Metade dos pilotos brasileiros sentem fadiga, mas não relatam a seus superiores por medo
28 abril 2023 às 16h38
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por Ycarim Melgaço*
Após um longo período de lockdown, acarretado pelo covid-19, ao deixar milhares de aeronaves em solo e muitas dívidas no “ar”, já a partir de 2022, com uma demanda reprimida, a aviação vem tentando decolar e deixar para trás esse período tenebroso. O maior desafio para a sobrevivência constitui na busca por reverter os prejuízos.
Nesse contexto, desponta um item imprescindível, isto é, a segurança do trabalho que envolve diretamente a tripulação. Assim, os direitos trabalhistas dos aeronautas, previstos na Lei n. 13.475/2017, conhecida por Lei do Aeronauta, normatizada pelos Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil (RBAC) nº 117, cuja exigibilidade passou a valer a partir de fevereiro de 2020, deverão passar em breve por uma revisão pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), pois, em face dos lockdowns, os tripulantes não puderam vivenciar com mais profundidade essa nova regulamentação, que trata, entre outros, dos limites de jornada e horas de voo.
Portanto, chegou o momento dessa revisão, e o Sindicato Nacional da Aviação (SNA), com o intuito de apresentar um diagnóstico da situação, aplicou um questionário e, em 24 de fevereiro de 2023, foi publicado o diagnóstico, uma vez que a tripulação pôde expor os níveis de fadiga durante a jornada de trabalho.
Segundo o SNA, trata-se de uma oportunidade para os aeronautas evidenciarem pontos importantes sobre o gerenciamento dos riscos, tendo em vista a fadiga na aviação e, dessa forma, contribuírem com a segurança de voo no país.
Na pesquisa, 4.359 tripulantes responderam ao questionário, sendo 50,36% aeronautas da Latam, e o restante divide-se entre a empresas Azul, 26,91% e Gol, 19,29% e outras empresas menores. Os resultados apontam um alerta com dados preocupantes.
Segundo a pesquisa, 50,48% de tripulantes sentiram-se cansados, 50,07% discordam do gerenciamento de risco e 74,44% afirmaram que as empresas não fornecem alimentação adequada. Dos resultados apenas com a Latam, 58,95% dos funcionários afirmaram ter tido sono durante o trabalho e 46,06% já apresentaram sinais de exaustão três ou mais vezes por semana. Além disso, 95,95% dos entrevistados sentiram sinais de fadiga e não relataram a seus superiores por medo de perda do vínculo.
Ainda na pesquisa, constatou-se o seguinte: 40,6% estão esgotados, 50,48% cansados, 43% usaram melatonina para dormir nos últimos três meses e 19% usaram álcool para dormir. Outros 36% ingeriram cafeína e energéticos, enquanto 50% disseram não considerar que a empresa, no caso, a Latam não faz uma boa gestão no risco de fadiga. Por fim, 97% afirmaram que não conseguem descansar durante o tempo em solo no aeroporto.
E por falar em fadiga, de acordo com a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), é um estado fisiológico de redução da capacidade de desempenho mental ou físico resultante da falta de sono, vigília estendida e/ou atividade física, podendo prejudicar o estado de alerta e a habilidade de operar com segurança uma aeronave ou desempenhar tarefas relativas à segurança.
Principais fatores contribuintes para a susceptibilidade de fadiga
Poderíamos citar algumas das características específicas de fadigas de voo, tendo como fonte a Comissão Nacional de Fadiga Humana (CNFH), ao assegurar que as escalas de voo mais fatigantes incluem as seguintes características principais: voos noturnos, dessincronização de ritmos biológicos, início de programação muito cedo pela manhã (early starts), pressão do tempo, múltiplas etapas de operação e programações consecutivas sem período adequado de recuperação.
Espera-se uma atitude mais respeitosa das empresas aéreas em relação à sua tripulação e dos órgãos do governo, uma fiscalização mais rigorosa.
*Ycarim Melgaço é doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pós-doutor em Administração de Organizações na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP).