Bolsonaro nasceu para destruir e não para construir. Ruim para os brasileiros

05 abril 2020 às 00h01

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Egocêntrico e errático, o presidente da República parece não tolerar o sucesso de seus ministros, ou seja, de seu próprio governo

Para além das controvérsias, George Washington, Abraham Lincoln (grande leitor de Shakespeare, como William Faulkner) e Franklin Delano Roosevelt talvez tenham sido os três maiores presidentes da história dos Estados Unidos. O primeiro pela independência do país e por ter sido se tornado o primeiro presidente americano. O segundo por unir o Sul ao Norte — ainda que a fórceps, digamos. O terceiro arrancou a nação de uma depressão gigante e, ao deixar o governo, por morte, os EUA eram a potência global dominante. Fiquemos com o caso de Lincoln, que interessa para comparação com o Brasil atual.
Ao assumir o governo, em 1861 — há 159 anos —, Abraham Lincoln montou o que a jornalista e historiadora Doris Kearns chama de “time de rivais”. O presidente não era profeta, mas tinha larga visão histórica e, por isso, percebia que teria de enfrentar dias difíceis. O Sul e o Norte eram irmãos e, ao mesmo tempo, inimigos — Caim e Abel, mas os dois se postando tão-somente como Abel. O Sul era praticamente um “país” — cuja economia era voltada para a exportação, por exemplo, de algodão. Sua parceria com a Inglaterra era sólida. O Norte, mais industrializado, tinha uma economia interna mais pujante e era menos ligado aos britânicos.

Então, talvez prevendo o que teria pela frente, Abraham Lincoln convidou para compor seu secretariado (nos Estados Unidos não se fala ministério) inclusive políticos que haviam lhe feito oposição. A montagem de um “time de rivais” visava, sobretudo, contemplar forças distintas da sociedade americana e, no caso de uma guerra, poderia tornar o governo mais forte. Não era possível um governo de união nacional, porque o Sul estava rebelado — e não só porque Abraham Lincoln “queria” libertar os escravos —, mas o presidente soube ao menos criar uma sólida aliança no Norte. Talvez por isso tenha se tornado o grande vencedor da Guerra Civil Americana (que contribuiu para pôr os Estados Unidos como potência capitalista, ao liberar as novas forças produtivas). Claro que as forças armadas de Ulysses S. Grant e George Sherman, dois generais que não titubeavam e matavam a rodo e queimavam fazendas e cidades, foram decisivas. Mas, numa guerra, é preciso manter o time unido. Ainda que o governo seja composto por pessoas com pensamentos distintos, é preciso de consenso nas questões essenciais. Abraham Lincoln trabalhava bem com a diversidade de sua equipe. Ele sabia valorizar os seus secretários. Era agregador e escrevia muito bem, inclusive seus discursos, que, segundo o crítico Edmund Wilson, acabou por inspirar a prosa literária americana — de Mark Twain a Hemingway (seu estilo quase telegráfico é filho tanto de manuais de redação de jornais quanto da prosa de Abe Lincoln).
Abraham Lincoln foi assassinado em 1865, aos 56 anos, por um radical sulista que, naquele momento, não soube entender que o presidente era o inspirador de uma ampla pacificação dos Estados Unidos. Houve tanta violência contra sulistas que muitos deles — inclusive generais — se mudaram para o Brasil. Americanos criaram colônias no Brasil, em Americana (daí o nome), em São Paulo, e em Santarém, no Pará (alguns remanescentes chegaram a morar em Rio Verde, em Goiás). Parentes de Rita Lee, a cantora, vieram para o Brasil para se livrarem da “vendetta” nortista. O sobrenome “Lee” é uma homenagem ao grande general confederado Robert Lee.

