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Na quinta-feira, 28, o Brasil registrou a maior ofensiva contra a infiltração do crime organizado na economia formal. Três operações, sendo a Carbono Oculto a mais importante, mobilizaram 1.400 agentes em dez estados para desarticular esquema de fraudes, lavagem de dinheiro e sonegação tributária comandado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). De postos de combustível em Goiás às Fintechs da Faria Lima, em São Paulo. 

Rapidamente, as operações foram politizadas. Primeiro, se iniciou a disputa pela paternidade da operação. Lula (PT) chamou de “a maior resposta ao crime organizado de nossa história”, afirmou que a operação se iniciou no núcleo de combate ao crime organizado do Ministério da Justiça — o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, concedeu entrevista coletiva. O governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), gravou um vídeo dizendo “Em São Paulo, o crime organizado não terá vez”. 

A realidade é que tudo foi deflagrado a partir dos trabalhos do autônomo e independente Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, e da Receita Federal. Robinson Sakiyama Barreirinhas, secretário especial da Receita Federal, deu entrevista coletiva aprofundando a politização da operação: afirmou que a campanha de Nikolas Ferreira contra a instrução normativa que previa fiscalização sobre transações do Pix favoreceu a atuação do PCC. 

Barreirinhas não citou explicitamente o deputado, apenas sua campanha com 9 milhões de visualizações no YouTube e Instagram, e terminou por associar Nikolas Ferreira com o PCC por meio de um texto que já se repete na imprensa, tribuna e redes sociais, e que já começa a se consolidar. Na realidade, é improvável que o deputado tenha conseguido, voluntariamente ou não, contribuir para o crime organizado. 

A campanha contra o endurecimento da vigilância ao Pix aconteceu em janeiro deste ano. Mesmo se não existisse Nikolas, o prejuízo ao PCC com a normativa estaria em vigor há poucos meses, insuficientes para que a facção estabelecesse 40 fundos de investimento com patrimônio superior a R$ 30 bilhões. A fala do secretário Barreirinhas é, acima de tudo, senha política. Não se trata de defender o deputado (e sua campanha oportunista), mas de afirmar o óbvio: o combate às facções começa a ficar em segundo plano, com a disputa pela capitalização política em véspera de ano eleitoral. 

Crime e política

As investigações mostraram que o PCC operava quatro usinas produtoras de álcool, um terminal portuário e 1.600 caminhões de transporte de combustíveis. Tinha mais de 100 imóveis, incluindo seis fazendas no interior de São Paulo (avaliadas em R$ 31 milhões) e uma residência em Trancoso (BA) comprada por R$ 13 milhões. Importava metanol, nafta e diesel, usados na adulteração de combustíveis e para fraudes fiscais de R$ 7,6 bilhões. Além de usar fintechs para movimentar valores sem rastreamento, inclusive em postos de fachada e padarias.

Funcionava assim: além de exercer atividades criminosas, o PCC fatura com a sonegação de atividades lícitas, como postos de gasolina. Esses recursos gerados por atividades lícitas eram colocados no sistema financeiro através de Fintechs e empresas de fachada. Essas operações financeiras se espalhavam através de corretoras e fundos, convertidas em ativos legais. 

As Fintechs têm um buraco regulatório, a possibilidade de formar uma “Conta Bolsão”. O PCC pode depositar dinheiro vivo em uma conta em nome da Fintech, que pode por sua vez abrir contas em bancos conhecidos ou desmembrar os recursos em fundos de investimento. O fracionamento desse dinheiro em movimentações pequenas (smurfing) não chamam a atenção da Receita Federal. 

A Receita tentou obrigar as fintechs a fornecer mais informações, mas houve gritaria e o governo recuou. Agora, o governo informou que vai editar uma nova instrução normativa para submeter fintechs às mesmas regras de transparência e prestação de informações já aplicadas a bancos tradicionais. 

A mudança é necessária; a Receita sabia de sua necessidade e ainda assim recuou diante da pressão por cálculo político. A alegação de que “a culpa é de Nikolas” não faz sentido, porque Nikolas não é governo. A oposição não precisa aprovar; faz parte da atividade de governar suportar pressões em nome do que se considera necessário. O recuo, à época, se mostrou como vulnerabilidade, uma disposição de ser dirigido pelo marketing político e pela percepção pública. 

Algumas empresas foram acusadas por não saber quem eram os donos do dinheiro em seus fundos. Muitos tinham apenas um cotista, que era outro fundo. Essa estratégia de criar camadas é utilizada para ludibriar investigações. É um nível de sofisticação que lembra o das máfias americanas. 

As máfias americanas também começaram com atividades criminosas, avançaram para atividades lícitas e aos poucos legitimaram o patrimônio até se tornarem indistinguíveis e entremeadas no empresariado e governo. O fluxo de dinheiro vai abrindo portas, permitindo que mafiosos conheçam empresários e políticos, dando projeção social, até chegar ao ponto em que as máfias podem abrir mão das atividades mais arriscadas como tráfico de drogas e possam se sustentar com rendimento apenas com atividades lícitas. 

No caso dos Estados Unidos, máfias ítalo-americanas usaram a construção civil, cassinos e limpeza urbana. Esse momento é retratado em séries como Os Sopranos e filmes como a trilogia O Poderoso Chefão.