Relegar a Moraes sozinho a responsabilidade de combater lunáticos é receita para a catástrofe

15 janeiro 2023 às 07h29

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Determinados a imitar tudo que os Estados Unidos rejeitam, os bolsonaristas fizeram uma imitação de invasão ao Capitólio no domingo, 8. Como na versão original, a brasileira copiou também o resultado frustrado. A curto prazo, os resultados foram: golpistas expostos como criminosos descolados da realidade; Bolsonaro internacionalmente isolado; o Supremo Tribunal Federal (STF) destinatário de ainda mais poderes; Lula convencionado como a alternativa razoável em contraste com a barbárie.
Na segunda-feira, 9, o presidente coordenou todos os Poderes em manifestações contra o golpismo (e fez tanta questão de que todos estivessem presentes que enviou um jato da Força Aérea para garantir a presença do procurador-geral Augusto Aras). Governadores das 27 unidades federativas e autoridades da República discursaram em uma reunião em que nada foi decidido, mas onde se reforçou o posicionamento das instituições pela ordem constitucional.
O desfecho provisório só anuncia mais conflitos. Lula triunfou no plano do simbólico, da imagem, do capital político, das relações públicas. Na prática, nem tanto. Seu ministro da Defesa, José Múcio, acreditou em um diálogo com aqueles que não sabem dialogar. Escolhido pelo poder de conciliação, Múcio optou por resguardar os golpistas ao caracterizar suas manifestações como liberdade de expressão. Agora, sofre pressão de membros do governo que pedem sua renúncia.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, foi poupado da fritura, mas também falhou em diagnosticar o problema. Mesmo com acesso aos dados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que informou ao governo do Distrito Federal que 164 ônibus haviam desembarcado manifestantes com propósito de investir contra os edifícios da Praça dos Três Poderes, Dino não se certificou de que os terroristas seriam detidos.
Não parece haver no Executivo autoridade capaz de dar um basta ao golpismo e ao terrorismo. No Judiciário, Alexandre de Moraes acumula poderes e decisões contra os atos antidemocráticos. O ex-ministro Marco Aurélio Mello e o jornalista Glenn Greenwald foram alguns dos que criticaram sua atuação durante a última semana. Moraes supostamente vai além de suas competências como ministro do STF. As críticas, entretanto, carecem de lastro em uma alternativa melhor. Enquanto o afastado Ibaneis Rocha e o exonerado Anderson Torres passam a mensagem de conivência, e enquanto Múcio e Dino transmitem medo e insegurança, o Judiciário foi o único a tomar atitudes concretas contra a barbárie.

É desejável que cada poder fique circunscrito às suas atribuições? Obviamente. Mas é ingênuo acreditar que isso acontecerá via críticas aos avanços do STF. Primeiro, porque as autoridades encontraram à sombra de Alexandre de Moraes uma posição confortável, onde se preservam, tranquilas de que algo está sendo feito por alguém. Enquanto a Procuradoria-Geral da República, governadores e o presidente não chamarem para si a responsabilidade e o desgaste de enfrentar os apoiadores de Bolsonaro, as críticas a Moraes poderão ser descartadas pelo argumento de que “a alternativa são as pessoas que querem acabar com a democracia.”
Em outras palavras: para que o Supremo retorne às suas incumbências, é necessário que autoridades cumpram suas atribuições. Essa atitude deve vir de dois atores distintos. O primeiro, mais óbvio, é o próprio presidente. Como afirmou Maria Cristina Fernandes, no Valor, falta Lula tomar posse como comandante-em-chefe. Ele já recebeu manifestações de apoio que denotam uma união nacional ainda maior do que aquela expressa pelas urnas, e só resta a Lula e seus ministros enfrentar aqueles que tentam suplantar o Estado de direito.
O segundo ator que vem se omitindo é a própria direita brasileira. Na ausência de Jair Bolsonaro, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) apadrinhou os golpistas, defendendo-os aos olhos da opinião pública. Marcos do Val afirmou que os invasores não merecem a prisão pois são pais de família, que quem depredou os edifícios eram esquerdistas infiltrados, que os acampados nas portas dos quartéis participam do movimento acreditando em um país melhor, etc, etc, etc.
Isto é, mesmo depois da humilhação e do fracasso do projeto conservador autoritário, quem desponta como líder da direita é novamente um bolsonarista. Os opositores sérios de Lula não parecem ter compreendido a situação: enquanto os selvagens não forem extirpados, eles serão um constrangimento internacional perpétuo. Fragilizada, a direita tenta abraçar qualquer apoiador. O movimento instintivo causa ainda mais dano.
Para colocar as coisas em linguagem mais mais concreta: bolsonaristas tentaram explodir um caminhão de combustível no Aeroporto Internacional de Brasília na véspera de natal; bloquearam rodovias e impediram que um coração doado em Goiás chegasse a um paciente de São Paulo no dia 3 de novembro; interrompem o fornecimento de eletricidade com derrubadas de torres de energia em Rondônia e Paraná na última semana. Quando Lula errar, essa será a alternativa apresentada pela direita?
E a esquerda? Quando Lula errar, vai querer ter como contrapeso um Judiciário que foi encorajado a ultrapassar sua atribuição? Entre o comodismo de aceitar apoio dos lunáticos e o conformismo de deixar que outro cumpra o seu papel, direita e esquerda têm responsabilidades a assumir.