Multilateralismo: Entenda como os investimentos da China podem beneficiar o Brasil

19 julho 2025 às 21h00

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Desde a abertura comercial nos final dos anos 1970, a República Popular da China não poupou esforços em se posicionar como um país com um grande potencial econômico e industrial. Liderada pelo líder Deng Xiaoping, a China engatinhava para se tornar uma das maiores economias do mundo, através das políticas da Reforma e Abertura, que promoveram o fim do isolacionismo e a abertura comercial chinesa para o mundo afora.
Nesta época, o Brasil estava sob a liderança do então presidente da República, Ernesto Geisel (ARENA), em que caminhava para os anos finais da ditadura militar. O governo de Geisel foi marcado por uma série de políticas que foram de encontro com a chamada linha-dura (do inglês hardliners, gíria que denomina grupos extremistas dentro de um partido ou grupo ideológico), incluindo a reabertura dos canais diplomáticos entre o Brasil e a China.
Ambos os líderes nacionais tinham uma característica em comum, promoveram políticas que eram contra o status-quo defendido pelos dois extremos políticos na época. Enquanto Xiaoping foi perseguido na Revolução Cultural por promover ideias “capitalistas”, Geisel enfrentou críticas da ala militar por propagar ideias sobre o retorno da democracia liberal.
Para Diego Magalhães, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esse movimento inicial de parceria Sul-Sul foi um dos pontos chave que desencadeou uma das maiores alianças comerciais do Brasil, que superou os Estados Unidos da América (EUA) na balança comercial em 2009.
Na década de 1980 e 1990, a relação teria culminado na assinatura de um tratado para definir metas para o lançamento de satélites, o China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), que se desenvolveu em novas parcerias comerciais e estratégicas entre os países. “Nos anos 1990, as relações bilaterais chegaram ao nível de parceria estratégica, preparando o caminho para o que viria na década seguinte: uma ampla e robusta agenda de cooperação baseada no respeito e no diálogo sobre benefícios mútuos”, explica.
“Foi um exemplo do potencial de cooperação Sul-Sul, entre países “não-desenvolvidos” com graves problemas socioeconômicos, mas com evidentes capacidades avançadas e complementares em certos setores.”
Desde então, a China aumentou os investimentos em novas parcerias comerciais ao redor do globo, como exemplo, boa parte dos países do continente africano e asiático aumentaram o protagonismo comercial com a China, ao passo que o próprio país asiático investiu bilhões de Yuan (Y$) na industrialização. Somente em 2024, a relação comercial bilateral movimentou mais de USD$ 90 bi com a exportação e mais de USD$ 63 bi em importação, de acordo com o Comex Stat.
Capital nuclear no Brasil
O mais novo capítulo desta relação é a entrada de multinacionais chinesas diretamente no mercado brasilerio, seja pela abertura de novos escritórios e a compra de ativos de empresas brasileiras por companhias chinesas. Como exemplo mais recente disso, é a possível aquisição da empresa Eletronuclear, que administra as três usinas nucleares brasileiras localizadas no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
De acordo com a reportagem da Bloomberg, empresas chinesas e empresas americanas estão em um embate para comprar os ativos majoritários da Eletrobrás sobre a Eletronuclear. A companhia que assegurar as ações pode conseguir o comando majoritário da empresa do setor energético. A ação rendeu um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) em que a União argumentou não ter poder de voto sobre a estatal nuclear. Segundo o acordo fechado entre a empresa e a Justiça, a Eletrobrás ficou proibida de vender parte de sua fatia da empresa nuclear para o mercado.
Com isso, as empresas China National Nuclear Corporation (CNNC), a China General Nuclear Power Group (CGN) e a State Nuclear Power Technology Corporation (SNPTC) teriam se interessado em participar do mercado energético nuclear brasileiro. Anteriormente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, teria se reunido com representantes do governo chinês para discutir a possibilidade de cooperação na gestão elétrica e nuclear do Brasil.
Questionado, Magalhães afirma que a entrada de capital estrangeiro no ramo nuclear não é novidade, tendo em vista os investimentos franceses no setor elétrico e o capital dos EUA e dos Países Baixos na extração de petróleo. Além disso, afirma que o país precisa diversificar as parcerias a fim de diminuir as possíveis vulnerabilidades externas. “Em capacidade nuclear instalada, em número de usinas em construção e, talvez, em preço e em potencial de transferência de tecnologia, a China se destaca.”
Investimentos em infraestrutura
A área de investimentos de maior peso de capital chinês é a infraestrutura, como em estradas e ferrovias construídas por empreiteiras chinesas em parcerias com a iniciativa pública e privada. No Brasil, um dos projetos de destaque é a Ferrovia Bioceânica, que visa ligar o Oceano Pacífico e o Oceano Atlântico, através de um malha ferroviária com início no porto de Chancay e destino ao porto de Santos.
O projeto atual deve contar com um percurso em Goiás, que deve atravessar o município de Mara Rosa, na Região Norte do Estado. O projeto visa facilitar o escoamento da produção dos países sul-americanos e interligar o comércio dos dois oceanos.
O projeto veio a partir do acordo Brasil-China, firmado entre o presidente da república, Luiz Inácio Lula (PT), e o presidente da China, Xi Jinping (PCC), lançado em 2023. Atualmente, o programa ainda está em fase de estudo e negociações entre os três países envolvidos nas tratativas.
Para o pesquisador, o Brasil pode se beneficiar dos investimentos chineses na área da infraestrutura para incrementar o fluxo comercial brasileiro. “Empresas chinesas têm construído milhares de quilômetros de linhas elétricas, rodovias e ferrovias. A América Latina, a África e outras regiões com desafios similares têm se beneficiado enormemente de investimentos chineses em diversos setores e do acelerado incremento dos fluxos comerciais”, afirma.

