Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

Na condição de técnico especializado em questões energéticas, senti um incômodo imenso ao ler, no Jornal Opção, a proposta do ex-prefeito de Aparecida de Goiânia e candidato a governador Gustavo Mendanha para sanar a falta de energia no Estado de Goiás.

Na edição do dia 23/8, o ex-prefeito de Aparecida afirma, categoricamente, que o Estado terá que aportar recursos da ordem de 2 bilhões de reais para que a Enel invista no suporte elétrico (linhas de transmissão).  Acrescentou, ainda, Sua Excelência, que “esta seria uma forma de solucionar a falta de energia no Estado”.

Ora, “bolas”! Vou logo dizendo: ao defender ações dessa natureza, o candidato convida a sociedade goiana a subsidiar uma empresa privada que chegou a Goiás implementando medidas que, de fato, levaram a empresa a obter extraordinários ganhos de gestão. Veja-se a valorização dessa multinacional no pouco tempo que está entre nós. (Privatizada por aproximadamente 2 bilhões, estima-se que a Enel poderá ser vendida por cerca — pasme! — de 8 bilhões de reais.)

Para obter ganhos em torno de bilhões de reais, essa multinacional foi bastante ágil, demitiu muita gente com salário alto para, em seguida, contratar profissionais com salários bem mais modestos. Além disso, implementou uma estrutura organizacional desenvolta, condizente com os investimentos em tecnologia que a empresa implementou.

Como se isso não bastasse, a empresa, impregnada pelo espírito do capitalismo, mostra-se mais próxima das regiões onde o PIB cresce e parece ter presença bem mais tímida nas regiões de baixo crescimento econômico. Agindo assim, a empresa obteve extraordinários ganhos de gestão, os quais, de acordo com lei, devem ser repartidos com a sociedade.

Se isso tivesse ocorrido, a Enel teria recursos para investir na expansão do sistema. A partir daí, Gustavo Mendanha, coloco uma pergunta que merece resposta: por que razão essa multinacional italiana não disponibilizou parte dos ganhos de gestão para atender à crescente demanda por energia em Goiás? Estamos, senhor Gustavo Mendanha, num mundo em que a empresa vai muito bem, já o Estado vai mal ante a escassez do que de principal impulsiona o crescimento da economia: a energia. O que é a baixa qualidade de energia se não o reflexo da escassez de investimentos no sistema?

Saída da Enel rompe pacto colonial

Cabe acrescentar, ainda, senhor Gustavo Mendanha, a análise de sábios como o engenheiro Sergio de Salvo Brito, de saudosa memória.

Em seus escritos, esse grande técnico demonstra um conceito que se enquadra perfeitamente à relação Enel-estado de Goiás. Falo dos chamados pactos coloniais pelos quais o setor de energia exporta para a matriz os lucros, obtidos a partir dos ganhos de gestão produzidos pela considerável elevação da qualidade administrativa da empresa local. Eis aí uma típica relação de dependência que nada difere do ciclo do ouro em Goiás, quando vinham os bandeirantes, exploravam as regiões auríferas e iam embora levando o ouro às custas do subdesenvolvimento da região.

Concluo estes escritos, Gustavo Mendanha, com um conselho que o senhor não pediu, porém mesmo assim lhe dou: o governador Ronaldo Caiado intenciona expulsar a Enel do território goiano. Para isso, agirá politicamente em Brasília, dentro dos ditames da lei. Ao sinalizar nessa direção, o atual inquilino da Casa Verde percebeu, acertadamente, que só a saída da Enel do território goiano romperá com esse pacto colonial de remessa sem de lucros para matriz. Siga o exemplo dele, Gustavo Mendanha. O senhor mostrará grandeza política apoiando o futuro governador nessa luta de resgate da nossa dignidade.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de “Cheiro de Biblioteca”.