Centro pode não ganhar mas pode ajudar na vitória de Lula ou de Bolsonaro
21 março 2021 às 00h00

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Se bancar Luiza Trajano para presidente, um nome que pode agregar forças de direita e esquerda, o centro passa a ter chance eleitoral em 2022
Daqui a um ano e seis meses — “um pulinho”, dizem os políticos —, os eleitores estarão decidindo se querem manter ou retirar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do Palácio do Planalto. Os votantes certamente vão examinar ao menos três fatores: as ações do gestor federal para resolver a crise econômica, as ações para combater a pandemia do novo coronavírus e se seu perfil, autoritário e populista, combina com a democracia.

As pesquisas mostram que o desgaste de Bolsonaro é acentuado e crescente. A imagem de um político, sobretudo se ocupa cargos executivos, se for corroída por um bom tempo, cristalizando a ideia de que se trata de um administrador incapaz e sem credibilidade, pode não ser restabelecida. Se a economia do Brasil crescer de 3,5% a 4% — o que é difícil, mas não impossível — e se todos os brasileiros forem vacinados contra a Covid-19, entre 2021 e 2022, o quadro poderá mudar pró-presidente? Não será fácil, mas ele poderá reconquistar parte da conexão perdida com vários eleitores — o que poderá levá-lo à disputa no segundo turno.
Bolsonaro, o candidato da direita, enfrentará, por certo, um candidato da esquerda e um candidato do centro. A tendência é pela polarização entre direita, Bolsonaro, e esquerda, Lula da Silva. Se o candidato do PT for Fernando Haddad, político sem expressão nacional, a possibilidade de um postulante do centro polarizar com o presidente é factível.
Com a direita e a esquerda fortes, uma puxando a outra para a disputa, o centro, paradoxalmente, será decisivo. Não para ganhar, necessariamente, e sim para contribuir para um dos candidatos vencer a eleição. Se Lula da Silva conquistar o centro, com uma pauta moderada como a de 2002, chegará forte no segundo turno. Se o centro estiver com Bolsonaro, a possibilidade de o presidente ser reeleito aumenta.

O centro, então, pode até não ganhar, mas pode ajudar um candidato a ganhar.
Mas, de fato, o centro não tem condições de eleger o próximo presidente? Não se pode dizer isto, ainda mais a um ano e seis meses das eleições.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), talvez seja o mais discutido postulante de centro. Mas, ante os resultados das pesquisas, já estaria disposto a disputar a reeleição.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), é mais jovem, porém seu discurso é mais afiado do que o de João Doria. Tanto que os “mictórios do ódio” que apoiam Bolsonaro já começam a atacá-lo — inclusive na vida pessoal. Como não se critica aquele que não incomoda, é provável que pesquisas internas do bolsonarismo tenham percebido possibilidade de crescimento do gaúcho de 36 anos.

Com um vice bancado por um partido forte, ou um vice conhecido e respeitado, as possibilidades de Eduardo Leite — pela idade e pelo discurso articulado — tendem a aumentar vertiginosamente. Vices que poderiam robustecê-lo: Luciano Huck (apresentador de televisão, conhecidíssimo), Luiza Trajano (do Magazine Luiza, respeitada em todo o país), ACM Neto (por certo, representa o Nordeste) e Carlos Alberto Santa Cruz (general que pertenceu ao governo Bolsonaro). Uma chapa com Eduardo Leite e um dos quatro nomes certamente nascerá forte.
Pré-candidato pelo PDT, Ciro Gomes talvez tenha se “cansado” de ser esmagado pela polarização entra esquerda e direita — o que leva o eleitorado às vezes nem mesmo a examinar o que diz, ao menos não com o devido cuidado. Se aceitar uma composição, posicionando-se como vice, pode fortalecer o centro, atraindo um eleitorado significativo da esquerda para o projeto. Se persistir postulando a Presidência, é provável que fique na história como “o candidato a presidente que nasceu para ser derrotado”.

Parece que há um menosprezo, quiçá de origem intelectual, quanto a Luciano Huck (sem partido). Porém, por ser conhecido e ter o respeito do rico ao pobre — talvez não da classe média hiper letrada —, pode se tornar um candidato a presidente forte, quebrando a polarização entre esquerda e direita.
Para romper a polarização esquerda e direita, o centro precisa de uma aliança com um político da estirpe de Ciro Gomes. Ou seja, precisa avançar num eleitorado que não sente atração por figuras moderadas. Nos Estados Unidos, o moderado Joe Biden, do Partido Democrata, foi, de certa maneira, radicalizado, ante um nicho de eleitores, pela vice Kamala Harris, a ex-senadora negra. A chapa Eduardo Leite, a presidente, e Ciro Gomes, a vice, é possível? Não se sabe. Mas tudo indica que, se firmada, pode desequilibrar o jogo nacional. O centro poderia apoiar Ciro Gomes para presidente? Muito difícil. Entretanto, se o fizer, o grande nome do PDT passa a ter chances reais. De todos, é o que tem o discurso mais afiado e, por isso, desperta a atenção do público.

