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O Brasileiro percebe que a economia nacional está a deriva, e essa percepção não é novidade. O governo que acaba de assumir ainda tenta demonstrar que está recalculando a rota, mas não conseguiu transmitir a certeza de que encontraram um norte. A situação não é das melhores mesmo, mas em parte também se deve pelas políticas econômicas colocadas em prática para objetivos eleitorais. A mais grave, me parece, é a medida tomada há poucos dias da eleição que obrigou a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos combustíveis. A atitude, na prática, jogou o problema da inflação, puxada pelo preço da gasolina, etanol e do diesel, para os Estados – sem se importar com as consequências futuras.

Esse foi o chamado populismo fiscal. Todo brasileiro sentiu o impacto da cobrança e da desoneração do ICMS. Mesmo quem não dependa do transporte feito por carros, sabe que o aumento na gasolina, etanol ou diesel, vai refletir no custo de vida. Como esse tema é sensível a todas as classes sociais e atinge em cheio a todos os eleitores, é exatamente nele que então presidente em desespero para se reeleger, Jair Bolsonaro (PL) buscou alavancar a candidatura. Falhou, como sabemos. Mas o estrago fiscal foi feito. 

Logicamente que todos os brasileiros esperam que propostas sejam alinhadas com o desejo de ver reduzir a inflação e o preço do combustível. Entretanto, a forma como assunto tem sido conduzido pelo governo Bolsonaro simplificou demais o problema, sem efetuar um cálculo que indique solução. Tanto é, que a política econômica eleitoreira do ex-presidente forçou mudanças nas alíquotas que só no ano passado ocasionaram perda de receitas de R$ 44,2 bilhões aos estados, de acordo com levantamento feito pela Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite). É preciso lembrar que o ICMS é o principal tributo dos estados. 

Conforme levantamento da Febrafite, doze estados registraram perdas superiores a R$ 1 bilhão de arrecadação – Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Juntos, eles perderam R$ 37,8 bilhões em arrecadação de tributos que incidiriam sobre combustível, energia, comunicações e transportes. Segundo cálculos da Secretaria de Economia de Goiás, o estado perdeu em 2021, R$ 5,5 bilhões referente ao ICMS. Valor significativo para os cofres estaduais e motivação para uma articulação para compensação dessa perda.

Pelos riscos combinados entre popularidade e inflação, o governo recém-empossado preferiu adiar essa decisão. O presidente Lula assinou logo no primeiro dia de mandato uma MP que prorrogou a desoneração por dois meses. Prorrogar novamente a medida agora faria com que a Fazenda corresse o risco de não conseguir cumprir o objetivo de reduzir o déficit de mais de 2% do PIB para a casa do 1%, conforme plano fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em janeiro.

Mas a pressão dos governadores e do ministro da Fazenda sobre o governo de Luiz Inácio Lula Silva (PT) para a reoneração dos combustíveis funcionou, sendo preciso coragem, pois a pressão social pela manutenção das alíquotas mínimas era grande.  Assim ficou definido: a gasolina subirá até R$ 0,34 nas bombas; e o etanol, R$ 0,02 com a reoneração parcial dos combustíveis, segundo fala de Haddad. Os valores consideram a redução de R$ 0,13 para o litro da gasolina e de R$ 0,08 para o litro do diesel anunciados pela Petrobras.

Essa retomada do ICMS visa manter a arrecadação de R$ 28,88 bilhões prevista até o fim do ano caso as alíquotas dos combustíveis voltassem ao nível do ano passado.

A fala do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), resume bem o que a reoneração dos combustíveis representa: “O que estamos fazendo é corrigir uma distorção, uma medida eleitoreira que criou um mecanismo contra a população, um mecanismo tributário para financiar acionistas de grandes petroleiras. Tirou dinheiro da educação, moradia, combate à fome e à miséria para financiar esses anúncios cada vez maiores de distribuição de dividendos de grandes petroleiras.”

Embora a reoneração dos combustíveis gere um ruído entre a sociedade e dê munição para a oposição, a medida é positiva, principalmente quando se analisa a  preservação da estratégia de política fiscal encapada pelo atual governo para 2023. É a tentativa de encontrar um norte e sair dessa deriva. Nota-se que prevaleceu a posição do Fernando Haddad, fazendo entender que a melhor política pública para o momento não é atender a todos os que batem à porta do governo, mas organizar e avaliar essas demandas com planejamento para gerar os melhores resultados à coletividade.

A análise feita pelo economista Felipe Salto em artigo publicado no Estadão, dá a exata dimensão da positividade da reoneração, em especial no aspecto social. “É garantir bilhões de reais que servirão para financiar auxílios sociais, gastos com saúde, educação, segurança, seguro-desemprego e tantas políticas previstas no Orçamento, sem prejudicar o equilíbrio fiscal. Mais: restabelecer o diferencial competitivo entre gasolina e álcool, em benefício do meio ambiente. A melhor resposta da política não é necessariamente atender a todas as demandas que apareçam pela frente. A boa política é o oposto disso: fazer escolhas duras e mostrar como serão melhores e como ajudarão a promover maior bem-estar a todos, sobretudo para aqueles que mais dependem do Estado.”