Número de títulos de cidadania na Alego neste ano já ultrapassa o registrado em 2024; por que a honraria é banalizada?
01 novembro 2025 às 21h00

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Os projetos de lei para conceder títulos de cidadão em Goiás bateu o novo recorde em relação ao ano passado. Em 2025, já foram 213 propostas apresentadas na Assembleia Legislativa do Estado. Nove a mais do que todos os que foram propostos no ano passado. No legislativo goianiense, são 50 títulos oferecidos. Esses números levantam uma questão: será que essa honraria tem sido banalizada nos últimos tempos? Será que os títulos têm sido utilizados como barganha política ou recompensa por voto?
O antropólogo Jorge Lima explica que o título trata-se do exercício de direitos civis sociais e políticos. A honraria não é algo atual. Na Roma Antiga, nem todo mundo era visto como cidadão e, ter esse título, era se sentir pertencente àquele espaço. Infelizmente, aqui no Brasil, segundo ele, o objetivo final da concessão da honraria ganhou um novo significado.
“No Brasil, as coisas tendem a ser rebaixadas ao nível da condição pessoal. As pessoas tornam esses títulos uma coisa personalista, ou seja, ele deixa de ser uma coisa do Poder Legislativo e ele passa a ser uma benéfica do político, da deputada, do deputado, do vereador… E ele passa, então, a atribuir isso como gratificações de seleção de natureza pessoal, de amizade”, explica.
A lógica de se ganhar o título é que você deve ter contribuído de forma material, prática e não discursiva para uma cidade, estado ou país. “Um exemplo: eu vim para Goiânia e escrevi um livro sobre Art Déco. Então, levei Goiânia como a representação desse estilo arquitetônico no mundo. A Câmara de Vereadores chama e fala que precisa dar um título para esse cara porque ele realmente contribuiu para engrandecer o nome da cidade. Essa seria uma contribuição simbólica. Agora tem títulos que são dados sem critério algum”, afirma.
Jorge pontua que há políticos que ainda utilizam da honraria para aspirar o nome de alguém como possível candidato nas próximas eleições. “Isso dá certa visibilidade. Por exemplo, o governador recebe título de cidadão em todos os lugares. O povo deu título para Lula, para Bolsonaro. Uma forma de trazê-los a Goiânia e dizer: ‘olha, eu vou aparecer junto com vocês.’ O título virou, então, não só uma coisa de voto, mas de prestígio, igual na Roma Antiga, de prestígio social, dessas trocas. Ele dá para um coronel de polícia, ele dá para um presidente de uma associação médica. Em geral, esses títulos são dados para pessoas com associação social”, explica.
Além disso, o título de cidadania acabou, em um cenário cada vez mais recente, como forma de defesa da ideologia política particular de quem propõe a honraria. E o que mais chama atenção: quem realmente faz muito pela aquela localidade acaba sequer sendo reconhecido nas casas legislativas brasileiras. “Eu não vi um gari receber um título de cidadão goiano. Nunca vi isso. Ou seja, a cidadania é negada para quem é vulnerável. E a cidadania é alargada para quem já tem dinheiro e condições financeiras melhores.”
E será que é possível ressignificar isso? O processo é passar a entregar esse título para quem realmente move a cidade: um gari, um sepultador, um motorista, uma dona de casa. Essas pessoas, dentre muitas outras, são tidas como invisíveis. São essas pessoas que chegam aos postos de saúde e não encontram vaga. As mesmas que não têm vaga para o filho na escola, as mesmas que sobrevivem com um salário mínimo e que abrem mão dos sonhos para colocar comida à mesa.
Para Júlio, essa seria a forma de fazer com que esses títulos não desapareçam, assim como foi em Roma.
“Seria inaugurar uma nova estética do reconhecimento, da afeição às pessoas. Porque a maioria da gente, enquanto sociedade, odeia quem é pobre, a gente não gosta de preto, a gente não gosta de mulher, não gosta de gay. O brasileiro não gosta de ninguém, mas a gente tem o mito do homem e da mulher cordial que acaba fingindo que gosta de todo mundo. Jamais um político importante vai dar um título de cidadania para o seu João lá da esquina ou para a dona Maria que criou seis filhos vendendo alface. Como não tem isso, a tendência é que esses títulos vão se esvaziando. Porque grande parte da população tem isso negado e ela está mudando a forma de votar”, avalia.

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