Paulo Roberto Nunes Guedes
O presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, não é nenhum Abraham Lincoln — ou um Juscelino Kubitschek (que conseguia equilibrar políticos do PSD, do PTB e, até, da UDN em seu governo). Mas pelo menos poderia ser, por assim dizer, um Franklin Roosevelt, que, conduzindo o país com habilidade — foi eleito quatro vezes seguidas (depois dele, votou-se uma emenda e americanos só podem ser presidentes duas vezes) —, venceu a depressão (econômica), recuperou a economia dos Estados Unidos e foi decisivo na vitória dos Aliados, ao lado de Winston Churchill e, sim, Stálin, contra o nazifascismo da Alemanha, da Itália e do Japão. Nem precisa ser um Roosevelt gigante — um mignon já é suficiente.
Definir o Bolsonaro que governa há um ano e três meses pelos últimos dois meses talvez não seja inteiramente justo. Seu ministério é — com exceção dos ministros da Educação, Abraham Weintraub, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, os mais ideológicos e, por sinal, os mais fracos — de qualidade.
Pode-se não apreciar as ideias liberais de Paulo Guedes, mas o ministro da Economia tem noção do que é preciso fazer para gerir o país. Ele deu credibilidade interna e externa ao governo. O mercado o aprova, porque sabe que entende bem o que é segurança jurídica e admite que um Estado menor é benéfico à sociedade. Há uma certa incongruência entre o presidente, que é mais próximo do nacionalismo dos militares de 1964 a 1985, e o ministro, que é liberal (derrapa quando força para parecer uma “damarete” e ser reconhecido como “um dos nossos”; liberais autênticos são liberais em economia e nos costumes, deixando claro que as escolhas de determinados comportamentos e ações são de livre arbítrio do indivíduo, e não devem ser impostos pelo Estado).
Durante certo tempo, Bolsonaro, por não entender de economia, deu um poder extraordinário a Paulo Guedes — seu Posto Ipiranga. Logo o ministro começou a ser chamado de “czar da economia” e, até, de primeiro-ministro. Começou a avançar, rapidamente, com seus propósitos liberais. Mas o presidente, que é inculto mas não é nenhum néscio, puxou-lhe as orelhas, surpreendendo o mercado e, por certo, Paulo Guedes. Ao se mostrar conservador nos costumes, chocando os verdadeiros liberais, o chicago-old talvez quis dar uma prova de identificação com o presidente. O fato é que, de alguma maneira, o economista recolheu-se e percebeu que não é tão Posto Ipiranga quanto (se) pensava. O círculo militar do presidente, certamente mais nacionalista do que liberal, provou que tem influência — inclusive em economia. O mercado, que pensava que um gigante o representava, percebeu que não era e não é bem assim. Portanto, a agenda liberal vai avançar mais demoradamente. O mercado sabe que Paulo Guedes é “o cara” só parcialmente. Bolsonaro enfraqueceu seu ministro, sem perceber — ou percebendo muito bem — que acaba, por consequência, enfraquecendo sua gestão.

Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, é competente. Em conflitos recentes, venceu a queda de braço contra a ala “ideológica” do governo. Ela postulou, com razão, que a Arábia Saudita é um grande parceiro comercial do Brasil. Portanto, ao se aliar a Israel, não se deve comprar briga com os sauditas. Os problemas da região não dizem respeito ao Brasil, que já tem problemas suficientes para resolver. Equivoca-se Bolsonaro se acredita mesmo que vai se tornar um player ideológico global por se alinhar com determinados países — como Israel e Estados Unidos. O Brasil figura entre as nações de PIBs mais poderosos do planeta e isto é o que lhe garante mais espaço transnacional. Não é a ideologia, ancorada por discursos bombásticos e, muitas vezes, mal informados, que vai torná-lo um player cada vez mais respeitado. Brigar com a China, que não quer brigar com o Brasil, foi outra infantilidade de Bolsonaro, que não soube desautorizar seu pupilo Eduardo Bolsonaro — que havia criticado duramente o governo chinês — e ainda deixou que o ministro das Relações Exteriores, o destemperado Ernesto Araújo, cobrasse desculpas ao embaixador do Japão no Brasil. O diplomata asiático tão-somente defendeu seu país dos achincalhes do olavo-boy. Tereza Cristina, que é pragmática, deve ter ficado horrorizada.

