A mestria política do governador Ronaldo Caiado e a imperícia de Mendanha
27 março 2022 às 00h00
COMPARTILHAR
O líder do União Brasil manteve a base político-eleitoral de 2018 e reforçou-a com o apoio do MDB, do Podemos, do pP, do Republicanos e de parte do Patriota

No livro “Team of Rivals — The Political Genius of Abraham Lincoln” (Simon & Schuster, 916 páginas), a historiadora americana Doris Kearns Goodwin, postula que a arte de governar bem às vezes pode ser atribuída à soma, não de iguais, mas de desiguais. No lugar de administrar apenas com aliados, o líder americano cercava-se também de ex-rivais. Longe de perder energia, a adição de forças contrárias fortaleceu sua gestão. Quando começou a Guerra Civil Americana, em 1861, o ministério política e ideologicamente multifacetado, com forças políticas distintas, foi vital para Lincoln organizar a luta contra o Sul de maneira mais eficaz. O mesmo ocorreu quando decidiu abolir a escravatura.
A um olhar displicente, a casa parecia dividida, mas, na verdade, estava unida. Os ministros às vezes pensavam de modos diferentes, mas Lincoln sabia unificá-los, dizendo-lhes que, acima da ideia e do interesse político de cada um, havia “o” país, que, para crescer e se desenvolver, precisava de união. Frise-se que, num discurso, de 1858, antes de se tornar presidente da República, o líder americano disse: “Uma casa dividida contra si mesma não se sustenta”.
Lincoln não via a Guerra Civil Americana como uma batalha de destruição — e toda guerra é destrutiva —, e sim como a única maneira de reunificar o Sul, escravista, e o Norte, libertário (e avançando rumo ao capitalismo). Seu governo, com o apoio dos implacáveis generais Ulysses S. Grant e George Sherman, uniu o país, a ferro e fogo, numa das grandes mortandades da história. O presidente mal pôde saborear sua vitória, pois foi assassinado, em 1865, com apenas 56 anos. Mas deixou um país unido. Os Estados Unidos, depois da “sangreira patriótica”, se tornou uma potência econômica. O fim do escravismo, com a consequente hegemonia das forças capitalistas, tornou o país, pouco a pouco, um dos maiores rivais da Inglaterra, até superar o país-pai, tornando-o, de alguma maneira, relativamente dependente, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Não se sabe se Abe Lincoln influencia o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil. Mas é provável que a escola democrática dos Estados Unidos, de Lincoln a Franklin D. Roosevelt, exerça alguma influência no líder político goiano.
Desde o início do governo, Ronaldo Caiado decidiu que era preciso reorganizar as contas do Estado, para viabilizar seu crescimento e desenvolvimento. Por isso pôs uma dama de aço na Secretaria de Economia, Cristiane Schmidt. Por não ter compromissos políticos locais, comportando-se como uma técnica durona e nada afeita a pressões, Schmidt pôde, com o apoio do gestor estadual, colocar a casa em ordem, na parte financeira. Noutros setores, contando com técnicos eficientes, como Pedro Sales, da Goinfra, o governante também agiu com rigor.
Porém, não basta a um governo acertar apenas na questão das contas públicas, dos ajustes e cortes, Ronaldo Caiado começou, desde cedo, a operar politicamente. Como todos os governos têm desgastes — uns mais e outros menos, e ajustes nem sempre são bem assimilados pela população —, o líder do DEM, agora União Brasil, percebeu, com grande antecipação e perspicácia, que era preciso reformular a aliança político-eleitoral de 2018. Quatro anos depois, era preciso ir para a disputa com o acréscimo de novas forças políticas.
Um dos primeiros passos foi a aproximação com o senador Vanderlan Cardoso. Na eleição para prefeito de Goiânia, em 2020, quando poderia ter apoiado Maguito Vilela, como parte de sua base queria, optou por aliar-se com o líder do PSD.

