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Se a direita continuar tensionada como está, chegará dividida às eleições de 2026 — o liberalismo, o centrão e o antipetismo pragmático de um lado, talvez com Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o conservadorismo do bolsonarismo-raiz de outro, talvez com um outsider imprevisto. A dissidência que se desenha na oposição beneficia o governo.

A rachadura vem da base: o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) e Paulo Figueiredo — vistos juntos em foto publicada nesta quinta-feira, 25 — articulam por uma defesa incondicional da anistia aos réus do julgamento da trama golpista no STF. Os três pertencem a um setor resistente ao “projeto da dosimetria”, que criticam como uma versão “light” da anistia desejada.

Esse grupo considera que já fez concessões demais meramente por aceitar negociar a anistia no Congresso. Em seu discurso, está a semente do conflito: se a anistia é um perdão, e se acreditam que não fizeram nada errado no 8 de janeiro, então meramente discutir a aprovação de um perdão já é ceder terreno ao “inimigo”. 

Discordam deles os bolsonaristas de ocasião. O grupo que vem à mente é aquele que surgiu em vídeo na última semana — Michel Temer, Aécio Neves, Paulinho da Força (Solidariedade), relator do projeto de um “pacto republicano” (palavras de Michel Temer) como um “meio-termo” aceitável para a pacificação.

Esse grupo pragmático critica (com razão) o fato de que Eduardo, Sóstenes e Paulo Figueiredo têm pauta desinteressante para o grande Brasil. Na defesa intransigente da anistia total aos réus da trama golpista, nada sobra para quem não fez parte da trama golpista. É assunto descolado do mundo real. O brasileiro endividado e sobretaxado se beneficia pouco caso Jair Bolsonaro fique fora da cadeia. Onde está a crítica ao governo Lula? Na hipótese dessa bandeira emplacar em 2026, qual sequência do indulto a Jair? 

O grupo de Sóstenes, Eduardo e Paulo Figueiredo critica (também com razão) o fato de que Temer, Aécio e Paulinho da Força têm muito poucos votos. Ninguém sai às ruas para ouvi-los discursar em carros de som.  

Até aqui, tudo simples de entender. A questão ficou muito mais complexa após notas plantadas na imprensa nesta semana. O ex-presidente pediu que se calasse o grupo que supostamente defende seus interesses — de sua liberdade até sua elegibilidade. Esse grupo respondeu caracterizando Jair como doente, fraco, refém, enganado e traído pelos aliados. 

O pedido do ex-presidente é motivado pela vontade de auto-salvação; quer pena reduzida, prisão domiciliar, enfim, o alívio possível de ser negociado. A manifestação é ainda plantada na imprensa, porque Jair Bolsonaro não pode falar, está sem redes sociais e suas visitas são controladas pela Justiça. Quem quer que tenha afirmado aos jornais que ele pediu para que Eduardo se calasse, indicou também que Tarcísio seria o sucessor escolhido por ele. O próprio governador de São Paulo negou o aval na quinta-feira, quando disse que pretende concorrer à reeleição. 

Ao caracterizar Jair Bolsonaro como um personagem incapaz de fazer escolhas, o filho do ex-presidente também age com a auto-salvação em mente. Eduardo ganha momento político ao se colocar como alternativa ao pai, mas em interesse do pai — um bolsonarista mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro. Eduardo alerta que, pelo bem do bolsonarismo, não aceitará alívio para Jair Bolsonaro. Ao G1, Andréia Sadi reportou: “Emissário de Jair Bolsonaro nos EUA, Sóstenes diz que Eduardo rejeita redução de penas: ‘isso sem chance”. É o germe da dissidência que vai crescer até 2026. 

No mundo real, a chance de Eduardo ter a oportunidade de concretizar sua anticandidatura, denunciando “o sistema que tirou seu pai das eleições” — essa probabilidade é muito pequena. O filho zero-três já está denunciado e possivelmente estará preso e inelegível. Contando a partir da terça-feira, 23, ele tinha 15 dias para se manifestar sobre denúncia da Procuradoria Geral da República por coação no curso do processo devido à atuação nos Estados Unidos. Até a sexta-feira, 26, o oficial de justiça não havia conseguido notificá-lo. 

Eduardo Bolsonaro, que havia afirmado em 18 de julho que os EUA não reconheceram o resultado das eleições brasileiras sem o pai, começa novamente a se frustrar. Na ONU, Lula e Trump se encontraram e os presidentes parecem ter se compreendido. “Eu gostei dele, e eu só faço negócios com pessoas de que gosto”, disse Trump ao microfone na assembleia geral. 

A mudança de postura tem menos a ver com a química pessoal, e mais a ver com lobby de empresários, segundo a Reuters reportou na quinta-feira. Na matéria “Mudança de opinião de Trump sobre Lula pode ser graças ao magnata da carne bovina brasileiro”, a agência de notícias revela que Joesley Batista se encontrou com Trump três semanas antes do discurso nas Nações Unidas. Essa reunião teria ajudado a abrir caminho para Trump adotar um tom mais favorável a Lula na ONU, disseram duas das fontes. 

Seja como for, os Bolsonaro estão sendo atalhados pelos detentores do poder. É natural, e é esta a razão pela qual Lula não deve ser subestimado.  Primeiro, porque está sendo poupado de críticas pela direita conflagrada. Segundo, porque tem a máquina na mão. Terceiro, porque ganhou cinco de nove eleições desde a redemocratização.