Tarcísio Gomes de Freitas
O ministro da Infraestrutura, o engenheiro Tarcísio Gomes de Freitas, de 44 anos, é apontado como craque. Instalado numa pasta que era foco de ineficiência e corrupção — no momento, não tem sido —, o jovem técnico está agradando ao mercado. Ele trabalha, age e é avesso ao debate ideológico (que, se é excelente para conversas de boteco, não serve para governar). Como não parece ter ambições políticas, Bolsonaro parece não se importar com seu sucesso.
Convocado para reuniões recentes, que foram articuladas para reduzir o espaço do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Tarcísio de Freitas parecia um peixe fora d’água. “O que estou fazendo aqui?” — era o que seu semblante sério, de homem prático, parecia dizer ao público. “Me deixem trabalhar” — também parecia dizer com seus olhos inquieto e testa franzida.

Sergio Fernando Moro
O ministro da Justiça, Sergio Fernando Moro, de 47 anos, é um pesado drummond no meio do caminho de Bolsonaro. Político inseguro, porque sabe que lhe falta qualidades de estadista — parte de seus eleitores votou no ex-líder do PSL muito menos por suas “qualidades” e muito mais para impedir que o PT voltasse ao comando do país (o que mostra um voto altamente consciente e posicionado) —, o presidente percebe que seu subordinado é “maior” do que ele, é mais popular e respeitado.
Sergio Moro é o símbolo da Lava Jato — a magna operação que, unindo policiais federais, procuradores da República e magistrados, mostrou que, se não acabou, ao menos diminuiu a impunidade no Brasil. Pela primeira vez na história do país, uma grande quantidade de potentados — os donos do poder — foi investigada pela Polícia Federal, denunciada pelo Ministério Público Federal e, depois, condenada pela Justiça Federal. O ex-presidente Lula da Silva, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, os ex-ministros Antônio Palocci e José Dirceu, condestáveis da República, foram enviados para o xilindró. O ex-presidente Michel Temer e os empresários Eike Batista e Joesley Batista, da JBS, também chegaram a ser presos — assim como o príncipe dos empreiteiros, Marcelo Odebrecht. As instituições funcionaram.
Pressionado, atacado e ameaçado de morte, ainda assim Sergio Moro, como juiz, não recuou um milímetro. Nascia, sob sua batuta e de outros homens e mulheres intimoratos, um novo Brasil — um país que, finalmente, passava a ser de todos, e não apenas dos privilegiados. Uma sociedade integralmente democrática precisa de homens — todos eles — institucionais, de indivíduos que cumpram as leis, por saber que foram feitas para todos e às quais todos devem obediência.
A esquerda não consegue entender Sergio Moro, por considerá-lo seu “carrasco” — na verdade, era um juiz duro mas justo —, mas a maioria dos brasileiros aprova o ministro da Justiça. Criou-se uma identificação entre o ex-magistrado e os brasileiros — e a raiz disto é o combate sistemático à corrupção e a defesa da ideia de que, ante as leis, todos os homens devem ser tratados de maneira equivalente. Como parte da esquerda quer combater e não entender Moro, porque acredita que tende a ser tornar político e, de algum modo, é o elemento que estabiliza o governo de Bolsonaro, as críticas feitas a ele não tiram nem casquinha. Porque o Sergio Moro que criticam não existe, exceto na imaginação de seus detratores (e não intérpretes). Combater de verdade significa entender. Mas não é o que faz parte da esquerda.
(Uma crítica possível ao ministro é que parece acreditar que, com um Estado rigoroso e onipresente, é possível construir indivíduos e sociedades perfeitos. O filósofo Isaiah Berlin sugeria que, quando se pensa assim, a tendência é a adoção de ideias e práticas autoritárias, e, por vezes, totalitárias. No caso de Sergio Moro, isto não ocorre. Mas fica a hipótese de que a sociedade na qual acredita é utópica ou, quiçá, distópica. A construção de homens e sociedades melhores é plausível, mas, perfeitos ou modelares, não. O homem, comum ou estadista, deve ser avaliado pela média. Pelos extremos, nem os amigos “prestam”.)
No governo, por causa das medidas duras contra a criminalidade, a popularidade de Sergio Moro continuou crescendo. Então, como se fosse adepto de uma espécie de destruição não-criativa, Bolsonaro passou a ter uma relação ambivalente com seu ministro da Justiça. Hora o prestigia, mas, quase sempre, busca esvaziá-lo. O que teme o presidente? Que Sergio Moro, consagrando-se no governo, seja candidato a presidente da República em 2022. Seria o representante de uma direita esclarecida e que poderia atrair políticos de centro — que hoje não querem relações com Bolsonaro e tampouco com o petismo. As cabeças coroadas do centro político temem que, em 2022, mais uma vez sejam pegos no fogo cruzado entre a direita agressiva do bolsonarismo e a esquerda agressiva do lulopetismo. Quando o debate se radicaliza, entre as forças de direita e de esquerda, sobra pouco espaço para políticos moderados. Eles ficam com a imagem de que, por não se excederem, não se preocupam tanto com a sociedade — com os pobres, por exemplo e sobretudo.
Não há dúvida de que Bolsonaro joga ambiguamente a favor e contra Sergio Moro. É provável que sonhe, quase todas as noites, com o ex-ministro ocupando a vaga do decano do Supremo Tribunal Federal, o extraordinário José Celso de Mello Filho (que completa 75 anos em 1º de novembro deste ano). O presidente precisa de Moro, menos para governar e muito mais para segurar parte de sua popularidade — que está despencando (o Prez não entendeu até agora que ideologia, radicalização do discurso e ataques a adversários reais e imaginários não aumentam popularidade. O que melhora a imagem é governar bem, melhorando a vida das pessoas) —, mas não gostaria de aceitar a morodependência.
Sergio Moro, não fosse o controle e a vigilância da turma do Prez, poderia estar muito melhor, e, deste modo, contribuiria ainda para melhorar a imagem do governo de Bolsonaro. Entretanto, como está mais preparado para destruir do que para construir — governa como se fosse parlamentar, e não executivo, que deve ser mais conciliador —, o presidente não percebe (ou não quer perceber) que, no lugar de reduzir a força de seus ministros, deveria fortalecê-lo, criando uma coesão interna. Hoje, no governo, ninguém confia em ninguém, porque ministros que tentam estabelecer algum diálogo são logo vistos como “conspiradores”. O general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, de 68 anos, um militar competente e de grande envergadura moral (um estadista do Exército), disse, numa entrevista ao “Estado de S. Paulo”, que a ideia de que todo mundo está conspirando contra Bolsonaro — é a percepção do Prez — contribui para engessar seu governo, para impedir uma conciliação nacional, sobretudo num momento tão difícil, quando a pandemia do novo coronavírus mata (quase 400 pessoas) e leva milhares aos hospitais do Brasil.

