Relatório divulgado por instituto internacional que monitora o comércio global de armamentos deixa às claras como as potências usam a bilionária indústria bélica para criar zonas de influência

Linha de montagem do caça americano F-35A Lightning II, que será exportado para nove países
Linha de montagem do caça americano F-35A Lightning II, que será exportado para nove países

De acordo com o último relatório produzido e divulgado pelo Stockholm International Peace Research, organização sueca fundada em 1966, que realiza pesquisas científicas em questões sobre conflitos, segurança e paz mundial, os dez países que mais exportaram armas entre o período de 2009 a 2013 foram: Estados Unidos, Rússia, Alemanha, China, França, Reino Unido, Espanha, Ucrânia, Itália e Israel.

O resultado dos estudos demonstra que, mesmo décadas após o término da Guerra Fria, os Estados Unidos e a Rússia — o principal país que compunha o bloco soviético — ainda continuam dividindo a maior fatia do bolo do mercado mundial de armas. Ambos dominam 56% do total. Mais do que isso. Norte-americanos e russos continuam brigando por áreas de influência por meio da prospecção de governos que se tornam clientes dos aparatos bélicos fabricados nos respectivos países.

A novidade é a China que, de 2009 ao ano passado, saiu da condição de grande importadora para brigar com tradicionais exportadores, como França e Reino Unido. Os chineses apresentaram um crescimento de mais de 200% neste tipo de mercado, no curto período de quatro anos.

Estados Unidos

Os Estados Unidos, detentores do maior complexo industrial militar do planeta, foram responsáveis por 29% das armas exportadas e 61% deste volume foi de aeronaves — caças, aviões cargueiros, helicópteros táticos, de ataque e transporte pesado. Os principais parceiros exemplificam a tendência da nova política internacional da Casa Branca que voltou suas atenções para Ásia, mais especificamente para o Pacífico, próximo ao Mar da China. Tanto a Austrália quanto a Coreia do Sul foram os maiores compradores de armas americanas. Cada país adquiriu 10% do total das exportações ianques.

O governo de Camberra, histórico aliado de Washington, importou nos últimos anos 36 caças supersônicos Boeing F/A-18 Super Hornet, seis aviões cargueiros de transporte pesado, Boeing C-17 Globemaster III, seis aeronaves de alerta aéreo antecipado, Boeing 737 AEW&C, e participam do programa de desenvolvimento e aquisição do caça de 5ª geração Lockheed Martin F-35A Lightning II. Foi assinado o contrato de aquisição de 100 células destas aeronaves de combate de última geração.

Para a força terrestre australiana foram comprados dos Estados Unidos 60 tanques pesados M1A1 Abrams, carro de combate padrão do Exército e Fuzileiros Navais americanos. Armas levas, explosivos, sistemas de mísseis e equipamentos de uso individual também fazem parte do inventário importado dos Estados Unidos. Somado a isto, milhares de munições, dezenas de sistemas de radares e sensores remotos de origem americana foram incorporadas às belonaves da frota da Real Marinha Australiana.

A Coreia do Sul, que vive há décadas um litígio militar com a vizinha Coreia do Norte, sempre foi uma tradicional cliente das empresas armamentista dos Estados Unidos. Nos últimos anos, os asiáticos incorporaram à suas forças armadas cerca de 60 caças Boeing F-15 Strike Eagle. Também foi encomendada a frota de meia dúzia de aviões radares Boeing 737 AEW&C. Armas leves, mísseis ar-ar, terra-ar, ar-superfície e terra-ar-terra representaram grande parte das importações sul-coreanas.

Canadá, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Japão, Taiwan, Israel, Turquia, Itália, Espanha, Colômbia, Singapura, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Índia, Polônia, Chile, Egito, Paquistão, Marrocos e México fazem parte do grupo de grandes compradores de armas de origem americana.

Boeing FA-18 Super Hornet com as cores da Real Força Aérea Australiana
Boeing FA-18 Super Hornet com as cores da Real Força Aérea Australiana
Rússia

A indústria bélica é tão importante para a economia russa que depois do gás natural e petróleo, as armas são os principais itens de exportação. Não por acaso que o fuzil de assalto mais fabricado e comercializado no mundo é o Kalashnikov AK-47.

Curiosamente, os maiores clientes do portfólio de armas russas são a Índia (38%) e China (12%). Ambos são integrantes dos BRICs — bloco formado pelas maiores economias emergente, Brasil, Rússia, Índia e China — e rivalizam pela supremacia econômica e geopolítica na Ásia, com aspirações de influência global.

A inclinação indiana em comprar armamento de origem russa se deu pela necessidade de contrabalancear o alinhamento militar do Paquistão aos Estados Unidos e China. Os paquistaneses, vizinhos ao oeste, são rivais beligerantes dos indianos por conta da disputa territorial travada pelo domínio da região fronteiriça da Caxemira. Válido lembrar que tanto Índia quanto Paquistão possuem armas nucleares.