Ao se tornar aliado de Vanderlan, Ronaldo Caiado começou a reforçar a sua base política para 2022. É certo que, depois de ser apoiado e de ter agradecido e elogiado o governador, o senador ameaça bater asas, e apoiar o pré-candidato do PL, Major Vitor Hugo, para governador. Há aqueles que dizem que o empresário faz mais negócios do que política. Talvez não seja exatamente assim. Mas é certo que lhe falta visão política ampla, pois terá dificuldade de explicar aos eleitores por qual motivo realmente não apoia a reeleição de quem o bancou, em tempo integral, na disputa para prefeito. A razão verdadeira o senador certamente não dirá, não poderá dizer: ele se tornou bolsonarista por causa das verbas fartas do governo federal. Não que os recursos financeiros estejam jorrando nas contas particulares do dono da Cicopal. A questão é outra: Bolsonaro, via ministérios — e inclusive do Orçamento Secreto —, beneficia as bases do político de Senador Canedo. Já o governo de Goiás não tem como “jorrar” dinheiro para os aliados de Vanderlan. Simplesmente porque a União concentra recursos, suga os Estados e deixa-os à míngua. Vanderlan fala em novo pacto federativo, com os Estados absorvendo mais recursos, desconcentrando-os das mãos da União. Por enquanto, é mera fala. Os Estados e os municípios permanecem com ingentes dificuldades e a União nada em dinheiro — tanto que pode fazer um orçamento paralelo, dito secreto, para alimentar seus aliados políticos, como o senador nascido em Iporá.
Há quem postule que Vanderlan e Vitor Hugo se uniram, sob orientação de Bolsonaro, para pressionar Ronaldo Caiado a apoiá-lo já no primeiro turno. Pode ser que seja verdade. Porque o presidente teme perder para Lula da Silva, do PT, no primeiro turno. Então, busca energia concentrada para tentar levar a disputa para o segundo turno. Daí a pressão sobre políticos do União Brasil, como Ronaldo Caiado.

Não deixa de ser curioso que o partido de Vanderlan, o PSD, planeja apoiar a reeleição de Ronaldo Caiado, talvez por entender, mais do que o senador, que lealdade não é uma roupa, que se troca quando a pessoa quer. Outro detalhe revelador a respeito do senador: ele esteve em São Paulo, ao lado do ex-deputado Samuel Almeida, com o objetivo de convidar o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles a disputar mandato de senador em Goiás. Agora, porém, o senador não mostra entusiasmo com sua candidatura. Cadê a lealdade àquele que se buscou para ser candidato em Goiás?
O detalhe é que, se apoiar o PL de Vitor Hugo, Vanderlan não levará seu partido. Quer dizer, Ronaldo Caiado ficará com o apoio do PSD do ex-deputado federal Vilmar Rocha (presidente do partido), do deputado federal Francisco Júnior, da vereadora Sabrina Garcez e de Meirelles. Se não apoiar o governador, o senador ficará solamente só. Quer dizer, perder Vanderlan e ganhar o PSD pode ser mais vantajoso. E mais: o senador poderá se tornar um pária político nas eleições de 2024 e 2026. Quem confiará na sua “lealdade”, digamos, “líquida”, “transitória”.
Daniel Vilela e a força do MDB
O lance mais ousado de Ronaldo Caiado foi a atração do presidente do MDB, Daniel Vilela, filho de Maguito Vilela, para sua base política.
Se não estivesse na base do governador, é provável que, aliado a Gustavo Mendanha — que poderia ir a senador —, Daniel Vilela seria candidato a governador, quiçá aglutinando uma grande base político-eleitoral. E, com sua longa história, o MDB está enraizado em cada cidade de Goiás.
Ao escolher Daniel Vilela para vice, com grande antecipação, dividiu as oposições e, ao mesmo tempo, fez elas anteciparam seus jogos, apresentando-se de maneira mais contundente. Saíram da toca, digamos assim, Vanderlan, Marconi Perillo, Mendanha e, mais recentemente, Vitor Hugo. Eles tiveram de se expor, e certamente queriam retardar a revelação de seus jogos, mas foram obrigados, pela interferência de Ronaldo Caiado, a abri-los publicamente.
Até alguns aliados de Ronaldo Caiado não entenderam, de imediato, qual o significado da aproximação com Daniel Vilela e com o MDB. Agora, com o jogo de Mendanha e Perillo exposto, certamente entenderam a jogada de mestre do governador — que mostrou que a iniciativa do processo está em suas mãos e que articulações dos oposicionistas derivam das suas. Noutras palavras, Mendanha e Perillo, e os demais, estão jogando pelas regras, por assim dizer, estabelecidas pelo líder do União Brasil.
Roberto Naves, Baldy e Lissauer Vieira

