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A comissão mista que discute a reestruturação dos ministérios do governo Lula (PT) aprovou na quarta-feira, 24, uma mudança que, na prática, desossou o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o recém criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI). O relator Isnaldo Bulhões (MDB-AL), apontado pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), tirou das pastas algumas de suas principais atribuições e o governo liberou sua bancada para votar como quisesse. 

A Medida Provisória (MP) em discussão precisa ser aprovada em definitivo até o dia primeiro de junho, ou a estrutura da Esplanada volta a ser aquela do governo Bolsonaro (PL). O que parlamentares afirmam é que Lula foi desorganizado ou relapso ao deixar a questão desassistida até o último momento, fazendo com que o centrão ficasse livre para colocar a faca no pescoço sob ameaça de não aprovação da MP. 

As mudanças práticas do relatório de Isnaldo Bulhões:

  1. O MMA perde a competência para monitorar o desmatamento via Cadastro Ambiental Rural (CAR). A ferramenta vai para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos;
  2. O MMA perde também a capacidade de fiscalizar o saneamento básico pela Agência Nacional das Águas (ANA),que vai para o Ministério das Cidades;
  3. Ministério dos Povos Indígenas perdeu suas duas principais atribuições para o Ministério da Justiça: demarcar terras indígenas e administrar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Na opinião dos técnicos do MMA, o risco é de que as políticas sejam geridas pelo ponto de vista do uso dos recursos para projetos, e não da integridade ambiental. Alguns dos beneficiários da nova distribuição pertencem ao centrão e ao próprio partido de Bulhões, como o ministro das Cidades Jader Barbalho Filho (MDB). O caso é uma enorme derrota para o governo, ainda que, mal disfarçadamente,o PT tenha publicado nas redes sociais “Vitória! A Comissão Mista acaba de aprovar parecer favorável à MP da organização ministerial do governo Lula”.  

Por um lado, há o entendimento de que Lula se desgastou com batalhas menos significativas e não teve fôlego para consolidar suas mudanças ministeriais. Na disputa por poder entre Lira e Pacheco (PSD), os presidentes do Legislativo passaram meses sem se falar – período precioso perdido em que a tramitação de medidas provisórias como essa poderiam ter sido debatidas. Desde o início, o governo foi chamado a estabelecer um diálogo entre as Casas, mas nada fez.

Agora, Alexandre Padilha, ministro das relações institucionais e responsável pela articulação, elogia Isnaldo Bulhões. Elogiaria qualquer relator e relatório, pois a alternativa seria ainda pior: regredir ao formato deixado pelo último governo, com a revogação de todas modificações impostas por força da MP. Não importa o quanto o Executivo garanta o contrário, foi uma dupla derrota: em parte, porque o governo patina no Congresso, mas principalmente porque trata-se de um “desmonte da área ambiental”, conforme afirmou a própria Marina Silva. 

Colocar o meio ambiente em prioridade foi mais do que uma promessa de campanha eleitoral no Brasil, foi a propaganda feita por Lula no exterior. O compromisso brasileiro para com o meio ambiente é maior do que assunto nacional, é uma responsabilidade para com a herança humana e é solução para uma crise global de alterações climáticas. Lula recebeu em votos o bônus de ter Marina Silva em seu time, mas se recusa a honrar a dívida assumida, e o desmonte do MMA é só o começo. 

A briga do presidente contra o Ministério do Meio Ambiente começou semanas atrás, quando o Ibama emitiu parecer contrário ao estudo da Petrobras para exploração do petróleo na bacia da Foz do Amazonas, na costa do Amapá. A possibilidade de extrair petróleo sem causar danos ambientais é questão técnica para o Ibama verificar – o problema central é que, mesmo que dê certo, vai dar errado. O governo Lula compra mais uma batalha errada.

Da mesma forma como Lula não colheu os benefícios pela exploração do pré-sal, não conseguirá colher benefícios do óleo no Amapá porque a operação pode levar até 15 anos e porque, neste momento, o mundo estará em meio ao movimento de abandono dos combustíveis fósseis. É improvável que o presidente não tenha aprendido a lição; o mais plausível é que os proponentes da ideia lutem pela valorização da Petrobras e por verbas para viabilizar o projeto. 

Lula pensa estrategicamente. Na campanha, usou Marina Silva para se diferenciar de Bolsonaro. No Congresso, usa o petróleo para agradar parlamentares do Amapá. Em encontros com industriais, usa benefícios fiscais para conquistar apoio. Lula anunciou um incentivo de 11% para “carros populares” (hoje o carro novo mais barato do Brasil custa R$ 67 mil), em um claro improviso que não estava nos planos do ministro da fazenda Fernando Haddad (PT), que luta por corte de incentivos fiscais, e nem nos do ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB). 

O Planalto chegou a planejar a cerimônia de lançamento do programa na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mas o evento precisou ser desmarcado, em mais uma prova de que o governo está desconjuntado e mal-ajambrado consigo mesmo. Isso porque, ao calcular quanto o governo deixará de arrecadar ao conceder incentivos fiscais, a equipe do vice-presidente Geraldo Alckmin incluiu na conta a projeção de aumento de receita com o incremento das vendas de carros, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. O texto não tinha sido submetido ao jurídico do Ministério de Alckmin e acabou barrado na Fazenda antes mesmo de ser levado à Casa Civil. O sinal é claro: Lula improvisou e Alckmin teve de se virar em tempo. 

Enquanto a equipe ministerial apresenta propostas modernas, Lula parece ter a cabeça no início dos anos 2000. Apesar de fazer o indivíduo se sentir bem, o carro para todos é uma pauta coletivamente perniciosa por ser anti-ambiental, anti-saúde pública e antieconômica (na prática, os benefícios fiscais às montadoras de automóveis são uma forma de transferir recursos públicos para as matrizes das empresas internacionais).