As mais recentes tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela revelam que o combate ao narcotráfico, tema, sim, considerado urgente, especialmente para quem acompanha rotas latino-americanas, está sendo usado como ferramenta de geopolítica, e quem acaba ficando em segundo plano é, de novo, o povo.

Oficialmente, Washington afirma estar no Caribe para interceptar drogas e desmontar redes criminosas. Mas o envio maciço de navios-de-guerra, porta-aviões, aviões de combate e a construção de uma narrativa de “conflito armado contra cartel” levantam dúvidas: será que o alvo é só o crime organizado ou, de fato, parte do regime de Nicolás Maduro?

De um lado, os EUA usam o pretexto do tráfico. “São drogas que matam jovens nos…”. De outro, a Venezuela se sente acuada, mobiliza milícias, convoca civis e clama por soberania. A conjunção cria o que pode se tornar um conflito de média escala, não necessariamente declarado, mas letal no impacto.

A questão que sobra é se o verdadeiro tema fosse apenas o narcotráfico, bastaria cooperação entre agências policiais, inteligência e sanções. Mas aqui vemos o uso de “combates” e “zonas de guerra”, termos que ampliam o debate para além de segurança pública e adentram o território de soberania, intervenção e mudança de regime.

Isso nos obriga a olhar para além das manchetes. Enquanto se fala em “derrubar traficantes”, o tabuleiro real está em quem controla a rota, quem domina o Estado que virou refúgio, e qual mensagem isso envia aos demais países da América Latina. Porque se um vizinho vira alvo “aceitável” sob a fita justificada da droga, qual será o próximo?

Isso é menos um embate entre “bem vs. mal” e mais um exercício de poder, quem dita a ordem na região, que tipo de intervenção é considerada legítima, qual o limite do uso da força em nome de justiça ou segurança. Também que é preciso afirmar que, no fim, os que sofrem são estratos sociais vulneráveis, comunidades costeiras, migrantes, laboratórios urbanos invisíveis ao radar militar.

Se quisermos resistir à narrativa pré-moldada de “EUA salvando o mundo” ou “Maduro vilão”, precisamos ir além e perguntar que interesses energéticos, geopolíticos ou estratégicos estão sendo prioridades. Porque política internacional não funciona com absolutos, ela funciona com cálculo. E o que está em jogo agora é a paciência de um continente.

Quem dirá que, após a Venezuela, não será a Colômbia, a Bolívia, o Chile ou o Brasil. As ameças estadunidenses são um problema para todo o continente. Os EUA não querem perder seu quintal, precisamos de nossa soberania.

Leia também

Maduro achava que o Brasil era uma Venezuela, agora tem certeza