Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

Não é segredo, para ninguém, a vontade política expressa pelo governador Ronaldo Caiado (União Brasil) de expulsar a Enel do território goiano. O articulista que aqui escreve, com mais de 35 anos de experiência no setor energético, sete livros escritos, sendo quatro deles referentes a questões relacionadas à energia e ao desenvolvimento, não só concorda, como também aplaude a atitude republicana do governo Ronaldo Caiado de enfrentar, dentro do Estado Democrático de Direito, essa multinacional.

O governador sente na pele o que é lidar com uma empresa que desconsidera por completo o processo de desenvolvimento do Estado de Goiás. Intenciono, neste artigo, demonstrar, ante o não cumprimento das metas estabelecidas pelo órgão regulador, a necessidade de a Enel encerrar, de uma vez por todas, suas atividades no território goiano. Para isso, voltemos nosso olhar para a avaliação da estrita relação existente entre a energia e o desenvolvimento.

Quem muito contribuiu para o avanço do entendimento desse assunto já não está entre nós. Falo do pesquisador Sérgio de Salvo Brito. Em seus estudos, ele constatou a existência de uma espécie de acordo não assinado entre a matriz capitalista e as colônias subdesenvolvidas. Para a boa compreensão dessa relação, veja-se o caso da construção de uma das mais importantes usinas hidroelétricas do país — a de Tucuruí.

Naquele tempo em que o Estado empresário construía grandes usinas hidroelétricas houve muita resistência por parte da sociedade organizada contra a construção de Tucuruí. No calor dos debates para o convencimento da população, os defensores desse empreendimento, astutamente, argumentavam que a energia produzida por Tucuruí daria um impulso considerável no desenvolvimento da região, pois a chegada da eletricidade livraria milhões de brasileiros da imensa escuridão de uma região de dimensões continentais como é o ainda deserto Estado do Pará.

Resultado: entre os prós e contras, Tucuruí foi, enfim, construída. A partir daí são oportunos os questionamentos da seguinte ordem: a energia oriunda dessa usina serviu de fato para quê? Para quem?

Eis a resposta: serviu, primordialmente, para saciar a fome sem fim de um dos consumidores eletrointensivos: a indústria de alumínio exportadora para megamercados, como é o caso do Japão. E a população melhorou a sua qualidade de vida? Certamente, milhares de famílias residentes naquela região continuaram a viver na escuridão típica das regiões subdesenvolvidas. Por essa, a energia de Tucuruí, que deveria induzir o desenvolvimento da região, apenas, reforçou seu subdesenvolvimento. Passados tantos anos, a região não mudou o patamar do seu desenvolvimento. Estabeleceu-se, assim, um pacto colonial da seguinte ordem: a colônia exporta matéria-prima altamente agressiva ao seu meio ambiente para a metrópole; e esta gera poucas divisas para a colônia. Eis aí um bom exemplo do que esse pacto produz: limitado crescimento econômico sem desenvolvimento.

É exatamente um pacto não institucionalizado semelhante a esse que atrela a colônia (Estado de Goiás) à metrópole localizada em Roma, sede da Enel.

Visto por esse olhar, podemos entender perfeitamente a natureza do pacto colonial existente entre nós: a colônia produz energia, que gera divisas para a metrópole; e esta, ante os bilhões gerados pelos enormes ganhos de gestão produzidos na sua filial periférica, são remetidos, sem repartir com filial, como manda a lei, para sede italiana. Resultado: a metrópole italiana se apropria inteiramente do excedente gerado por pela Enel goiana. E mais grave: a energia gerada pela multinacional instalada em território goiano atende, apenas parcialmente, ao crescimento econômico — desconsiderando por completo o desenvolvimento do Estado.

Posto isso, volto a analisar a vontade política do governo de querer expulsar a Enel do território goiano. O governador é inegavelmente um homem de grande inteligência. Bem poucas pessoas enxergariam o que de fato ele percebeu: o lado predador de um pacto que vai muito além de cobrar o cumprimento das metas estabelecidas pelo órgão Regulador do Setor Elétrico Nacional: a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Expulsar quem insiste em nos manter subdesenvolvidos requer um enfrentamento que só a grande política é capaz de fazer. Vamos, pois, apoiar um governo que está procurando enfrentar um problema herdado. Quanto a mim, na condição de formador de opinião, sei a quem vou direcionar meu voto: Ronaldo Caiado para governador e Delegado Waldir Soares para senador.

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor do livro “O Capitalismo Mundial e a Captura do Setor Elétrico na Periferia.”