Olhe Goiânia como um turista: é essa a cidade que queremos preservar
04 agosto 2019 às 00h01

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Capital goiana ainda preserva boa qualidade de vida, mas cabe às autoridades zelar para que ela não perca suas virtudes

Com dois anos de atraso, finalmente o prefeito Iris Rezende enviou à Câmara de Vereadores o projeto que atualiza o Plano Diretor de Goiânia. Caberá a eles discutirem e votarem as diretrizes para o ordenamento da cidade. É desse debate que vamos responder a questão sobre qual é a cidade que queremos para os próximos dez anos.
À parte os critérios técnicos, ouvir as pessoas que vivem em Goiânia é um bom começo de conversa. Dia desses, ouvi o relato de uma pessoa que se mudou há três meses para a capital, que está preste a completar 86 anos. O jovem executivo veio de São Paulo e é só elogios.
Morando no Setor Universitário e trabalhando no Centro, ele diz que faz tudo a pé, inclusive ir ao trabalho. Acha a cidade limpa, tem comércio na região, se empolga com a proximidade com uma praça esportiva (o Estádio Onésio Brasileiro Alvarenga, do Vila Nova), a animação da Praça Universitária, a “pegada” roqueira e a existência de uma praça de onde saem os ônibus – no caso, o da Praça da Bíblia (que ele chama de praça).
Gostou também da facilidade de locomoção. Ressaltou que é possível ir dos condomínios ao Centro em dez minutos – uma óbvia força de expressão, compreensível para quem lidou por anos com o caótico trânsito de São Paulo. Mas é na questão da mobilidade que faz suas ressalvas: o recém-radicado se queixa da dificuldade de se deslocar com ônibus e da não existência de metrô.
Um pouco pacata
O olhar benevolente e compreensível, de quem está vivendo a primeira paixão, ainda mais quando se deixa a loucura de uma megalópole como a capital paulista. Quando se parte de tamanha hipérbole, Goiânia ainda parece pacata. Com a vantagem de ser bem equipada em serviços: é possível comer bem, ver boas atrações culturais, ter acesso a escolas de qualidade e a mais avançada medicina em algumas áreas. Claro, a depender do bolso.
Quem vive há algum tempo em Goiânia, naturalmente a vê com mais rigor – às vezes, até com rabugice, impulsionado pela queda visível na qualidade de vida nos últimos anos. Tivesse oportunidade, aconselharia nosso personagem a evitar ir a pé para o trabalho. O conselho baseia-se em dados: somente este ano, mais de 10 mil aparelhos de telefone celular foram furtados ou roubados nas ruas da capital goiana.
Outro ponto que merece reparos é a limpeza urbana. Impossível esquecer a crise na coleta do lixo, entre o fim do mandato de Paulo Garcia (PT / 2010-2016) o início da atual gestão de Iris Rezende (MDB / 2017). As cenas de lixo esparramado nas calçadas e as queixas de que a coleta era irregular eram recorrentes, ao mesmo tempo em que a Comurg se afundava em denúncias de irregularidades.
Em período de chuva, a situação piora. Rede de coleta de águas pluviais antigas, sufocamento de cursos d´água (Córrego dos Buritis, Córrego Botafogo, Córrego Cascavel), aumento da área impermeável e lixo jogado pelo cidadão que vai parar nas bocas de lobo favorecem as enchentes e alagamentos.
Praça Universitária: animação e vandalismo
Também elogiada pelo empresário, a Praça Universitária acaba de completar 50 anos. Ainda que permaneça um ponto de encontro de jovens, especialmente os universitários que estudam nas imediações, a praça, que homenageia o líder estudantil Honestino Guimarães, está deteriorada. O Palácio da Cultura está inutilizado, com vidros quebrados, os banheiros públicos, fechados, e as obras artísticas sofrem com o vandalismo. O local, involuntariamente, se tornou em uma galeria de arte da dura beleza do grafite.
Praça Universitária: obras de arte vandalizadas; Palácio da Cultura se transformou em uma galeria de grafite com vidros quebrados | Foto: Rodrigo Hirose
O empresário considera fácil a locomoção na cidade, no sentido de os deslocamentos serem próximos – situação só possível quando o ponto de partida é a maior metrópole da América Latina. Mas o relógio não deixa dúvida: o ir e vir está cada vez mais lento em Goiânia.
Há alguns anos, a velocidade média do transporte coletivo era de 22 quilômetros por hora. Atualmente, patina nos 13 quilômetros por hora. O Terminal da Praça da Bíblica, citado acima, é desconfortável fisicamente e visualmente.
Terminal da Praça da Bíblia
Com a qualidade ruim dos serviços públicos e facilidade de crédito para a compra do veículo próprio, o tamanho da frota explodiu em duas décadas. Há 20 anos, havia 260 veículos em Goiânia. hoje, são 1,2 milhão – um aumento de 340%.

Nesse intervalo, o goianiense conviveu com a promessa de adoção do VLT no Eixo Anhanguera, que nunca entrou nos trilhos, e espera a conclusão do BRT Norte-Sul – cuja entrega está atrasada há 886 dias. Alternativas surgiram, como o transporte por aplicativo, mas nenhuma que impedisse a piora na mobilidade. Ao contrário, os apps acabam colocando mais carros nas ruas.
De parte do poder público, o que se vê é a falta de imaginação. O prefeito Iris Rezende segue apostando nas mesmas soluções, como viadutos e marginais, que não passam de paliativos, quando muito. Se viaduto resolvesse o trânsito, São Paulo e Brasília seriam os paraísos dos motoristas. O governador Ronaldo Caiado, por sua vez, tenta de todas as formas se desvencilhar da questão.
Todos esses problemas não impedem que Goiânia seja uma ótima cidade para se viver. O Plano Diretor está na Câmara e cabe aos responsáveis fazer com que o texto final preserve o que ainda há de bom e melhore o que precisa de cuidados.
A nós, moradores, talvez falte olhar para nossa capital com um pouco do olhar do turista.