“Nesse sentido, vale sublinhar a mensagem comumente expressa pelo Sul Global: é crucial colocar o desenvolvimento sustentável no centro da agenda internacional e resolver pacificamente questões geopolíticas.”
Entrada chinesa no mercado financeiro
Outro investimento que acontece é a entrada de bancos chineses no mercado financeiro a partir de meados da década de 2010. A perspectiva, segundo apontado por especialistas, é que a entrada das empresas estrangeiras no mercado financeiro abre espaço para futuras negociações com o uso do real ao invés do dólar, sobretudo em commodities exportadas para a China, como soja e minério de ferro.
Em entrevista com a Greice Guerra, economista e operadora da bolsa de valores, a especialista afirma que bancos chineses buscam a representatividade no mercado financeiro, como: o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), o Bank of China e o Bank of Communication (BoCom).
Para a economista, a entrada deste setor é vista com “bons olhos” pelo mercado, sobretudo com a escalada de tensões entre os EUA e o Brasil. “A gente vê com bons olhos. É um avanço que traz oportunidade para o Brasil, principalmente neste momento em que há uma tensão com os Estados Unidos.”
Segundo a especialista, o tarifaço do presidente norte-americano, Donald Trump, propicia o cenário ideal para novas parcerias econômicas e comerciais.

Uma desta nova estratégia pode ser apontada no China Interbank Payment System (Cips), que funciona como alternativa ao Swift, sistema de compensação financeira do comércio com moedas locais controlado pelos EUA. De modo parecido, a agenda da “desdolarização” do Brics também funciona para criar um eixo alternativo de comércio entre os países do sul global, ao qual é fortemente criticado pelo Republicano pela possível repercussão na diminuição da força econômica do dólar.
Sobre isso, Greice afirma que, se finalizado, o projeto pode competir de frente com a moeda norte-americana, contudo, acredita que a finalização pode ser um caminho improvável. “Particularmente, eu acho difícil [o Brics criar uma moeda única], mas eu não vou dizer para você que é impossível, contudo, na conjuntura atual, eu acho improvável, porque o dólar é uma moeda muito forte”, explica. “Mas, se o BRICS conseguir, seria excelente, porque seria uma maneira muito forte de competir com esse imperialismo americano.”