Os chineses também viram em Moscou uma saída para o embargo de armas imposto pelos americanos ao regime de Pequim. Tanto indianos e chineses importam dos russos armas leves em geral — fuzis, pistolas, munições e rádios comunicadores —, blindados leves, tanques, caças supersônicos (MIGs e Sukhois), aviões de transporte e alerta aéreo antecipado, helicópteros de transporte e ataque, sistemas de bateria antiaérea, mísseis, radares, submarinos e porta-aviões.

A Rússia também presta suporte comercial de armas ao regime bolivariano da Venezuela e ao governo do presidente sírio Bashar al-Assad. O Brasil importou dos russos neste período, baterias antiaéreas portáteis por soldados (Igla-S) e uma dúzia de helicópteros de ataque do modelo MI-35, atualmente em operação na Amazônia baseados na Base Aérea de Porto Velho-RO.

O falecido Mikhail Kalashnikov ao lado de sua criação o fuzil de assalto Ak-47
O falecido Mikhail Kalashnikov ao lado de sua criação o fuzil de assalto Ak-47
Alemanha

Os alemães foram responsáveis por 7% das armas exportadas. Os principais parceiros foram os Estados Unidos (10%), Grécia (8%) e Israel (8%). Os americanos são grandes apreciadores de pistolas, fuzis, rifles, metralhadoras e submetralhadoras alemãs da marca Heckler & Koch (HK). As principais unidades de forças especiais — Seals Navy, Comando Delta e Marines-Recon — se utilizam largamente destes artefatos de origem germânica.

Os gregos têm uma planilha diversificada de importação de armas da Alemanha, como tanques pesados do Tipo Leopard 2, caminhões militares, obuseiros, submarinos, foguetes, mísseis e as tradicionais armas leves. À exemplo dos americanos, os israelenses também são assíduos importadores de fuzis e metralhadoras alemãs que são empregados em suas forças armadas e de segurança. Apesar de se posicionarem na terceira colocação, atrás de Estados Unidos e Rússia, o volume das exportações da Alemanha diminuíram 24% em relação ao período 2004-2008.

O Brasil importou dos alemães mais de 200 tanques pesados do tipo Leopard 1A5 e sistema de baterias antiaéreas do sistema autopropulsado Gepard 1A2.

China

A China é responsável por 6% das armas exportadas e o volume exportado subiu 212% em relação ao período 2004-2008. Os principais destinos das armas de fabricação chinesa são: Paquistão (47%), Bangladesh (13%) e Mianmar (9%).

Os paquistaneses são mais do que compradores de armas chinesas, eles mantém uma parceria de longa data no processo de desenvolvimento e fabricação de tanques, blindados, bombas, mísseis e caças, como o supersônico FC-1. O governo paquistanês forma com a China um muro de contenção geopolítico e militar contra a Índia, grande rival de ambos e a maior motivadora da aliança sino-paquistanesa. Bangladesh e Mianmar, também por motivos estratégicos, são grandes importadores de armas leves, aviões, caças e radares da expansiva indústria bélica chinesa.

Bolívia e Venezuela, países sul-americanos do bloco bolivariano, recentemente compraram da China jatos (K-8) subsônicos de treinamento avançado.

França

A França foi responsável por 5% das armas exportadas e o volume exportado teve queda de 30% em relação ao período 2004-2008. Os principais parceiros foram a China (13%) e Marrocos (11%). Aviões (caças), helicóptero, mísseis, foguetes, blindados leves sobre rodas, navios e submarinos são os principais produtos da indústria bélica francesa exportado a outros países.

O Brasil tem contrato com a França na construção de submarinos convencionais e de propulsão nuclear para a Marinha e a fabricação, em solo brasileiro, de 50 helicópteros de transporte (EADS-Helibras EC-735 Cougar) para as forças armadas brasileiras. Ambos os contratos somam mais de R$ 6 bilhões.

Reino Unido

Outrora grande exportador de armas, o Reino Unido é responsável por 4% dos artefatos exportados, a mesma proporção do período 2004-2008. Os principais clientes são o Reino da Arábia Saudita (42%) e os Estados Unidos (18%).

Recentemente, os sauditas compraram dos ingleses 72 caças supersônicos Eurofighter Typhoon e 22 jatos subsônicos de treinamento avançado e ataque BAe Hawk — válido lembrar que em encomendas bilionárias como esta também se negocia uma gama de mísseis, bombas, munições, manutenção da aeronave e peças sobresselentes. Mísseis anti-tanque de fabricação britânica foram largamente exportados para o exército do país árabe.

Espanha

Os espanhóis foram responsáveis por 3% das armas exportadas e teve um aumento de cerca de 80% no volume exportado em relação ao período 2004-2008. Os principais destinos os produtos militares “made in Spain” são: Noruega (21%) e Austrália (12%). Destaque para os aviões militares de transporte médio e de patrulha marítima.

