A assistente social e autora Kamilla Santos da Silva, nascida no verão de 1989 em Aracaju, traz à luz uma obra fundamental para o entendimento das complexas interseções entre racismo, gênero e condições carcerárias de mulheres em Goiás. Em “Sou ex-presidiária! E agora?”, Kamilla mergulha nas vidas das mulheres egressas da Penitenciária Feminina Consuelo Nasser (PFCN) para desvendar as formas de produção e reprodução de relações opressoras e excludentes.

Prefácio: Uma Jornada pela Escrevivência e Dororidade

O prefácio, assinado pela renomada professora Luciana de Oliveira Dias, da Universidade Federal de Goiás (UFG), destaca a importância das categorias de pensamento propostas por mulheres negras inspiradoras, Conceição Evaristo e Vilma Piedade. A “escrevivência”, termo cunhado por Evaristo, e a “dororidade”, conceito elaborado por Piedade, permeiam as páginas do livro, proporcionando uma experiência profunda e coletiva.

A escrevivência emerge como uma estratégia política e discursiva de resistência, revelando a urgente necessidade de reparação diante das violências denunciadas. Kamilla, ao dar voz às mulheres negras egressas do sistema penitenciário, desvela histórias de vida marcadas por traumas herdados do período de dominação colonial, instituindo o racismo como sistema de opressão.

A dororidade, por sua vez, surge como uma categoria conceitual capaz de expressar a dor causada pelo racismo estrutural. Este, como destaca Piedade, é histórico, institucional, sociocultural e interpessoal, organizando as relações sociais de maneira hierarquizada e prejudicial à população negra. O livro revela como a dororidade aproxima e irmana as mulheres negras, transformando a dor e o sofrimento em instrumentos poderosos de luta, cura e empoderamento.

Da pesquisa à narrativa

O livro está organizado em três capítulos que abordam as categorias conceituais fundamentais para a compreensão do estudo. No primeiro capítulo, Kamilla apresenta apontamentos sobre as diferentes condições das mulheres, explorando as interseccionalidades de raça, classe e sexualidade. A pesquisa sustenta-se em uma revisão sistemática da literatura, especialmente da teoria social crítica feminista negra.

O segundo capítulo analisa políticas públicas, enfocando a efetivação dos Direitos Humanos e a situação de risco das pessoas egressas do sistema prisional, com ênfase nas mulheres do estado de Goiás. Kamilla realiza uma análise sucinta de documentos relativos à execução penal no Brasil, destacando a necessidade de políticas públicas que garantam a cidadania e direitos humanos.

O terceiro e último capítulo traz uma análise aprofundada dos dados, revelando as narrativas das mulheres entrevistadas e os efeitos da prisão em suas vidas. O enfoque na efetivação dos direitos humanos e na existência individual e coletiva dessas mulheres destaca a urgência de mudanças nas políticas penais.

Leitura fundamental para entender o sistema prisional

A obra de Kamilla Santos da Silva transcende o escopo acadêmico, tornando-se um manifesto pela justiça social. Através das lentes da escrevivência e dororidade, “Sou ex-presidiária! E agora?” proporciona uma oportunidade única de compreender as experiências das mulheres negras brasileiras, promovendo uma interlocução fundamental para a construção de um mundo mais justo, igualitário e radicalmente antirracista.

A leitura recomendada por Luciana de Oliveira Dias é uma chamada à ação, convidando os leitores a se engajarem na transformação de uma realidade marcada pela opressão sistêmica. O livro não apenas informa, mas também inspira a busca por mudanças significativas na abordagem das condições estruturais de desigualdades de raça, gênero, classe e sexualidade.

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