Luiz Henrique Mandetta
A nova implicância de Bolsonaro é com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandettt, de 55 anos — um médico (especializado em ortopedia infantil pelo Scottish Rite Hospital, em Atlanta, Estados Unidos) que está demonstrando competência, responsabilidade e transparência no combate a um vírus para o qual ainda não há vacina. Trata-se de um inimigo perigoso — muito mais do que Sergio Moro e Mandetta — e, por vezes, letal.
O Prez deveria ficar agradecido por ter um ministro da Saúde que está dando conta do recado — o que prova que soube escolher a maioria de seus auxiliares. Mas, pelo contrário, Bolsonaro está se postando como “rival” de Mandetta.
Quando se preocupa com empresas e com empregos — com ricos e pobres —, Bolsonaro está pensando como estadista. Porque, se o país quebrar, vai ser ruim para todos, sobretudo para os pobres e as classes médias. Entretanto, ao fazer a defesa do mercado, como se fosse um liberal radical — observe-se que o verdadeiro liberal do governo, Paulo Guedes, de 70 anos, está “recolhido” —, o Prez não faz um discurso igualmente radical em defesa da vida. Poderia trabalhar por uma certa flexibilização do mercado — que, em parte, já está flexibilizado —, mas não adotar uma atitude (e ações) contra o isolamento das pessoas para evitar que o raio de ação do novo coronavírus seja mais danoso. Se a pandemia se globalizar no país, de maneira descontrolada, vai gerar um desequilíbrio espantoso das contas públicas e, também, da estrutura de saúde, tanto a pública quanto a privada, que não terá condições de atender, com qualidade e rapidez, todas as pessoas. A “escolha de Sofia” acabará tendo de prevalecer — de maneira cruelmente darwinista.
Quando Mandetta toma a decisão de isolar as pessoas, com o apoio dos governadores — que, a rigor, terão mais perdas financeiras do que a União, que concentra os recursos de todo o país, o que gera uma espécie de República Desfederativa —, e seguindo as orientações de especialistas, como infectologistas e epidemiologistas, Bolsonaro posta-se no campo contrário, atacando o ministro, colocando-se contra a população e, de maneira estranha, contra o próprio governo. O ministro, a rigor, continua no governo, respaldando os brasileiros e, também, o próprio governo que não mais lhe apoia integralmente.

