Se Marina Silva ganhar, tucanos e “aderentes” garantem maioria no Congresso
06 setembro 2014 às 12h37

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Aterrorizado com a possibilidade cada vez mais real de ser apeado do poder, o PT quer assustar o eleitor comparando a adversária a Jânio Quadros e Collor de Mello

Já começou — e vai prosseguir até o prazo final da campanha eleitoral — a maior sequência de ataques que um partido desfere contra um adversário na história brasileira recente. É o PT contra Marina Silva, a candidata do PSB/Rede à Presidência que pode apear do poder o partido de Lula da Silva. À medida que avança a campanha, baixarias e ataques pessoais começam a fazer parte do repertório.
E Lula, nessa altura, pragmático como ele é, tem um arrependimento: não ter escolhido Marina (ela era do PT, lembra? Aliás, militou 24 anos lá) no lugar de Dilma Rousseff para suceder a ele mesmo, quando a tentativa de golpe de terceiro mandato não deu certo. Feito o erro lá atrás, o jeito é tentar consertar agora.
E se Aécio Neves parece carta fora do baralho, mais do que explicitar contradições de Marina Silva, o PT bombardeia a ex-companheira. Os ataques estão na propaganda eleitoral e reforçados por declarações de líderes petistas na imprensa e por um imenso grupo a serviço do partido nas redes sociais e sites. Chama a atenção um argumento do PT contra a adversária: “Marina claramente não entende que para governar o Brasil, é preciso ter maioria no Congresso”.
No complemento, a mensagem põe em dúvida a capacidade da ex-senadora em conseguir fazer essa maioria, o que depende de negociação. A mensagem é que sem maioria para fazer aprovar os projetos de governo, Marina não terminaria o mandato, qual Jânio Quadros e Collor de Mello.
O argumento tem furos e só se sustenta em parte. Hoje, realmente, a base de apoio de Marina tem apenas 33 deputados, como diz a propaganda petista. Ocorre que hoje Marina não é presidente, é apenas uma candidata a ser. O pluripartidarismo brasileiro determina uma predisposição natural de parlamentares em aderir ao governo. A qualquer governo, diga-se.
Eleita, Marina terá uma legião de deputados e senadores prontos a lhe jurar amor eterno. Ela teria todas as condições de contar com uma boa base legislativa espalhada por várias bancadas, não só de sua base partidária mais próxima.
No primeiro governo Lula, os coronéis do PMDB que tinham vendido seu apoio a Fernando Henrique Cardoso queriam cobrar ainda mais caro do petista. Lula quis governar prescindindo desses coronéis e então autorizou José Dirceu a fazer o mensalão, comprando parlamentares de siglas menores (embora tivesse peemedebistas e até petistas passando na boca do caixa para levar o seu).
A compra de parlamentares por dinheiro deu no que deu e até o capitão do time lulista foi parar na cadeia. Depois, Lula caiu na pura e simples troca de apoio político por cargos, loteando o governo a escancarando o comborço com a elite política — o ex-metalúrgico chegou colocar José Sarney numa categoria especial de ser humano. Dilma herdou o esquema e tocou em frente com desassombro, embora sempre tenha deixado entrever seu desconforto em ter em sua equipe figuras como Carlos Lupi, por exemplo.
Na questão de maioria no Congresso há nuances. Essa maioria torna-se mais fluida dependendo da maior ou menor força política e do carisma pessoal do presidente. Nominalmente, Dilma conta com maioria absoluta nas duas Casas Legislativa. Como ela tem ojeriza a tratar com lideranças e seus articuladores políticos são igualmente fracos, o governo perdeu várias votações.
Ou seja, a maioria parlamentar de Dilma é instável, ao sabor do toma-lá-dá-cá que seus integrantes jogam nos interesses momentâneos. Não foram poucas as vezes que Dilma teve de ceder cargos, recursos e outros mimos para ganhar votação.
