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O embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, voltou a trazer à tona na terça-feira, 3, a criação de uma moeda única do Mercosul. Segundo ele, o tema foi discutido em encontro em Brasília com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O tema não é novidade para Haddad. No ano passado, ele e o agora secretário-executivo na Fazenda, Gabriel Galípolo, defenderam, em artigo, a criação de uma moeda sul-americana. Economista avalia que fusão monetária entre países do bloco é ideia inviável sob vários aspectos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também já falou sobre o assunto em sua passagem anterior pela Presidência. A proposta já foi defendida, inclusive, pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Apesar de ter mais de uma década, essa discussão é bastante nebulosa. Mas é possível avançar em alguns pontos, com base nas declarações de Scioli e também no artigo escrito por Haddad e Galípolo em 2022.

O economista Everaldo Leite pontuou ao Jornal Opção que, apesar da vantagem da integração e o intercâmbio comercial em todo este bloco regional, este não é o momento ideal para a criação da moeda única. “O Mercosul tem muito mais desafios para se preocupar do que a criação de uma moeda única”. A avaliação leva em conta que os países que integram o bloco têm necessidades econômicas diferentes, que dificilmente seriam tratadas de maneira eficaz com uma única política monetária, principal ferramenta de controle dos preços.

Ela afirma que qualquer discussão a respeito teria o Brasil como a nação mais impactada, positiva ou negativamente. “O Brasil não tem ainda maturidade para ter um modelo de moeda única, como o euro”, avalia. “O principal problema da criação de uma moeda única envolve a perda de soberania monetária e da agilidade para a tomada de decisões, o que atrasa o processo econômico individual dos países”, completa.

Entre as distorções econômicas mais evidentes aparecem a atual inflação da Argentina, que beira os 100% em 12 meses e resultam em uma taxa básica de juros em 75% ao ano. No Brasil, o índice oficial de preços é de 5,9% no acumulado até novembro, enquanto a taxa Selic figura em 13,75% ao ano.

Leite recorda que a Europa já apresenta vulnerabilidade após a instalação de uma moeda única na zona do euro e sofre com variações de preços. “Se você aumenta muito a taxa de juros, afeta as economias que têm a inflação baixa. Por outro lado, se você não elevar o suficiente, vai impedir o controle dos preços nos países com a inflação mais alta”, explica.

O especialista por sua vez, defendeu que a moeda única poderia ser utilizada para fluxos comerciais e financeiros entre países da América do Sul. “A criação de uma moeda sul-americana é a estratégia para acelerar o processo de integração regional, constituindo um poderoso instrumento de coordenação política e econômica para os povos sul-americanos”.

Os agora integrantes do governo Lula escreveram em 2022 que essa responsabilidade seria de um banco central sul-americano. Além disso, a moeda seria inspirada na URV (Unidade Real de Valor), que ajudou em 1994 a transição entre o Cruzeiro Real e o Real.

Lula

O mandatário ainda não comentou as declarações de Scioli, mas não é novidade que ele vê a ideia com bons olhos. No fim de abril do ano passado, quase um mês depois da publicação do artigo do Haddad e Galípolo, Lula declarou: “Vamos voltar a restabelecer nossa relação com a América Latina. E se Deus quiser vamos criar uma moeda na América Latina, porque não tem esse negócio de ficar dependendo do dólar”.

Também não é de agora que Lula defende a proposta. Em 2008, antes mesmo da quebra do banco americano Lehman Brothers, que detonou a crise global, o presidente, em seu segundo mandato, afirmou que, com a criação à época da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), a região caminhava para a criação de uma moeda comum e de um banco central único.

“Vamos caminhar para, no futuro, termos um banco central único, para termos moeda única.” A Unasul tinha na ocasião 12 países, mas ela foi esvaziada nos últimos anos – o Brasil deixou o grupo em abril de 2019, logo no começo do governo Jair Bolsonaro.