Hora de união nacional pela vida
Na luta pela vida de todos — e não de alguns, porque, no fundo, todos são vulneráveis (e não são apenas pessoas idosas e com problemas como hipertensão e respiratórios que estão morrendo) —, o país tem de buscar o consenso, uma espécie de congraçamento. Bolsonaro poderia liderar a nação, mas está sendo atropelado e conduzido, à força, como se fosse um presidente absenteísta.
Se de fato influenciam Bolsonaro — controlá-lo é uma fantasia de malucos —, determinados militares, como Walter Braga Netto (atente-se: é qualificado e não é golpista — ao contrário do que se está sugerindo nas redes sociais), Augusto Heleno, Eduardo Villas Bôas (embora doente, é, repita-se, um estadista) e Hamilton Mourão (de quem o Prez parece não gostar), devem aconselhá-lo de que, se não mudar, e rapidamente, seu governo acaba antes de 2022. Não há dúvida de que o presidente é inseguro, não tem cultura, não tem visão de estado e é egocêntrico. Entretanto, como é inteligente — bobo é quem pensa que ele é bobo —, deveria ouvir quem, de fato, pensa no bem do país e das pessoas. Os garotos que brincam de ideólogos, mas sequer têm formação intelectual adequada (o filósofo Olavo de Carvalho não é imbecil, mas muitos de seus seguidores, militantes de uma causa perdida, não sabem o que é governar de fato e podem estar sendo conduzidos para o abismo), são até bons para guerras eleitorais, mas não servem para quem precisa governar um país de 8 milhões de quilômetros quadrados (maior do que Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Japão juntos), 210 milhões de habitantes e um PIB inferior apenas ao dos Estados Unidos, da China, do Japão, da Alemanha, da Inglaterra, da França e da Itália. O errático Bolsonaro está se revelando pequeno — até muito pequeno — para a grandeza do Brasil.
Bolsonaro é autoritário mas não é ditador
Os que acreditam em certas opiniões esboçadas nas redes sociais — nada estribadas em fatos e argumentos — sustentam que Bolsonaro é ditador e autoritário. Não é fácil discordar daquilo que parece uma ideia consensual — “verdadeira”, pois. Mas o presidente não é ditador. Apesar do discurso autoritário — próximo do “prendo e arrebento” do general João Baptista Figueiredo —, Bolsonaro faz um governo democrático. Pode-se dizer que a retórica é autoritária, que o discurso é chucro (o ataque a jornalistas, sobretudo às mulheres, impressiona pela grosseria), mas, a rigor, o presidente ainda não atentou contra a democracia. Nos últimos dias, dado seu comportamento errático (mais de “jogador-apostador” político do que de estadista) sobre o combate ao coronavírus, a imprensa criticou duramente o gestor federal. Não há informação de que tenha mandado prender jornalistas — nem decidiu processá-los. De fato, produz-se um paradoxo: o verbo do Prez é autoritário, mas o governo não é — o que confunde alguns (e parte usa o “problema” politicamente, para acentuar o quanto o presidente é “ruim”). Fica-se com a impressão de que se confunde “desejo” — de que Bolsonaro seja ditador — com “realidade”, ele é grosso, mas tem sido democrático. Vira e mexe, agride uma instituição, mas não a ponto de impedir que funcionem.

