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O orçamento secreto não acabou. As emendas do relator, conhecidas como “RP9”, foram substituídas pela “RP2”, usada na destinação de verbas dos ministérios, e pela “RP6”, as chamadas emendas pix, que consistem em transferências especiais para municípios. Mas não se engane: a falta de transparência no mecanismo continua permitindo que o governo use esse dinheiro para garantir apoio político no parlamento. 

Em princípio, não há qualquer problema na existência de emendas parlamentares. É constitucional e esperado que o Congresso participe na distribuição de recursos do Estado. O que levanta a bandeira vermelha é a falta de transparência e a atitude dos parlamentares para com os dinheiros. 

Foi a falta de transparência e a falta de impessoalidade que resultou na declaração de inconstitucionalidade das emendas do relator durante o governo Bolsonaro (PL), em 2022. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o Executivo não pode comprar apoio secretamente dos congressistas para construir base em votação. As emendas deveriam ser distribuídas com isonomia e ao presidente caberia apenas determinar quando aconteceria a liberação desses valores impositivos. 

Em sua campanha eleitoral pela presidência, Lula da Silva (PT) criticou a prática. Disse que o presidente da ocasião era um “bobo da corte” sem controle sobre nada, e que o rei de fato era o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Ainda em 2022, depois de já eleito, articulou a chamada PEC da Transição, que trazia em seu texto a promessa da continuação do sistema geral do orçamento secreto. 

Este foi o fim da era do presidencialismo de coalizão, que funcionava principalmente com a distribuição de ministérios para a formação de uma base de parlamentares. Hoje, não há base monolítica que apoiará garantidamente o governo em todos os seus projetos importantes. Cada votação tem de ser negociada caso-a-caso, via emendas. Foi assim quando a Câmara aprovou em primeiro turno a reforma tributária e recebeu em apenas um dia R$ 5,25 bilhões em emendas.

A diretora de programas da organização Transparência Brasil, Marina Atoji, afirmou que “o dinheiro pode ir para áreas que não são as prioritárias para a população, já que não é preciso apresentar um plano de execução dos recursos”. Segundo ela, “A aplicação de um grande volume de recursos federais fica dispersa, desconectada das estratégias da administração pública federal. O segundo problema é que a prestação de contas do uso desse recurso fica espalhada nos portais de transparência de cada estado e cidade. Isso torna impossível que alguém – inclusive o próprio governo federal – verifique onde e em quê cada um dos centavos que saiu dos cofres federais por essa via foi aplicado”.

Reportagem do Jornal Opção revelou que 16 parlamentares goianos receberam R$ 158 milhões em emendas O deputado federal goiano que mais recebeu verba de emenda parlamentar foi José Nelto (PP), que teve R$ 14,35 milhões liberados. O segundo na lista é o ex-deputado federal José Mário Schreiner (MDB), hoje presidente da Federação da Agricultura no Estado de Goiás (Faeg), com pouco mais de R$ 14 milhões. Em terceiro lugar, o deputado federal Célio Silveira (MDB), com R$ 13,85 milhões. Na sequência, completam o “top 5”, o ex-deputado federal e ex-governador, Alcides Rodrigues (Patriota), com R$ 13.41 milhões, e o deputado federal Adriano no Baldy (PP), com R$ 13,09 milhões.

O repórter Breno Pires, da Revista Piaui em 7 de julho, produziu uma reportagem sobre liberação de emendas pelo Ministério da Saúde. O jornalista encontrou que apenas o Hospital Veredas (conhecido como Hospital do Açúcar) em Maceió, Alagoas, recebeu R$ 18 milhões em verbas dessas emendas. A diretora financeira da instituição é prima de Arthur Lira.

Para tanto, Breno Pires não pôde consultar documentos oficiais, pois as emendas pix caem diretamente nos cofres dos municípios, sem a exigência de atrelamento a um programa. A fiscalização sistemática da destinação dessa verba é impossível. O que o jornalismo pode fazer é apenas perguntar ao parlamentar o que ele fez com suas emendas, e perguntar na outra ponta se a quantia foi recebida – manualmente e confiando na boa fé dos envolvidos. Não pode funcionar.