Thiago Costa*

O governo federal não tem demonstrado qualquer intenção de avançar no processo para o Brasil aderir à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Para integrar o “grupo dos países ricos” é necessário mais do que vontade, mas também muita disposição.

Mesmo não sendo membro, o Brasil é signatário de diversos instrumentos legais elaborados pela entidade, dentre os quais a importante Convenção Contra o Suborno Transnacional.

Neste mês, o Grupo de Trabalho da OCDE que avalia a implementação dessa convenção publicou o seu relatório sobre a atual situação do Brasil perante a prática de suborno. A avaliação concentrou-se em três temas: detecção, aplicação do delito de suborno estrangeiro e responsabilidade corporativa.

No presente artigo, quero tratar especificamente sobre o que a OCDE alegou acerca da responsabilidade corporativa, o que inclui a responsabilização das pessoas jurídicas, as sanções a elas aplicadas e a implementação de programas de compliance.

O primeiro ponto é que, apesar de já ter recomendado em outra oportunidade a responsabilização criminal da pessoa jurídica por atos de corrupção — assunto que já tratei em outro artigo —, o Grupo de Trabalho considerou que as responsabilizações civil e administrativa têm dado conta do recado, mostrando-se eficazes.

Criticou-se, por outro lado, o fato de a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) não abranger, expressamente, a infração de lavagem de dinheiro dos valores obtidos por meio dos atos de corrupção (artigo 7º da Convenção), bem como a infração de contabilidade falsa (artigo 8º da Convenção). Qualquer responsabilização das empresas nesse sentido precisaria se valer de um esforço interpretativo daquelas já previstas.

Ainda assim, a mesma lei foi elogiada pelo fato de não exigir que o ato ilícito seja praticado por parte da gerência ou outro representante oficial da empresa. Ou seja, mesmo que o corrupto seja alguém fora da direção, a pessoa jurídica continuará sendo responsabilizada, nos termos do artigo 3º da Lei Anticorrupção.

Outra crítica se refere ao artigo 25, inciso II, do Decreto 11.129/2022, o qual dispõe que o valor máximo da sanção de multa será o menor entre “três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida” e “20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR [Processo Administrativo de Responsabilização]”.

Na prática, o percentual previsto é maior do que “três vezes o valor da vantagem”. Isso faz com que quase nunca a pena de multa seja calculada em razão do faturamento, para alegria dos criminosos. Os avaliadores recomendaram, então, que o Brasil mude o critério de menor para o maior valor, uma vez que o triplo do lucro ilicitamente adquirido não seria suficiente para punir a empresa.

Criticou-se, também, a limitação da responsabilidade das empresas que passarem por reorganização societária, isto é, alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão. Nesses casos, a Lei Anticorrupção estabelece que a empresa sucessora responderá somente no tocante à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido (art. 4º, §1º).

Essa responsabilização que se limita ao valor transferido é considerada branda pelos avaliadores. Para eles, o limite pode fazer com que tais empresas sucessoras não suportem qualquer prejuízo, tendo apenas que restituir o valor ilicitamente obtido. Seria incentivo à corrupção.

Elogiou-se o inciso IV do artigo 45 do Decreto nº 11.129/2022, que, além de condicionar a celebração do acordo de leniência à implementação de um programa de compliance, ainda prevê prazo de monitoramento. O relatório menciona o acordo celebrado entre a Controladoria-Geral da União (CGU) e a empreiteira OAS (empresa alvo da “Operação Lava-Jato”). Nele, ficou estipulado um período de monitoramento de três anos, além da obrigatoriedade de obter ISO 37.001 durante dois anos.

Além disso, o relatório elogia os esforços da CGU para incentivar que as empresas implementem programas de compliance. Cita-se, por exemplo, o “Manual Prático para Avaliação de Programas de Integridade em Par” lançado pelo órgão. Também é mencionada a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que, nas contratações de serviços e fornecimentos de grande vulto, obriga o licitante vencedor a implantar o sistema de conformidade em seis meses (art. 25, §4º).

Em suma, ao mesmo tempo em que elogia a CGU pelas melhorias, os avaliadores recomendam que o Grupo de Trabalho da OCDE acompanhe eventuais esforços para aumentar a conscientização do setor privado sobre riscos de suborno e para a promoção do compliance anticorrupção.

O relatório menciona, negativamente, a decisão monocrática proferida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação nº 43.007/DF. Toffoli anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência celebrado entre a CGU e a empreiteira Odebrecht. Sua sentença ainda será julgada em plenário, podendo ser mantida ou reformada.

Entre erros e acertos, ações e omissões, o Brasil tem chamado a atenção do mundo quando o assunto é corrupção. E, como visto, a responsabilização das empresas é um dos principais critérios que têm sido avaliados, o que evidencia a relevância do setor privado para o combate a essas irregulariades. Resta-nos aguardar se o relatório da OCDE repercutirá positivamente perante as autoridades nacionais.


*Thiago Costa dos Santos, mestre em Direito Constitucional, integra o escritório Demóstenes Torres Advogados, nas bancas de Compliance e Direito Penal Econômico.