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Fred Le Blue Assis (doutor Planejamento Urbano e idealizador do GT GYN 2030), especial para o Jornal Opção

O procedimento administrativo do Ministério Público para fiscalizar a política de arborização urbana em Goiânia, após denúncias de arbitrariedades nas podas irregulares e na retirada de árvores em diversos pontos da cidade, é uma medida constitucional acertada, porque é prerrogativa ministerial a tutela dos direitos humanos difusos e coletivos, como é a proteção do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Talvez, por isso, não possamos chamar a política de arborização de “política”, no sentido de políticas públicas eficientes e racionais; talvez devêssemos chamá-la de desarborização, porque, ao podar o verde urbanizado, não se parte da premissa de que as árvores são seres detentores de direitos e memórias, que devem ser respeitadas e cultivadas. Só complemento que o MP deveria apurar também esse procedimento de reengenharia infraestrutural que resultou na diminuição de algumas praças com árvores e gramas, para permitir mais espaço para carros circularem.

Goiânia ainda pode ser considerada uma capital verde diante das podas e remoções recentes? Em função do paradoxo de sermos uma capital ecologicamente correta, mas que não tem empreendido um esforço proficiente em matéria de educação ambiental, falta à maioria dos concidadãos goianienses a compreensão holística sociobiológica de que a cidade não é isolada do meio ambiente, mas sim parte integrante da natureza e que, quanto mais refratário ao verde for o ambiente construído, maior será o aquecimento global e seus efeitos deletérios, como as mudanças dos ciclos das chuvas, que causam enchentes.

E como o corte e as podas parecem fazer parte de uma política maior de desambientalização da cidade, que tem resultado na diminuição de praças, o resultado é que o sistema de drenagem urbana pode ficar ainda mais comprometido.

A despeito de toda ingerência com o patrimônio verde, com 32 parques e bosques e 1 milhão de espécies vegetais, Goiânia ostenta o título, recebido em 2023, de capital global certificada pelo “Tree Cities of the World” da Arbor Day da FAO/ONU, com base no critério de responsabilização com árvores urbanas, construção de políticas de arborização, avaliações de árvores e florestas, orçamento anual e celebração de conquistas.

Segundo o IBGE, somos a segunda capital mais arborizada do Brasil, com 89,6% de moradias com árvores em seus logradouros. Mas precisamos garantir que as áreas abertas de verde urbanizado na periferia tenham as mesmas condições de urbanidade das do centro. E, fora dos parques, é preciso considerar que cada árvore, cada grama ou capim contribui, à sua maneira, para o desenvolvimento urbano sustentável no tocante ao microclima e à drenagem urbana. Vidas verdes importam!

O caso da Marginal Botafogo é capcioso, porque a justificativa da prefeitura, por meio da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) e com respaldo da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), para a supressão de mais de 700 árvores na Marginal Botafogo foi justamente a de que essa medida seria uma estratégia de drenagem urbana para solucionar problemas crônicos de alagamento na região. A retirada das árvores seria necessária para a segurança viária e para viabilizar as obras de drenagem e ampliação do leito da marginal, visando acabar com os constantes alagamentos.

Para além disso, foi apresentado Laudo Técnico, tecnicamente xenófobo, pela Comurg, alegando que muitas das árvores seriam “invasoras”. Tal procedimento ignora a vocação natural e o projeto original da Marginal Botafogo, que é o de ser um Parque Linear. Nesse sentido, deveria é plantar mais árvores, em vez de culpá-las pela precariedade de um projeto mal concebido e um equipamento mal conservado, como é a marginal.

Ademais, qualquer intervenção infraestrutural deveria ser pautada somente após a conclusão do Plano Diretor de Drenagem Urbana de Goiânia, que apontará os parâmetros para a esperada obra de construção de bacias de contenção (reservatórios) para reduzir a vazão da água em períodos chuvosos.

Há também que se considerar os impactos urbanos e climáticos da substituição de áreas verdes por obras e pavimentação. Na prática, a falta de áreas verdes e o aumento dos potenciais construtivos dos terrenos (outorga onerosa do direito de construir) diminuem a permeabilidade do solo, o que tende a comprometer a drenagem urbana no período de enchentes. Nesse ponto, é preciso salientar que a atual gestão está caminhando na direção oposta de um urbanismo sustentável, porque parte de diretrizes automóvel-cêntricas de priorizar o transporte particular, em detrimento do coletivo e de modais de mobilidade urbana mais limpos.

O direito ao meio ambiente tem sido violado sistematicamente pela prefeitura, porque ela o subjuga a uma compreensão igualmente limitada do direito de ir e vir, como sendo sinônimo de fluidez no trânsito e velocidade automotiva. O Projeto de Desobstrução de Vias Arteriais diminui a geometria e o tamanho de praças no cruzamento das avenidas 85 e 136 e também T-9 e 85, no Setor Marista, com ampliação de terceira faixa.

Na contramão de uma perspectiva de cidades para pessoas e do Estatuto do Pedestre — que defende, na verdade, a prioridade da pedestrização como política pública de mobilidade, e do pedestre em relação aos veículos maiores —, tais medidas não irão resolver o problema do trânsito, porque, ao privarem a cidade de espaço público de circulação de pessoas e de drenagem de chuva, só contribuem para que as pessoas se sintam desprestigiadas e desprotegidas sem um carro. Quanto mais espaço para carros, mais espaço para carros precisaremos. Preferia o tempo em que Goiânia era conhecida pelos seus canteiros de jardim de cores mil (gestão do prefeito Nion Albernaz) e não por caminhonetes que mal passam no portão das garagens dos prédios.

As sementes de uma política de arborização sustentável foram lançadas com o Plano Diretor de Arborização e a comemoração dos 90 anos de Goiânia, quando foram supostamente plantadas 90 mil mudas de árvores nativas, apesar de que, nas áreas vicinais do Paço Municipal, ainda caibam muitas árvores nos quase infinitos descampados da paisagem. Desse modo, cabe ao poder público atual não podar os galhos produtivos da gestão anterior.

Na perspectiva da flora, 100 anos são pouco tempo, porque uma árvore pode viver mais tempo do que nós e, de certa forma, elas também contribuem para a memória geoafetiva e a orientação espacial dos lugares, para além dos seus serviços ecossistêmicos, dos quais a sombra é o mais reconhecido, inclusive por trabalhadores que, por vezes, não entendem ou não se interessam por assuntos de ecologia.

As árvores também servem de inspiração para práticas recreativas, artísticas e esportivas, devendo ser consideradas como cidadãs da cidade, mesmo que não votem e tenham que servir, por vezes, de anteparo para os dejetos de animais. O ideal é que sejam incentivados projetos de educação ambiental, inclusive de agroecologia, que ensinem os cuidados básicos para semear plantas, flores e mudas. Somente assim, ao cuidar de plantas em casa e aprender com seus ensinamentos cotidianos, é que os moradores da cidade passarão a ver o verde como patrimônio não só natural, mas também cultural.

Uma prática que também costuma disseminar um grande despertar para os valores da sustentabilidade e da cultura de paz é a das hortas urbanas, que incentivam a plantação comunitária de plantas medicinais e nutricionais, colaborando para uma sociabilidade urbana mais gregária (pracialidade e boa vizinhança).