Antes mesmo da aliança com Daniel Vilela, Ronaldo Caiado havia se aproximado do prefeito de Anápolis, Roberto Naves, e do ex-ministro Alexandre Baldy, do partido Progressistas. Como se sabe, nenhum dos dois apoiou o chefe do Executivo estadual na disputa eleitoral de 2018. Em 2020, candidato à reeleição, Naves recebeu o apoio de Ronaldo Caiado — que foi decisivo para sua vitória. Baldy quer ser candidato a senador na chapa do governador. Pode acabar sendo candidato avulso, apoiando Ronaldo Caiado. O fato é que o pP é mais um partido conquistado pela capacidade de articulação do líder do União Brasil.
Roberto Naves, representante político da cidade com o terceiro maior eleitorado de Goiás, apoia a reeleição de Ronaldo Caiado. Ele trabalha para Alexandre Baldy ser candidato a senador. Mesmo se não for, o prefeito costuma dizer que trilhará o mesmo caminho do governador.
Delegado Waldir, Darrot e Marden

Mais recentemente, deu-se uma grande reaproximação política entre Ronaldo Caiado e o deputado federal Delegado Waldir Soares. Os dois passaram a figurar, a partir da fusão entre o DEM e o PSL, no União Brasil, como aliados incontornáveis. Eles conversam com frequência, estão sempre juntos em Goiânia e no interior.
Deputado eleito com quase 300 mil votos, Delegado Waldir é popular em todo o Estado e, sua volta para a base governista, fortalece o projeto político de Ronaldo Caiado. O parlamentar pretende disputar mandato de senador, nem que seja como “avulso”.
A base política que estava ligeiramente afastada, por discordar da indicação de Daniel Vilela para vice, aos poucos se recompôs com Ronaldo Caiado. Entretanto, se a aliança com o emedebista tivesse sido deixada para julho ou agosto deste ano, não haveria tempo para recomposição. Hoje, estão firmes ao lado do governador os prefeitos de Catalão, Adib Elias, e de Rio Verde, Paulo do Vale, o ex-prefeito de Goianésia Renato de Castro, entre outros. O presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira, sempre resistiu à escolha do presidente do MDB, mas acabou, por apoiar Ronaldo Caiado, assimilando-o. O que parecia irremediável se tornou remediável.

Ampliada a base, recomposta a base anterior, Ronaldo Caiado continuou agindo, com mestria política, reforçando a musculatura de sua base política.
O ex-prefeito de Trindade Jânio Darrot articulou sua candidatura a governador primeiro pelo PSDB e, em seguida, pelo Patriota. Mas acabou desistindo da disputa, optando por cuidar dos negócios a família. Agora, decidiu, ao lado do prefeito de Trindade, Marden Júnior — uma revelação político-administrativa —, apoiar a reeleição de Ronaldo Caiado. Acrescente-se que, ligado a Jânio Darrot, uma figura histórica do PSDB, o prefeito de Aruanã, Hermano Carvalho, decidiu apoiar a reeleição do governador.
Jânio Darrot foi prefeito de Trindade por dois mandatos, restaurando a moralidade na prefeitura, construindo obras e, crucial, sendo um apóstolo do crescimento e do desenvolvimento do município. Marden Júnior derrotou dois candidatos eleitoralmente consistentes e adotou, na prefeitura, um programa de modernização continuada.

O apoio de Jânio Darrot e Marden Júnior é altamente representativo. Por aquilo que a dupla representa eleitoralmente em Trindade e cidades vizinhas, mas também porque, numa tacada, praticamente desmonta o Patriota, agora ancorado unicamente pelo empresário e marqueteiro Jorcelino Braga e pelo deputado federal Alcides “Cidinho” Rodrigues. Acrescente-se que o presidente da Câmara Municipal de Goiânia, Romário Policarpo, filiado ao Patriota, também decidiu apoiar a reeleição de Ronaldo Caiado (Romário também é o vice-prefeito de Goiânia). Tido mais como uma “ong”, o Patriota é vinculado a Gustavo Mendanha, prefeito de Aparecida de Goiânia.
Rogério Cruz, Republicanos e Podemos
Há quem diga que, dadas as orientações nacionais, o Republicanos é uma incógnita. Mas governistas dão como certo que o partido está alinhado com Ronaldo Caiado. O prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, chegou a declarar que vai apoiar a reeleição do governador. O deputado estadual Jefferson Rodrigues também disse a mesma coisa.
Se confirmada, a aliança com o Republicanos partido atrairá para o líder do União Brasil grande parte da força evangélica em Goiás.

