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Ao fim do segundo turno das eleições presidenciais, o jornal britânico Financial Times classificou o processo eleitoral como “longo e amargo”. O diário fez, como muitos outros, análises sobre todos os rumos da campanha, mas sobre tudo os passos que o Brasil daria no pós-eleição. Buscar esse entendimento é primordial, mas a sociedade segue dividida e aguerrida, embora o anseio geral é por paz.

A disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) foi terrível, marcada por ofensas, mentiras e pela busca, não do voto, mas de ampliar a rejeição do oponente. É esse ambiente negativo que deu a permissão para que eleitores que se sentem perdedores dentro de uma democracia passassem a crer em notícias falsas de anúncio de golpes, adotarem condutas criminosas em bloqueios de rodovias e se reunirem em portas de quartéis para entoarem gritos antidemocráticos, enquanto a outra parte comemora. País dividido.

O país sai dividido, com a menor diferença desde a redemocratização entre o vencedor e o derrotado (1,8 ponto). Com 99,9% das urnas apuradas, o petista obteve 50,90% dos votos válidos, ante 49,10% do rival. A eleição, que marca a volta da esquerda ao poder depois de seis anos, registrou o recorde de votos depositados no candidato vitorioso. Lula teve 60,3 milhões de votos, superando a marca atingida por ele mesmo no segundo turno de 2006, quando conquistou 58,2 milhões de apoios. Já Bolsonaro, com 58,2 milhões, superou seu patamar em 2018 (57,7 milhões).

Em um artigo intitulado “O Brasil dividido”, publicado na última semana, o ex-presidente e o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), José Sarney, sintetizou esse momento político do país publicando: “estamos divididos, na pequena diferença do resultado entre os candidatos, entre pobres e ricos, Nordeste e Sudeste, os bons e os maus. Construiu-se durante toda a campanha a retórica de uns condenados à perdição e outros à salvação”. O político, sabiamente, relembrou  Carlos Drummond de Andrade, que  certa vez escreveu que as eleições levavam o brasileiro a viver um ‘tempo de partido, tempo de homens partidos’.

Esse cenário de eleitores divididos, que se mantém em clima acirrado, mesmo após  resultado das urnas, é uma mensagem do eleitor para o presidente eleito da necessidade de moderação. É hora de esquecer a polarização tão apregoada pelas campanhas e começar o processo de pacificação que pode iniciar por meio das lideranças políticas locais.

Lula, como presidente eleito, terá no ano que vem, 11 governadores que são declaradamente aliados – incluindo quatro do PT. Mas ele sabe que é preciso trabalhar com outros 14 governos estaduais que foram eleitos lhe fazendo oposição –  especialmente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Há ainda dois governadores eleitos que ficaram neutros: Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul, e Raquel Lyra, em Pernambuco. Ambos são do PSDB.

Estados mais populosos e ricos elegeram governadores de direita que apoiaram Jair Bolsonaro, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Goiás. Mas apesar de terem feito, muitas vezes, dura oposição ao petista durante a campanha, os governadores eleitos (ou reeleitos como o governador Ronaldo Caiado) já demonstraram que estão abertos ao diálogo com o novo mandatário. É um alinhamento administrativo que é encampado pelo petista, desde a campanha eleitoral.

O processo de transição de governo foi oficializado há poucos dias. O presidente eleito já se reuniu com presidente da Câmara dos Deputados, do Senado e representantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele também anunciou que se reunirá para conversar com governadores adversários em busca de um novo pacto federativo para 2023. Na avaliação petista, pacificar a relação com os governadores no início do mandato, é o primeiro passo para que um novo governo possa focar na articulação com o Congresso, uma vez que são 27 governadores eleitos, em que a maioria não compõe com PT ou foram apoiados por Lula.

É evidente que os governadores eleitos fazendo campanha alinhada a Bolsonaro ou que tem sua ligação com a ideologia da direita, não estão virando as costas para o seu eleitorado. Trata-se de relações republicanas, como sempre deve ser. O que se conclui é que o país anseia pela união, que isso deve partir dos líderes políticos e que o desafio maior é comum a todos: avançar a economia superando as tragédias sociais –  isso se faz de mãos dadas.