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Alisson Azevedo

Desde que o homem deixou de ser nômade, quase sempre que se muda é para fugir da falta de água, de víveres, de paz e, bem mais recentemente, pra fugir do tédio. Vim para Brasília para fugir do tédio; saio de Brasília para fugir do caos. Brasília não tem esquina. Essa é uma daquelas verdades triviais que dão em boa metáfora. Para quem veio de Goiânia, com suas quadrinhas sob medida pra pedestre preguiçoso, essa verdade dói nos calcanhares – agora sem metáfora. Mas a metáfora, para quem veio de Goiânia, com seu “à vontade”, seu “bem ali”, seu “deix’eu te falar”, dói mais ainda. Brasília não tem esquina, mas tem céu. “Céu de Brasília / Traço do arquiteto / Gosto tanto dela…”

Podendo ela ser a própria Brasília, a mulher para quem Niemeyer desenhou suas curvas, ou ainda uma daquelas deliciosas elipses de Djavan, de quem roubo os versos. Mas Brasília anda cada vez mais prosa e menos poesia. E prosa ruim. A narrativa da política oscila entre o caos e o tédio, e parece não haver sinal de equilíbrio no horizonte. Aliás, estes são tempos duros: estão pouco ligando para as sutilezas do olhar — e menos ainda do horizonte.

Minha formação política foi nos anos 90 e naquela época eu não poderia imaginar que sentiria saudade da polarização PT versus PSDB. O PSDB perdeu o sotaque da USP, o PT perdeu o sotaque da Teologia da Libertação, e ambos deram o PMDB de presente ao Brasil.

Pobre presente, triste Brasília. Mas gosto tanto dela! Brasília não tem esquina. E a distância — ou melhor, o distanciamento que disso resulta — tem seu quê de cortesia, de civilidade, de cosmopolitismo. Em Brasília, aprendo, se trabalha muito (apesar de uns poucos…).

Dia a dia, governo a governo, a capital do poder aprende a respeitar o espaço público e a preservar a esfera privada. Anfitriã dos três Poderes de uma frágil República, Brasília está mais suscetível à pressão e à vigilância. Talvez por isso alguns bons frutos da Constituinte dos já distantes 1987/88 sejam mais maduros por aqui. Concursos públicos para valorizar o mérito, cotas para equiparar as oportunidades, carros oficiais menos notívagos. Esses são alguns dos sintomas republicanos já comuns em Brasília, mas ainda pouco notados e sentidos pelo Brasil grande — e profundo.

Brasília não tem esquina. Mas tem entorno. E seu entorno é onde o povo mora — e ninguém vai a passeio. Não há República no entorno de Brasília. Fora do Plano — e sem plano de voo —, a capital da República dá lugar à miséria, à violência, à barbárie. E há muito de Goiás no entorno de Brasília. Um Goiás miserável, violento, bárbaro. Mas talvez esse seja o calcanhar de Aquiles da nossa ufanista goianidade.

Alisson Azevedo é servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO)

 

“Falcão merece estar no panteão dos craques”

Talmon Pinheiro Lima

Palavras de Maradona sobre Falcão: “Um líder. Você o via fora de campo e ele parecia um médico, mas quando colocava o calção sabia muito bem o que fazer com a bola. Foi campeão com a Roma, o que não é pouca coisa.” Não tem como discordar desse gênio da bola. Adoro falar sobre o Falcão, afinal é meu ídolo no futebol. Situá-lo como um mero volante é reduzir o tamanho e a importância do seu futebol. Falcão e Cerezo foram os primeiros meio-campistas brasileiros que assimilaram a revolução trazida pela Holanda de 74. Jogavam um futebol total: defendiam, atacavam, lideravam, faziam gols, utilizando-se de um estilo e classe jamais vistos no futebol brasileiro.
A elegância de Falcão em campo era imperial. Parecia um kaiser, a exemplo de Becken­bauer, outro “finesse” da bola. Eu o vi jogando duas vezes no Estádio Serra Dourada, naquele time mítico do Inter de 75/76 que foi bicampeão brasileiro. Na seleção de 82, foi o expoente em um time de craques como Zico, Sócrates, Cerezo, Junior e Luizinho. Ele, sim, foi um cracaço. Merece um panteão ao lado de outros dois grandes da “zona de inteligência”, como diziam os experts de antanho: Didi e Gérson. [“O volante que parou e provocou expulsão de Pelé”, Jornal Opção 2035]

Talmon Pinheiro Lima é advogado.

 

“A morte anunciada do PM e a ausência do Estado”

Jeblin Abraão

A morte do sargento PM Uires Alves da Silva em Itacaiu, distrito de Britânia, é aquilo que se pode dizer ser uma “morte anunciada”. A única coisa desta tragédia é que não se conhecia qual seria a vítima da vez e que seria filmada pelo celular — grande invenção deste início de século — de uma pessoa comum, daí todos tomarem conhecimento do que ocorreu.

No caso dessa tragédia, os ingredientes estavam todos juntos: álcool, som alto, ausência de elementos essenciais do Estado (esfera estadual e esfera municipal), legislação pífia sobre os direitos da comunidade, Judiciário totalmente ausente das demandas da comunidade e mais outros itens. A única presença do Estado nestes ca­sos tem sido a da Polícia Militar.

Aqui, em nossa região — entorno do Campus Samam­baia, da Universidade Federal de Goiás —, quem tentou ligar para a Amma para reclamar de som, suposta responsável pela qualidade do meio ambiente, conseguiu falar com alguém? Quem conseguiu teve algum resultado?
Há uma Delegacia Estadual do Meio Ambiente, mas parece ser apenas uma para todo o Estado. Poucos sabem da sua existência; você já viu alguma ação desta delegacia? Ela tem pessoal para isso? Relata um funcionário da Amma que, quando um fiscal vai autuar um estabelecimento comercial, aí podem autuar e entrar no ambiente, por som alto. Só que, antes de chegar ao local, recebe ligação de vereador, do presidente da Amma [Agência Municipal do Meio Ambiente], de seu chefe imediato, com a contraordem. Aliás, quem financia as campanhas eleitorais de quase todos nossos políticos eleitos?

Tem um abaixo assinado circulando em nossa região solicitando às “autoridades” providência contra o abuso do uso de som muito alto. Quan­tos assinaram? “Quem tem que fazer alguma coisa é sempre o outro eu não me envolvo com isto…”.

Jeblin Abraão é professor aposentado da Universidade Federal de Goiás.