Reconhecer Jerusalém como capital de Israel pode gerar consequências preocupantes
06 dezembro 2017 às 21h31
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Donald Trump contrariou a comunidade internacional, mas cumpriu sua promessa de campanha
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu, nesta quarta-feira (6/12), Jerusalém como capital de Israel. Assim, a embaixada estadunidense no país deve ser, em breve, transferida de Tel Aviv.
Em 1995, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei, denominada “Jerusalem Embassy Act”, que já previa a transferência da embaixada. Entretanto, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama se recusaram a fazê-lo. Durante a campanha presidencial, Trump prometeu pôr em prática aquilo que seus antecessores se negaram, mas não foi levado a sério. Hoje, o republicano cumpriu sua promessa.
Por meio de um vídeo publicado no Twitter, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, agradeceu Donald Trump e pediu para que outros governos façam o mesmo – os Estados Unidos passarão a ser o único país a ter representação diplomática em Jerusalém.
A medida de Trump, contudo, não foi bem recebida pela comunidade internacional. Países como Arábia Saudita, Turquia, França, Alemanha, Egito, Jordânia, Kuwait e Catar se demonstraram contrários, além da União Europeia, da Liga Árabe e do Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres.
Plano de Partilha
Presidida pelo diplomata brasileiro Osvaldo Aranha, a Assembleia Geral da ONU aprovou, em 29 de novembro de 1947, o Plano de Partilha da Palestina. O texto da Resolução 181 prevê a existência de dois Estados – Israel e Palestina – e Jerusalém como corpus separatum sob a administração das Nações Unidas em caráter de regime internacional especial.
Mas tanto Israel quanto Palestina reivindicam Jerusalém como sua capital – no caso palestino, apenas a parte oriental da cidade. No lado ocidental, Israel mantém seus órgãos de governo, enquanto os da Palestina ficam em Ramallah.
Em sua coluna no “Estadão”, o jornalista Guga Chacra defende que Jerusalém mantenha seu status de municipalidade unificada. “Na prática, já é a capital de Israel. Mas a sede da Presidência da Palestina poderia ficar na parte oriental da cidade, com a administração formal palestina ficando em Ramallah. Israel poderia dizer de que Jerusalém é sua capital e indivisível e os palestinos poderiam dizer que a sua capital está na parte oriental da cidade.”
Pai opressor
O escritor israelense Amós Oz, em sua obra “Como Curar Um Fanático”, argumenta que tanto Israel quanto Palestina estão certos em suas reivindicações e, mais do que isso, são dois filhos de um mesmo pai opressor. “A Europa, que colonizou o mundo árabe, o explorou, o humilhou, tripudiou sobre sua cultura, o controlou e usou como um playground imperialista, é a mesma que discriminou os judeus, os perseguiu, os atormentou e por fim os assassinou em massa num crime de genocídio sem precedentes.”
Oz sublinha que, como geralmente acontece nas relações familiares, dois filhos de um pai com essa característica não necessariamente amam um ao outro. Pelo contrário, veem no outro a exata imagem do pai. Em outras palavras, Israel enxerga o antissemitismo na Palestina, que, por sua vez, enxerga o colonizador em Israel.
Cabe, aqui, frisar que semitismo e sionismo (movimento político) são duas coisas diferentes. Dá para ser contra o Estado de Israel sem ser antissemita, pois é perfeitamente possível discordar do governo israelense e, ao mesmo tempo, respeitar os judeus. Neste caso, a designação correta é antissionismo.
Terceira intifada
O cristianismo ocidental tende a ignorar o oriental. Cristãos ocidentais costumam ser favoráveis a Israel – devido a questões bíblicas -, mas se esquecem que, do lado palestino, uma grande parcela da população é cristã, como a ex-prefeita de Ramallah, Janet Mikhail.
No fundo, os cristãos mais fundamentalistas têm ideias parecidas com alguns países conservadores do Oriente Médio, enquanto Tel Aviv, em Israel, é tida como uma das cidades mais liberais do mundo no que tange, por exemplo, às liberdades de homossexuais.
A guerra tem, sim, seus aspectos religiosos. Mas ela não é entre muçulmanos e judeus. É uma guerra entre extremistas. E o extremismo está presente de ambos os lados – vale lembrar que o ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin foi assassinado, em 1995, por um terrorista judeu, e a delegação de Israel foi vítima, nas Olimpíadas de Munique de 1972, de um atentado cometido por um grupo liderado pelo palestino Luttif Afif, filho de mãe judia e pai cristão.
A guerra é também entre identidades nacionais, isto é, nações – palestinos e israelenses, independentemente de suas religiões. Por isso, o ato realizado hoje pelo governo dos EUA não ajuda a alcançar a paz e pode ter consequências preocupantes, como uma eventual terceira intifada.