A fantasia do dinheiro fácil: fraude em investimentos agora é crime

03 outubro 2023 às 18h26


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Thiago Costa dos Santos*
Especial para o Jornal Opção
Desde que os criptoativos surgiram, foram alvos de muita desconfiança por parte do mercado tradicional. O rápido e constante avanço da tecnologia tem sido imprescindível para trazer maior confiabilidade a esses novos ativos financeiros 100% digitais. Só as criptomoedas (um dos tipos de criptoativos) já movimentam acima dos trilhões. Com isso, surgem personagens como “faraó dos bitcoins” e até o jogador Neymar com seus NFTs,
Apesar de ainda existir certa insegurança, o que faz com que o investimento em criptomoedas seja considerado de alto risco, fato é que tem crescido o interesse dos investidores. O que seria inimaginável há pouco mais de uma década, hoje já é uma realidade.
Essa relevante mudança do mercado financeiro, todavia, não poderia passar despercebida pelo mundo do crime. Onde há grande volume de dinheiro, sempre haverá “oportunistas” (criminosos) buscando levar alguma vantagem sobre os bens alheios.
Em matéria deste mês, o Jornal Opção noticiou que empresas especializadas em golpes envolvendo criptomoedas movimentaram R$ 100 bilhões nos últimos seis anos. É mencionada, por exemplo, a ação coletiva que tramita no TJGO pela qual se pleiteia a devolução de R$ 100 milhões às vítimas.
O Código Penal vigente ainda é o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Naquela época, o homem ainda não tinha ido à Lua, a Segunda Guerra Mundial estava apenas no começo, a internet sequer existia e o presidente era Getúlio Vargas. A única “cripto” que existia até então era a “kryptonita”, o minério do planeta Krypton, terra do Superman.
Impossível, portanto, que o legislador pudesse prever, há mais de 80 anos, algum crime específico de ativos virtuais. Hoje, porém, o Brasil já tem se destacado como um dos líderes mundiais do mercado de criptomoedas. Em 2022, o país ficou com a 7ª colocação no ranking global de adoção dessas moedas.
Com o crescimento repentino desse mercado, o Brasil não possuía, até o ano passado, sequer um marco legal das criptomoedas. Somente com o advento da Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, é que o Congresso Nacional estipulou as diretrizes para o seu funcionamento e para a regulamentação das corretoras. A sua entrada em vigor, contudo, ocorreu apenas 180 dias depois, em 20 de junho deste ano.
Dentre as inovações, a criação do crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer outros ativos financeiros, o qual foi incluído no Código Penal através do art. 171-A.
O art. 171 do Código Penal, já previsto desde 1940, é famoso entre os brasileiros, uma vez que se tornou até adjetivo para gente “malandra”. “Olha lá o 171”, “cuidado, esse daí é 171”. Trata-se do crime de estelionato, o qual, segundo o referido dispositivo legal, significa “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena varia de 1 a 5 anos, e multa.
O que o legislador fez, portanto, foi introduzir, logo após o estelionato, o art. 171-A, o qual estabelece como crime “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena é consideravelmente mais severa, de 4 a 8 anos, e multa.
Trata-se, evidentemente, de uma resposta do Estado aos tantos casos milionários – e até bilionários – de golpes ocorridos nos últimos anos. É o suficiente para coibir os criminosos? Nem em Krypton! O êxito somente virá quando as pessoas pararem de acreditar que alguns “super-homens” são capazes de torná-las ricos sem risco e sem esforço. Deixemos essas fantasias para os quadrinhos.
*Thiago Costa dos Santos, mestre em Direito Constitucional, integra o escritório Demóstenes Torres Advogados, nas bancas de Compliance e Direito Penal Econômico.