Até onde vai o preconceito contra as mulheres?
07 dezembro 2023 às 13h20
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Nos últimos três meses temos vivido um verdadeiro martírio. Isso porque somos engenheiras, peritas na Construção Civil e ousamos fazer parte do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Goiás (Ibape-GO).
O Ibape-GO é composto por profissionais obrigatoriamente graduados, com experiência em perícias, sendo qualificados pelo Código do Processo Civil como “experts”, ou seja, especialistas, o que os tornam pessoas de alto conhecimento em sua área de atuação.
Ousamos porque, pela própria característica do instituto, o gênero masculino se apropria como dominador das atividades engenharia e perícia.
Ousamos por sermos mulheres capazes, com conhecimento, formação técnica e competência para o que se propõe o IBAPE-GO.
No mês de setembro foi dado início ao processo eleitoral para a eleição do próximo mandato, no biênio 2024/25.
Diante da vontade, disposição e direito, propusemos uma chapa que pode ser considerada “fora do padrão”: para o exercício da presidência e vice-presidência do Ibape-GO, duas concorrentes mulheres. Até então, nunca isso havia ocorrido em eleições na instituição, onde o comando sempre esteve na mão dos mesmos.
Nossa campanha tomou característica de uma guerra, sim de uma verdadeira guerra.
Guerra de manobras administrativas, de palavras coercitivas no grupo WhatsApp dos associados, manipulações do processo eleitoral, com retenção de informações necessárias para que a campanha fosse limpa e consequentemente legítima e transparente.
De forma velada ou mesmo explícita tivemos todos os tipos de impedimento e cerceamento de informações que o gestor detém e que possibilita a parcialidade do processo. Tal situação se tornou evidente entre os interessados e comentários em bastidores pela expressão “chapa das meninas”.
No desenvolvimento da campanha pudemos sentir o peso do preconceito de gênero, que acabou prevalecendo. Respostas ríspidas e grosseiras eram dirigidas a nós.
Foi uma campanha dura, desgastante e de muitas injustiças. Ao fim, perdemos por nove votos.
Porém, mesmo após as eleições, os ataques continuaram. Nas redes sociais, a comemoração da vitória da chapa vencedora veio a coroar e confirmar o já acima exposto, com postagens aviltantes atingindo o máximo do preconceito de gênero e da exposição do próprio Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias Nacional, que, certamente, não concorda com tal postura.
Chegaram ao cúmulo do desrespeito ao postar no perfil institucional do Ibape-GO no Instagram, no dia 29 de novembro, uma foto com os membros da chapa vitoriosa e, ao fundo, uma música no estilo funk chamada Tropa dos Covardes. A letra é direcionada a duas mulheres de forma servil, sexualizada, pejorativa, com apologia ao estupro, rebaixando a imagem feminina. A postagem, claro, tinha como alvo as candidatas da “chapa das meninas”.
Infelizmente, a mulher em nossa sociedade ainda é considerada um animal doméstico, adestrado para se tornar prisioneira de seu adestrador. Da mesma forma que no ambiente doméstico, centrado na “força” psicológica, também ocorre nas instituições, nas quais pensamentos e atitudes machistas predominam.
O marido, o companheiro, o chefe, o presidente de uma instituição ou mesmo um presidente de um conselho profissional se apropriam de um direito unilateral, o de ser o “comandante” em que a situação está inserida.
Veem-se estatísticas alarmantes de feminicídios; salários mais baixos em funções iguais; preferência pelo gênero masculino em detrimento ao feminino; e discriminações veladas no exercício profissional autônomo. Nada tem sido feito de forma objetiva para dar respeito a quem concebe, educa, protege e “cria” a sociedade em que vivemos.
Nesse sentido, fica aqui nosso repúdio às pessoas do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Goiás que fizeram durante todo o processo eleitoral esses absurdos e abusos. Fica ainda a demonstração de que se faz necessária a mudança efetiva do pensamento primitivo de que o homem sozinho consegue fazer uma sociedade humana, educada e segura.
Encerramos nosso desabafo procurando enfatizar que, assim como o homem compõe a sociedade, é a mulher que a alimenta.
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