Se Marina for consagrada nas urnas, não seria primeira vez que um presidente se elege sem ter maioria no Congresso. Com Fernando Henrique Cardoso aconteceu, no primeiro mandato. FHC semiloteou o governo para líderes peemedebistas — Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá, os mesmos de sempre — e do então forte PFL de Antônio Carlos Magalhães.
Afável, obsequioso, Fernando Henrique conseguiu manter sob razoável controle a sanha dessa gente. Ou seja, ele cedeu dedos para conservar a mão, e garantiu a tal governabilidade — conseguiu até aprovar a reeleição, também com compra de apoio de forma pouca republicana, diga-se.
Resta saber como Marina Silva se comportaria nesse quadro. Nas atuais circunstâncias, ela teria um cacife político muito acima do que teve o próprio Lula na primeira eleição, quando o mercado tinha desconfianças de insanidades que o ex-metalúrgico poderia cometer.
E Marina teria muito mais cacife do que tem hoje Dilma Rousseff, uma mandatária fraca, cercada de incompetentes na área econômica, a começar pelo ministro Guido Mantega (finalmente, a presidente anuncia que ele estará fora de um segundo mandato, e é até possível que o demita de vez ainda na campanha).
Se eleita, Marina Silva terá muito mais legitimidade para propor medidas necessárias para consertar os inúmeros erros de Dilma, e poderá fazer um chamamento ao Congresso para votar essas medidas. Além disso, é certo que a grande maioria da base tucana apoiará a ex-senadora.
Com os “aderentes” por vocação, só aí, estaria garantida quase totalmente a tal governabilidade. Além de um estoque de quadros tucanos experientes para ajudar Marina a governar.
Voltando aos ataques do PT a Marina da Silva, o partido pode até ser bom de artilharia. O problema é a falta de moral para atacar quem quer que seja. Quando diz que a adversária pode não terminar o mandato como aconteceu com Collor de Mello, por exemplo, o PT nem mostra foto dele, talvez para não lembrar que senador alagoano é um dos principais aliados do PT no Congresso.
É visível o desespero dos petistas na iminência de perder o poder, depois de mais de uma década no controle do Estado. Não é errado atacar os adversários — talvez o erro seja a dose que, exagerada, faz do atacado uma vítima. Contradições, histórias mal explicadas do passado, vacilos dos adversários devem mesmo ser explorados em campanha.
O recuou de Marina na questão da homofobia, por exemplo, tem de ser colocado em debate. Ela certamente tem de se posicionar soabre temas como aborto, influência religiosa em questões de governo, etc. E por que os adversários não podem destacar sua inexperiência? Faz parte do jogo.
Só que Marina pode muito bem contra-atacar, como fez, lembrando que Dilma também não tinha experiência quando foi eleita pela primeira vez, num “dedaço” de Lula, que vendeu um embuste chamado mãe do PAC.
O PT está fazendo o que se faz em campanha eleitoral: perdendo o jogo, parte para o ataque. O problema é que no ataque, é tênue a linha que separa da apelação. O PT começou a apelar e em termos de contradições, histórias mal explicadas e vacilos, o partido é o mais pródigo.
Estão aí petistas históricos comendo cadeia após serem condenados por corrupção, roubalheiras quase diárias na Petrobrás, uma primeira-amante de Lula que nomeava e demitia gente no primeiro e segundo escalões do governo federal, etc., etc. Escândalos petistas há de toda ordem.
Por enquanto, Marina está revestida de uma espécie de “teflon” político. Quanto mais o PT ataca, mais ela sobe nas pesquisas. É o que se chama de efeito bumerangue: os ataques vão e voltam nos atacantes. Uma das razões é justamente o telhado de vidro do PT.
Marina está na dela, só reage (quando reage) ao ser provocada, de forma contida, bem de acordo com o figurino de fragilidade que ela naturalmente encarna. Mesmo porque nem lhe é interessante uma campanha por demais acirrada. Mas se ela se sentir acuada, seu comando de campanha pode partir para o ataque também. E aí, munição contra o PT é o que não falta.