Em termos de economia, o país, antes da crise do coronavírus — que derrubou a expectativa de expansão de 1,4% para 0% em 2020 —, começava a crescer. Havia uma expectativa positiva. O que comprova que o governo não era ruim, ou não tão ruim. O que se leva à conclusão de que o problema do governo não é o governo, e sim Bolsonaro, que parece não compreender com precisão o que está “fazendo”, ou sendo “levado” a fazer. Parece guiado por algum “instinto”. Um “instinto” que, ao final, o levará ao caminho certo. Mas com cadáveres dentro e à porta dos hospitais?
Se buscar adequar-se ao que Mandetta está propondo e fazendo, Bolsonaro — que dizem ser humilde, apesar dos rompantes de Cavalão (como era chamado no Exército) —, pode, mas do que recompor a popularidade, ganhar o respeito dos brasileiros (com os quais terá de conviver pelos próximos dois anos e nove meses). O que está destruindo a imagem de Bolsonaro, e consequentemente do governo, não é exatamente a crise do coronavírus, e sim o próprio presidente e seus filhos (Carluxo, principalmente), supostos inspiradores do tal Gabinete do Ódio. Usar as redes sociais para atacar inimigos reais e imaginários de Bolsonaro pode até agradar a meninada (que se comporta como rebanho) e inocentes úteis — que vivem de repassar mensagens e imagens excessivas e grosseiras —, mas não melhora o governo em nada. A brutalidade política pode até funcionar em campanhas eleitorais, mas se torna uma adversária incontornável de quem está governando, porque é um poderoso elemento de desagregação e dispersão de energias criadoras.
Se (a turma de) Bolsonaro continuar atacando ministros, por intermédio de milícias digitais, vai acabar piorando, ainda mais, a imagem de seus governos. Os ministros saem, os ministros caem, mas o desgaste fica para o Prez e para o governo. Joseph Schumpeter certamente não ficaria feliz com a imagem, mas vale insistir: Bolsonaro parece ser um adepto da destruição não-criativa. Só que, para agradar determinados ideólogos — que plantam ideias típicas de um Simão Bacamarte, o personagem do conto “O Alienista”, de Machado de Assis —, Bolsonaro e sua trupe de olavo-boys estão prejudicando o país, os brasileiros. No caso do coronavírus, ao negar a ciência, está pondo a vida das pessoas em risco.
A grande historiadora Barbara W. Tuchman sugeriu, num ensaio, que estadistas não têm o hábito de “ouvir” e seguir “recomendações”. Pode ser que tenha razão. Afinal, se ganhou uma eleição, e contra uma força considerável — a do PT —, por que Bolsonaro precisa ouvir? Mesmo assim, recomenda-se dois livros para os generais Augusto Heleno (que parte da imprensa está subestimando) e Hamilton Mourão, que são grandes leitores: “Lincoln” (Record, 322 páginas, tradução de Waldea Barcellos) e “Liderança em Tempos de Crise” (Record, 560 páginas, tradução de Alessandra Bonrruquer. Os dois militares podem sintetizar as histórias dos americanos Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Franklin D. Roosevelt e Lyndon B. Johnson — que enfrentaram crises poderosas, sobretudo o primeiro e o terceiro — para Bolsonaro. Como os presidentes dos Estados Unidos resolveram ou tentaram resolver os conflitos podem ajudar o presidente patropi. Se ele quiser, é claro. Não se pode sugerir que o presidente é masoquista, mas aparentemente flerta com o sadomasoquismo.
Por fim, Bolsonaro quer ser o novo Jânio Quadro — cuja renúncia, em 1961, acabou por levar ao golpe de Estado de 1964 e à ditadura civil-militar de 1964 a 1985 — ou o novo Fernando Collor, que sofreu impeachment, em 1992? O presidente viu tais “filmes” e, por isso, sabe que, no final, o chefe de Estado “dança”, ou melhor, “roda”. Frise: o presidente ainda tem tempo para mudar o discurso e governar em paz e sintonia com o país real.