COMPARTILHAR

Flávio Dino indicou que empresas podem ser punidas caso (para escapar de sanções nos Estados Unidos) apliquem as sanções da Magnitsky contra Moraes no Brasil. A decisão ameaça apenas os brasileiros. Para justificá-la, dois mal-entendidos se tornaram comuns: primeiro, de que a Magnitsky seria a aplicação de uma lei estrangeira no país; o segundo mal-entendido é o de que a decisão poderia vencer a sanção americana e proteger Alexandre de Moraes. 

A Lei Magnitsky não dá ordens no Brasil, mas tem consequências no Brasil em função da integração do sistema Swift pelo mundo. É uma sanção que acontecerá nos EUA, para empresas que executem operações em dólar com Alexandre de Moraes, sancionado. Desta forma, a decisão de Dino não afeta empresas americanas que cumpram a Magnitsky, mas afeta bancos brasileiros que operam nos Estados Unidos. Para o povo, a insegurança: no pregão de terça-feira, 19, os cinco maiores bancos do Brasil totalizaram perdas de R$ 41,98 bilhões em valor de mercado. 

Os americanos não estão preocupados. A mensagem de defesa do STF para o sistema financeiro e para o Brasil incomoda apenas os brasileiros. A decisão segue a lógica de autodefesa em que a Corte atua desde o inquérito das Fake News, e que se acirrou após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. 

Autoridades como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) parecem ignorar que o mundo mudou. Desde Trump, não se pode mais esperar que o comportamento dos EUA siga protocolos; a política agora é guiada por personalismo, adulação, afronta, demonstrações de poder. A suposta defesa da soberania, que arrisca o colapso de grandes bancos, nada tem de patriótica. 

Para escapar de punições do STF e em nome da “soberania”, essa figura de linguagem, bancos onde brasileiros têm contas podem prescindir da existência nos Estados Unidos? O Banco do Brasil, instituição onde funcionários públicos recebem seu salário, foi a que mais perdeu com toda a insegurança e já indicou que não pode deixar de operar no sistema financeiro internacional.  Na quinta-feira, 21, o Banco do Brasil bloqueou um cartão de crédito de bandeira americana de Alexandre de Moraes — uma vitória americana na queda de braço e uma tendência. 

Visões de mundo

Na quarta-feira, 20, Flávio Dino afirmou em evento no Tribunal Superior do Trabalho (TST): “É esse deserto institucional que o Brasil atravessa que chama o Judiciário ao hiperativismo. Porque, vamos convir, muita coisa que deveria ser resolvida pelos outros, não é?”. “[O STF] é chamado ao ativismo o tempo inteiro, quase como se fosse uma tentação satânica”. “Sabe Jesus Cristo no deserto?” 

As declarações de quem se põe no lugar de Cristo revelam visões de mundo: todas as brechas devem ser ocupadas. Fora do alcance do STF, há apenas o caos. “Tudo o que existe na criação sem o meu conhecimento, existe sem o meu consentimento” (Juiz Holden, Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy). 

Na prática, a decisão ignora a vida cotidiana — empresas que contratam prestadores de serviços estrangeiros fecham acordos em que uma das partes está obrigada a seguir legislações estrangeiras. O STF, proibindo a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras referendadas pela Justiça brasileira, vai homologar caso a caso? 

O site do Jornal Opção, por exemplo, está hospedado no Cloudflare, uma empresa americana, que segue decisões judiciais americanas mesmo quando opera junto a seus clientes brasileiros. Além dos Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido, a Austrália e o Canadá são países com suas próprias versões da Lei Magnitsky, com sanções voltadas a indivíduos envolvidos em corrupção, abusos de direitos humanos e autoritarismo. 

Não se trata de um problema legal: a questão é política. Novamente, os tempos mudaram. Se antes as relações internacionais eram regidas pelo espírito da cooperação global, da integração das cadeias de produção, da queda dos muros, hoje vivemos um expansionismo — não bélico, mas econômico. Estados Unidos, Rússia e China se valem de suas potências econômicas para pressionar os mercados emergentes, conectados e dependentes. Essa é a arma dos novos impérios contra as tentativas de pulverização do poder.

STF rachado?

Como sempre ocorre na sequência de uma decisão polêmica proferida por um ministro do Supremo, surgem na imprensa notas reportando suposta divisão entre os membros da corte. O movimento é importante para comunicar a independência dos togados — exigência institucional. Entretanto, a Corte age para referendar Dino, como referendou Alexandre de Moraes após a decisão de pôr tornozeleira eletrônica em Bolsonaro, em meio a divergências calculadas. 

Desta vez, o relato veio no G1, em coluna de Valdo Cruz: “Dino atropelou Zanin, avaliam ministros do STF”. Cristiano Zanin é o relator de uma ação que pede para que os bancos brasileiros não bloqueiem contas de Moraes no Brasil, impetrada por Lindbergh Farias (PT-RJ). Valdo Cruz escreve: “Alguns colegas de Flávio Dino dizem que ele errou ao puxar para si um caso que está nas mãos do ministro Cristiano Zanin”.