Em 2008, a Austrália encomendou estaleiro espanhol Navantia, dois navios de assalto/porta-helicópteros por € 990 milhões. As belonaves possuem capacidade para operar até seis helicópteros táticos/transporte NH90 ou quatro helicópteros pesados CH-47 Chinook em seu convés de voo. A marinha australiana poderá utilizar aviões de decolagem curta e pouso vertical F-35B. Além das capacidades aeromóveis, estes navios foram projetados para operações anfíbias, podendo receber até 1.000 soldados e aproximadamente 110 veículos, incluindo tanques pesados.

Ucrânia

A Ucrânia, que nos últimos dias teve voltada para si a atenção do mundo por conta da crise com a Rússia, foi responsável por 3% das armas exportadas e teve aumento de cerca de 75% no volume exportado em relação ao período 2004-2008. Os principais parceiros foram a China (21%) e Paquistão (8%).

Os ucranianos negociaram com os dois países asiáticos armas leves, materiais de artilharia, blindados leves sobre rodas, barcos anfíbios de assalto do tipo hovercrafts, tanques modelo T-80, mísseis e tecnologias militares sensíveis. Depois do colapso soviético, os ucranianos herdaram um grande acervo de armas e conhecimento e técnicas aeronáuticas avançadas em guiagem de mísseis, foguetes e aviões de transporte pesado e estratégico.

Itália

Os italianos fabricaram 3% do total de armas exportadas, o que incluiu polêmicos envios para a Líbia ainda na época de Kadafi. Atualmente os principais parceiros são a Índia (10%) e Emirados Árabes Unidos (9%). Aviões de transporte médio, fragatas, blindados e sistemas de mísseis são os produtos mais exportados para os dois países asiáticos.

Israel

Israel é responsável por 2% das armas exportadas e já foi acusado de não divulgar todos os seus acordos. Os principais destinos de armas israelenses são a Índia (33%) e Turquia (13%). Os principais produtos exportados são armas leves (fuzis, pistolas e metralhadoras), mísseis, sistemas de vigilância e controle e aviões espiões não tripulados.

E o Brasil?

Até o final da década de 80, o Brasil foi um grande exportador de armas, principalmente para países vizinhos, do Oriente Médio — Iraque e Arábia Saudita — e África. Com o fim da Guerra Fria e sucessivas crises financeiras que se abateram no País, a indústria bélica nacional quase foi extinta.

Embraer A-29 Super Tucano nas cores da Força Aérea Colombiana
Embraer A-29 Super Tucano nas cores da Força Aérea Colombiana

No início da década de 2000, porém, houve o renascimento da indústria militar brasileira. Diferentemente de seu período áureo, em que eram exportados blindados, sistemas de artilharia e de lançamento múltiplo de foguetes, atualmente os principais produtos comercializados pela cadeia produtiva militar brasileira são aviões leves de combate (A-29 Super Tucano) e de vigilância e sensoriamento remoto (Emb-145 AEW), ambos fabricados pela Embraer.

Os aviões turboélices Super Tucanos — considerada a melhor aeronave do mundo para missões de ataque leve, reconhecimento e contra-insurgência — foram exportados nos últimos anos para Colômbia, Chile, República Dominicana, Equador, Mauritânia, Indonésia, Burkina Faso, Senegal e Estados Unidos.

Os Emb 145 AEW, jatos equipados com um potente radar de alerta aéreo antecipado, inteligência e sensoriamento remoto, foram vendidos para a Índia, Grécia e México.

Outro setor que merece menção é a indústria brasileira de armas leves, como a empresa gaúcha Taurus que exporta em grande quantidade pistolas, revólver, escopetas, metralhadoras e carabinas. Produtos da marca têm compradores cativos nos Estados Unidos, tanto por civis quanto por forças policiais. A estatal Imbel, que produz fuzis para as Forças Armadas e para exércitos de dezenas de outros países, tem aumentado sua participação no mercado mundial de armas leves.

Outras duas empresas brasileiras que merecem ser lembradas é a Avibras e Mectron. A primeira produz lançadores múltiplos de foguete (Astros II) que foram exportados em grande escala para Arábia Saudita, Malásia, Indonésia, Angola, Catar, Bahrein e Iraque. Já a segunda corporação se destaca pelo desenvolvimento e fabricaçãode mísseis ar-ar de curto alcance (MAA-1 Piranha), bastante comercializado para o Paquistão.

Além do MAA-1 Piranha, há outros mísseis projetados pela Mectron que deverão angariar uma boa fatia no mercado internacional, tais como: MSS-1.2, arma anti-tanque com guiagem à laser, usado em combates à curta distância; MAN-1, míssil antinavio de 60-70 km de alcance desenvolvido pela Mectron em parceria com a Marinha do Brasil; MAR-1 míssil tático do tipo ar-superfície, anti-radiação de médio alcance, com guiamento passivo por radar e o SCP-01, sistema de radar projetado para ser instalado a bordo do caça subsônico de ataque ítalo-brasileiro AMX para operar como sensor principal de seu subsistema de armamentos.