Uma chapa com Luciano Huck, popularíssimo, e Ciro Gomes — sua língua viperina é o contraponto adequado para o enfrentamento com figuras estelares como Lula da Silva e Bolsonaro —, pode até não ser imbatível. Mas tem consistência. Daria um trabalho imenso ao petismo e ao bolsonarismo.
O grande nome de centro pode ser Luiza Trajano, do Magazine Luiza. Administradora competente, a empresária tem se revelado uma humanista poderosa. Há pouco, criou um programa para qualificação de pessoas negras para que possam ocupar cargos de gestão na empresa, e não apenas de vendedores. Na questão da pandemia do novo coronavírus, forjou um movimento para salvar vidas. O movimento tentou, inclusive, comprar vacinas, mas os laboratórios já têm compromissos com os governos globais. Por isso o grupo optou pela aquisição de seringas, máscaras e está oferecendo logística ao governo federal.

A rigor, Luiza Trajano não quer ser candidata e seu trabalho social não é eleitoreiro. Lula da Silva sugeriu que gostaria de tê-la como vice. Ela ou o general Santos Cruz (talvez para, no caso de vitória, evitar uma reação militar, impulsionada por Bolsonaro). Mas, se aceitar a candidatura, será um desafio poderoso tanto para o lulopetismo quanto para o bolsonarismo. Pode desequilibrar o jogo — fortalecendo o centro.
Uma chapa com Luiza Trajano e Luciano Huck (vice), ou Luiza Trajano e Eduardo Leite (vice), ou Luiza Trajano e Fernando Haddad (vice) pode ser uma montanha no caminho de Bolsonaro. Aliás, por mais desgaste que tenha o presidente, talvez seja crucial constituir uma frente ampla — incluindo PT e PSDB — para enfrentá-lo. Quem acreditar que Bolsonaro vai chegar inteiramente “sangrado” em 2022 talvez deva verificar o que aconteceu em 2006, quando se esperava que, “sangrando”, Lula da Silva seria derrotado com facilidade. Como todos sabem, o petista, na verdade, foi reeleito, e até sem grandes dificuldades.
A carta do general Santos Cruz
Na quinta-feira, 18, o “Estadão” publicou reportagem de Marcelo Godoy, “Santos Cruz defende união do centro contra Lula e Bolsonaro”, que merece ser lida com atenção. Não deixa de ser interessante que um general esteja defendendo a democracia e criticando políticos autoritários e populistas.
Na quarta-feira, 17, a repórter Rosângela Bittar, do “Estadão”, revelou que setores do PT avaliam que o general Carlos Alberto Santos Cruz — que foi ministro do governo Bolsonaro — seria o vice ideal para Lula da Silva. Seria o José Alencar do mundo militar. Sobretudo, no caso de vitória do petista, representaria um dique contra conspirações da ala militar bolsonarista. Ficaria configurada, por fim, a ideia de que a esquerda, ao compor com um general, será, uma vez no poder, moderada. O ex-presidente também está se aproximando de lideranças evangélicas e quer abrir diálogo com o Centrão. Porque o Centrão não “é” bolsonarista, tão-somente está no governo. Se amanhã Bolsonaro não exibir viabilidade eleitoral, seus líderes fazem a transição para outro candidato sem o mínimo pudor. Não por serem as últimas bolachas quebradas do pacote, e sim por mero realismo político.

