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Na última quinta-feira, 14, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou em evento em Pernambuco que o Brasil “não vai ficar de joelhos” para os Estados Unidos. O presidente da República afirmou que o presidente americano Donald Trump mente ao chamar o país de “péssimo parceiro comercial”. Disse ainda que “não vai ficar chorando, rastejando” e “vai procurar outros países para abrir novos mercados a produtos brasileiros”, disse Lula. 

Há que se fazer a verificação dos fatos em duas alegações de Lula. A primeira é a de que o Brasil não é um péssimo parceiro comercial. Aqui, Lula tem razão. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Brasil mantém déficit comercial com os Estados Unidos desde 2009. Trump diz que o país aplica tarifas tremendas sobre os EUA — não é verdade. A tarifa média sobre produtos americanos importados cobrada pelo Brasil é de 2,5% — muito menos do que a recíproca. 

Entretanto, a verdade dos fatos não é do interesse de Donald Trump; seu método consiste em mentir, distorcer, criar uma narrativa e apostar nela até o fim. Suas versões, criando vida própria no noticiário internacional, se tornam objeto de debate e passam a constituir uma realidade discursiva alternativa, em que muitos americanos habitam. 

Outra afirmação de Lula que merece o fact check é “o Brasil vai procurar outros países”. Aqui, há um problema. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial, correspondendo a 12% das exportações e 15% das importações brasileiras em janeiro de 2025. O país não pode prescindir dos Estados Unidos. Lula diz que “não vai ficar chorando” — quem vai chorar não é Lula, são os produtores e exportadores brasileiros. A obrigação do presidente é ouvir o setor que movimenta mensalmente R$ 42 bilhões e negociar. 

Sua fala parece motivada pela promessa de que a “defesa da soberania” brasileira pode melhorar a imagem do presidente. Por enquanto, trata-se de promessa, porque a melhora na aprovação e diminuição da rejeição não foram medidas por pesquisas publicadas. É apenas discurso eleitoral — os interesses dos exportadores brasileiros estão na conciliação e não no acirramento do conflito. 

O cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe, é um dos pensadores que avaliou que o tarifaço de Trump melhorou a aprovação de Lula, apesar de a percepção geral da economia ainda apresentar desafios para o governo. “A desaprovação dos brasileiros ao tarifaço de Trump é notavelmente alta, superando os 60%. Essa rejeição popular tem sido um trunfo para o posicionamento do presidente”, afirmou à CNN

Quando se diz “negociar”, não se trata de Lula telefonar para Trump como foi sugerido na imprensa. Trump, sendo, Trump, opera na imprevisibilidade; o ideal é que a negociação ocorra por intermédio de empresários americanos. Foram eles que negociaram a isenção de determinados produtos brasileiros, como por exemplo a laranja. As lavouras americanas de laranjas foram dizimadas pela doença huanglongbing (HLB), também conhecida como greening, e os EUA confiam na produção brasileira. Por isso, a afirmação de Lula sobre “procurar outros países” não pára em pé: alguns setores dependem especificamente dos EUA e não têm alternativas além do acordo. 

A mesma isenção pode ser acordada para outros setores. Sem as isenções, a fruticultura brasileira previa perdas de até R$ 4,3 bilhões ao ano, com a exportação para os EUA representando 41,7% do volume exportado. Isso é, na prática, defender os interesses do Brasil e, em última instância, sua soberania. Todo o resto é discurso eleitoral fora de época. 

Malu Gaspar, no Globo, ouviu exportadores e reportou que o setor não enxerga esforço para tratar do impasse, nem via telefonema e nem nos bastidores. A estratégia brasileira para contornar as tarifas de Trump aparentemente não existe. 

O ruído na negociação

Atravancando o diálogo, há o interesse eleitoral. “Eu conheço esse homem e vou lhe dizer — acho que ele é um homem honesto. O que fizeram é uma coisa… Isso é realmente uma execução política que estão tentando fazer com o Bolsonaro”, afirmou Trump sobre o ex-presidente.

Se, durante a pandemia, o discurso de Eduardo Bolsonaro incentivava os brasileiros a irem ao trabalho para salvar a economia, agora sacrifica a economia para salvar a própria família. Em entrevista à BBC News, Eduardo Bolsonaro disse: “A nossa liberdade vale mais do que a economia”. Afirmou ainda: “Estou disposto a ir às últimas consequências para retirar esse psicopata do poder”, se referindo ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Por um lado, a tese de que as tarifas aconteceram em função de Bolsonaro é excêntrica porque colocaria o Brasil como único país sancionado por razões não-comerciais. Também é recomendado ceticismo antes de acreditar em tamanha importância da família Bolsonaro junto ao governo dos EUA. Por outro lado, os atritos criados pela família do ex-presidente certamente não ajudam. 

Na visão do filho do ex-presidente, o Brasil precisa ser salvo do próprio Brasil pela tutela americana. Eduardo Bolsonaro declarou à BBC: “Se você me explicar que eu devo parar meu trabalho, as sanções serão retiradas, e que isso vai trazer benefícios para a população brasileira, eu paro agora. Mas se a gente fizer isso, o Brasil vai voltar para o caminho em que ele estava, de consolidação do atual regime, e vai virar uma Venezuela. A gente só vai ter uma direita permitida no fantasioso do jogo democrático onde o Brasil vai ser apenas uma democracia formal. E não é isso que eu desejo.”