato pelo PL à reeleição, esbravejou, afastou o presidente da Petrobrás mas o preço da gasolina continua alto | Foto: Reprodução

Especializado em jornalismo econômico, o jornalista Celso Ming, do “Estadão”, corrobora a ideia de Mendonça de Barros. “A melhor saída” para baixar os preços dos combustíveis “talvez seja a criação de um fundo de estabilização, que funcionaria como uma bateria elétrica. Quando os preços disparassem, como agora, os recursos acumulados seriam usados para pagar parte da conta. Quando voltassem a nível suportável, o fundo voltaria a ser carregado”.

Celso Ming critica a proposta do senador Rogério Carvalho, do PT de Sergipe, que propõe que o “fundo seria composto por um imposto de exportação de petróleo e derivados. Seria uma maluquice porque esse imposto afugentaria interessados em áreas de petróleo no Brasil, numa época em que mais se precisa desses investimentos para aproveitar o petróleo antes que se torne mico”.

Sobre a questão do fundo, Celso Ming acrescenta uma informação não explicitada por Mendonça de Barros. “No momento não existe um fundo desses e qualquer forma de capitalizá-lo exigiria tempo. Muito dificilmente estaria em condições de ser usado como recurso eleitoral neste ano, como pretendem políticos.” O especialista acredita que é preciso “perguntar se” os “recursos” do fundo “conseguiriam derrubar os preços dos combustíveis”.

Segundo Celso Ming, há outra opção: “A redução da carga de impostos federais e do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços sobre os combustíveis. O Senado examina o Projeto de Lei Complementar (PLP) 11/2020, já aprovado na Câmara, que torna fixo o ICMS sobre combustíveis. Há dúvidas sobre a constitucionalidade desse projeto, um defeito que aparentemente pode ser corrigido. Os governadores o repudiam pelo sacrífico fiscal que impõe aos Estados”.

Outro caminho, frisa Celso Ming, é “empurrar a conta para a Petrobrás, sob o argumento de que opera a custos baixos e que, portanto, poderia suportar uma sangria. Essa história de fixar preços pelos custos é velha de guerra e sempre tromba no barranco. Seria punir a eficácia”.

O expert em economia sublinha que o Brasil “não é autossuficiente em combustíveis. Importa cerca de 30% do óleo diesel. Como empurrar o subsídio para o importador?”

Celso Ming anota que, ao contrário do que se costuma sugerir nas redes sociais e mesmo em artigos na imprensa, “o problema de fundo não é o ICMS nem os demais impostos. São os preços do petróleo que se avizinham dos 100 dólares por barril e da cotação do dólar que reflete as mazelas da economia e as lambanças do governo. E os projetos em discussão não consertam isso”.

Reportagem de Luciana Dyniewicz, do “Estadão”, informa que, para “aliviar a situação, o governo e o Congresso propõem reduzir impostos sobre combustíveis, dar auxílio-diesel a caminhoneiros, subsidiar o transporte público e aumentar o vale-gás para famílias de baixa renda. Dependendo do que for aprovado, o impacto fiscal dessas medidas pode chegar a R$ 100 milhões, valor superior ao orçamento do Auxílio Brasil, que é de R$ 89 bilhões”. A economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, acrescenta: “Vamos abrir mão de uma arrecadação expressiva sem a mínima garantia de que vai ter um efeito para o consumidor, porque o preço é determinado pelo câmbio e pelo petróleo”. A especialista enfatiza que “a proposta deteriora a situação fiscal, o que desvaloriza a moeda. Com o real mais fraco, a gasolina fica mais cara na bomba, e a inflação, mais pressionada”.

O que se apresentou acima resulta de uma dose de realismo. Trata-se da verdade. Os que pré-candidatos, como Bolsonaro e Lula da Silva, dizem faz parte da campanha eleitoral. Os dois estão tentando convencer os eleitores de que é possível resolver a questão do preço dos combustíveis de maneira imediata e indolor. Não é, claro. Mas estão oferecendo mel para aqueles que votam. Mas os que acreditarem nas loas de ambos — e dos demais, como Ciro Gomes, do PDT — acabarão por receber não mel, e sim fel, a partir de 2023.

Mas por que, de repente, Lula da Silva começa a exceder nas suas propostas, como a tese de “abrasileirar” o preço da gasolina? Porque, sendo uma raposa política, o petista sabe que a eleição não se define agora e que precisa ampliar sua frente em relação a Bolsonaro. Então, antes que o presidente cometa, digamos, uma “loucura” — “abrasileirando” o preço da gasolina —, o líder red antecipou-se.

Lula da Silva não diz em suas falas recentes, mas o custo de criar novas refinarias é alto. Além disso, não são feitas num passe de mágica. Portanto, a ideia de “abrasileirar” o preço da gasolina é uma fantasia pré-eleitoral para “conquistar” o eleitorado. Por que o ex-presidente não fala na criação de um fundo, como o proposto por Mendonça de Barros e Celso Ming? Trata-se de uma ideia mais realista e mais prática, mas, do ponto de vista do marketing político-eleitoral, não é tão assimilável quanto a proposta de “abrasileirar” o preço da gasolina. (Veja-se o caso da Noruega, país produtor de petróleo que criou um fundo com os recursos de seu pré-sal para investir no futuro, quando o país não tiver ou tiver menos petróleo. É uma atitude realista e responsável.)

A proposta irrealista de Lula da Silva tende a induzir Bolsonaro a adotar uma ideia parecida. Ou seja, o Estado, com seus recursos, poderá acabar sendo um instrumento para bancar a tentativa de reeleição do presidente. Por isso espera-se que, se os políticos não têm responsabilidade — pensando mais neles próprios e em seus projetos eleitorais —, os eleitores sejam realistas e não comprem gato por lebre. Desde já, a sociedade tem de criticar e condenar propostas de candidatos (Bolsonaro, Lula da Silva, Sergio Moro, Ciro Gomes, João Doria e outros) que não retiram o país da crise, acabando por piorá-la. Afinal, presidente da República não é Papai Noel.