Na semana passada, o governador obteve o apoio do Podemos, partido que tem vários deputados e senadores no país e banca a candidatura de Sergio Moro para presidente da República. Trata-se de um partido que tem estrutura: tempo de televisão, fundo eleitoral. Mais do que a conquista do Podemos em si, o mais importante foi retirá-lo, numa tacada de mestre, da base de Mendanha — que, marinheiro de primeira viagem, foi surpreendido pela ação de cérebros mais hábeis e conectados à vida real.
Pergunta-se: a união em torno de Ronaldo Caiado tem a ver com o fato de que está no governo? Em parte, sim. Mas todos os chegantes apontam que o governador faz uma gestão que preza pela probidade, faz obras necessárias (e não aquelas que, com “n” aditivos, saem caríssimas para o Erário, quer dizer, para o contribuinte pagar) e é preocupado com gente. Por isso todos falam em “aliança qualitativa”.

Os novos aliados sustentam que não há esquemas no governo e que Ronaldo Caiado tem uma visão de Estado, com a sociedade acima de tudo, rara até no país. Deputados postulam que não há “fisiologismo” e que quem “adotar o erro como ética” não fica no governo. Recentemente, numa conversa com um repórter, um empreiteiro disse: “Nós, empresários, estamos ganhando menos? É provável que sim. Porém, recebemos em dia e não há propina no governo de Goiás. O que encarecia as obras, em governos anteriores, era o propinoduto. Os empreendedores tinham de pagar até aluguel de amantes de alguns gestores”.
Se Ronaldo Caiado revela-se um mestre da arte de fazer política, Mendanha é um discípulo malsucedido de Maguito Vilela. Este, como Tancredo Neves, ensinava que as principais qualidades de um político é saber agregar, ouvir com atenção e decidir com certa rapidez. Pois o prefeito não consegue agregar nem mesmo sua base política em Aparecida. O vice-prefeito do município, Vilmar Mariano, do Podemos, e o presidente da Câmara Municipal, André Fortaleza, vivem às turras com Mendanha — que, de maneira autoritária, exige um alinhamento absoluto. Mendanha teria chegado a gritar com André Fortaleza porque recebeu o presidente do MDB, Daniel Vilela, em Aparecida. O chefe do Legislativo seguiu os ritos normais da política, pois, emedebista, acolheu um aliado, e, além disso, ele é filho de Maguito Vilela, a quem Aparecida, assim como Mendanha, deve muito. A cidade, que parecia um grande bairro abandonado de Goiânia, ganhou status de (quase) metrópole.

Mendanha não conseguiu se filiar no PL, no pP, no Republicanos e no Podemos. Porque perdeu o timing. Escolheu demais, perdendo tempo com flertes infrutíferos, inclusive com o PT de Lula da Silva, e, quando decidiu procurar os partidos, as portas estavam fechadas. O motivo: ele havia, antes, arrombado portas abertas. Bem mais cedo, rompeu com Daniel Vilela, recusando-se a apoiá-lo na vice de Ronaldo Caiado. Veja-se uma informação curiosa e relevante: os dois principais aliados de Mendanha, os deputados federais Magda Mofatto, do PL, e Professor Alcides Ribeiro, do pP, estão inelegíveis, de acordo com decisão da Justiça Eleitoral. Como participar de uma campanha majoritária com um exército de Brancaleone?
O que pensava Mendanha, quando decidia não fechar com ninguém, acreditando que não iria precisar de vários políticos — chegou a criticar o presidente Jair Bolsonaro numa entrevista a uma rádio? Não se sabe. Mas ele cometeu um erro crasso: não se faz política apenas com os “escolhidos”, e sim com “todos, quer dizer, com todos os apoiadores possíveis. O prefeito, ao descartar alguns, acabou descartado por quase todos. Agora está só — solamente só.
Uma das diferenças entre Ronaldo Caiado e Mendanha é que o primeiro sabe quem é Abraham Lincoln e o segundo certamente, quando se fala em Lincoln, pensa no jovem Tejota, o vice-governador de Goiás. O prefeito tem futuro? Talvez tenha. Mas o fato é que está provando, ele próprio, que não tem presente. E, ao se apresentar como um líder messiânico — insinuando-se como “mito” —, sugere que é um político mais do passado do que do mundo contemporâneo.