A carta de Santos Cruz é uma resposta ao “convite” do petismo — recusado — para que seja vice de Lula e um micro projeto político. “Considero o diálogo essencial e repudio o extremismo ideológico, a corrupção, o fanatismo político, o populismo e a demagogia. Tenho sido claro em dizer que o Brasil não merece ter que optar entre dois extremos já conhecidos, viciados e desgastados. Ambos os extremos do nosso espectro político são exatamente iguais na prática e não servem para o Brasil”, frisa o general. Talvez não sejam “iguais”, mas, de fato, são polos com algum parentesco. Curiosamente, Bolsonaro é o mais extremado — cada vez mais da extrema direita do que da direita clássica. Lula da Silva não é de extrema-esquerda, embora seja, realmente, de esquerda.
Santos Cruz sublinha que é “a favor de um governo que promova a paz e a união nacional, que governe para todos e não apenas para os seus seguidores mais próximos. A sociedade não pode viver em estado permanente de campanha política, dividida em amigos e inimigos, intoxicada e manipulada por extremistas. As instituições precisam ser independentes e o aparelhamento das mesmas é inaceitável. O Brasil precisa voltar ao equilíbrio, à normalidade”.
O general alerta sobre “o perigo do fanatismo político que gera violência” e critica “as tentativas absurdas de arrastar o Exército para o dia a dia da política partidária e utilizá-lo como instrumento na disputa de poder”.
O militar defende a Operação Lava Jato e critica a atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia do novo coronavírus. “É inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos, e a consequente falta de vacinas, necessárias para salvar vidas e possibilitar o retorno das atividades econômicas. Houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados.” Impossível discordar de Santos Cruz.
O Jornal Opção transcreve abaixo os 14 pontos da carta do general Santos Cruz. Vale a pena examiná-los. Trata-se de uma análise consistente feita por um general democrata, moderado, tolerante e, last but not least, gabaritado. É uma mostra de que nem todos os militares estão com o presidente Bolsonaro. Por uma questão de hierarquia, não se manifestam. Mas muitos, quem sabe a maioria, não toleram o “aparelhamento” das Forças Armadas por Bolsonaro e alguns generais aliados.
É provável que as ideias de Santos Cruz tenham a aprovação de vários militares, muitos deles generais.
O “programa” de um general democrata
1
Jamais recebi qualquer comunicação sobre o assunto em foco e não sou filiado a nenhum partido político. Também, por diversas outras razões, não é possível tal composição.
2
Sou um cidadão de direita (apesar de considerar as simplificações “direita e esquerda” limitadas e antiquadas). Considero o diálogo essencial e repudio o extremismo ideológico, a corrupção, o fanatismo político, o populismo e a demagogia. Tenho sido claro em dizer que o Brasil não merece ter que optar entre dois extremos já conhecidos, viciados e desgastados. Ambos os extremos do nosso espectro político são exatamente iguais na prática e não servem para o Brasil.
3
Neste momento, sou a favor de um governo que promova a paz e a união nacional, que governe para todos e não apenas para os seus seguidores mais próximos. A sociedade não pode viver em estado permanente de campanha política, dividida em amigos e inimigos, intoxicada e manipulada por extremistas. As instituições precisam ser independentes e o aparelhamento das mesmas é inaceitável. O Brasil precisa voltar ao equilíbrio, à normalidade.
4
Minhas manifestações públicas têm os objetivos de alertar para o perigo do fanatismo político que gera violência e para as tentativas absurdas de arrastar o Exército, onde servi por cerca de 47 anos, para o dia a dia da política partidária e utilizá-lo como instrumento na disputa de poder.
5
Sou crítico do governo por causa da influência de fanáticos extremistas, falta de comportamento adequado, afastamento das promessas que o levaram ao poder, postura populista, foco em reeleição, irresponsabilidade e polarização política.
6
É inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos, e a consequente falta de vacinas, necessárias para salvar vidas e possibilitar o retorno das atividades econômicas. Houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados.
7
Considero a Operação Lava Jato um marco na nossa história e na esperança de combate à corrupção. Essa operação e outras devem ter continuidade, incluindo o aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência e controle de contas públicas.
8
A reforma do Estado deve contemplar a extinção de todos os privilégios, a começar pelo foro privilegiado.
9
Acredito numa diplomacia atuante, responsável e multilateral, colocando o Brasil na liderança mundial das questões de preservação da Amazônia e do meio-ambiente.
10
Considero a liberdade de opinião e de imprensa como fundamental para a democracia, que depende também do aperfeiçoamento permanente das instituições.
11
A descrença e o desprestígio no Executivo, no Legislativo e no Judiciário e em outras instituições precisam ser tratados com discussão de ideias e medidas que produzam os aperfeiçoamentos institucionais necessários.
12
Não creio em salvador da pátria e nem que exista necessidade de tal salvamento. Acredito no trabalho e na capacidade dos cidadãos.
13
Como eleitor, espero que as forças políticas e produtivas (empresários e cidadãos), construam alternativas que levem a um governo que traga de volta a paz, o respeito, a união, a recuperação da economia, reduza a nossa imoral desigualdade social e auxilie os mais vulneráveis.
14
Essas são as razões pelas quais não existe nenhuma possibilidade da minha participação nos dois extremos que considero nocivos ao Brasil.