Desgaste de Bolsonaro obriga a direita a mudar planos para eleições em Goiás

07 maio 2023 às 00h00

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A sequência de notícias negativas envolvendo o ex-presidente pode obrigar o Partido Liberal a mudar seus planos para as eleições municipais de 2024. Interlocutores próximos a Jair Bolsonaro foram ouvidos em reportagem do Jornal Opção e revelaram que a ordem é fortalecer o Partido Liberal nas prefeituras. Há expectativa de que Bolsonaro venha ao estado participar das campanhas municipais e produza vídeos de apoio aos prefeitos da sigla. Entretanto, com o desgaste de sua imagem, o apoio do ex-presidente pode se tornar menos compensador do que o previsto.
Nas últimas semanas, jornais noticiaram ostensivamente a fraude aos registros do Sistema Único de Saúde para falsificar o certificado de vacinação de Bolsonaro. A trama suplantou o espaço nas manchetes ocupado pela história das jóias árabes contrabandeadas para o acervo pessoal do ex-presidente – essa, por sua vez, tirou os holofotes dos incentivos aos atos golpistas de 8 de janeiro.
O desgaste da imagem pública de Bolsonaro não se reflete diretamente na disposição dos prefeitos se associarem ao PL – afinal, são personalidades políticas emergentes de cidades interioranas, e o apoio de qualquer liderança nacional é muito significativo. O efeito é indireto, mais complexo.
A deputada federal Magda Mofatto e o marido Flávio Canedo pertenciam ao PL há mais de uma década. Em março deste ano, ambos já tinham autorização do presidente nacional do partido, Valdemar da Costa Neto, para se desfiliar. A razão para a partida dos veteranos do PL em Goiás de seu próprio partido foi a desarrumação provocada por Bolsonaro, a quem Mofatto e Canedo apoiaram em 2022.
Desde 2013 na presidência estadual do partido, Flávio Canedo foi forçado a deixar o comando da sigla antes das eleições de 2022 para dar lugar a Vitor Hugo, nome de Bolsonaro para disputar o governo do estado. Em janeiro deste ano, o senador Wilder Morais se tornou o presidente do partido, também contra a vontade de Mofatto.
Acontece que, tendo comandado o PL em Goiás por dez anos, Mofatto e Canedo foram os responsáveis por construir a base do partido nos municípios. São 14 prefeitos da legenda, que têm sido chamados a acompanhar Mofatto e Canedo em sua migração. A ligação entre PL e o governador Ronaldo Caiado (UB) já se tornou mais determinante para a permanência dos prefeitos na sigla do que a possibilidade de eventualmente receber apoio de Jair Bolsonaro.
Por um lado, existe a perspectiva de inelegibilidade de Bolsonaro crescendo no horizonte, fazendo com que associar-se a ele tenha cada vez menos vantagens. Por outro lado, Goiás tem um dos eleitorados mais conservadores do Brasil – no estado, o ex-presidente obteve 58,71% dos votos no segundo turno de 2023. No equilíbrio das forças, o terreno é fértil para o surgimento de novas lideranças que ocupem o lugar deixado por quem já teve a caneta na mão – alguém que se pareça com Bolsonaro mas que não seja Bolsonaro.
Algumas tentativas de manifestar o espírito do bolsonarismo desencarnado já são esboçadas. Em nível local, Gustavo Gayer (PL) faz manchetes como fez Bolsonaro quando era oposição – sua última peripécia foi pressionar uma universidade a vetar o livro de sua lista de lista de indicações para o vestibular; um episódio essencialmente bolsonarista. Em nível nacional, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); e a própria ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL) disputam o posto de líder da direita conservadora.
Hoje, talvez a principal liderança aglutinadora dos prefeitos de direita em Goiás seja um nome de centro – Ronaldo Caiado. Em parte porque tem o poder da máquina, mas principalmente porque deixou de cometer o erro que Bolsonaro cometeu ao tentar controlar totalitariamente sua base de sustentação.
Quando saiu do PSL, Bolsonaro quis colocar seus nomes no comando de seu novo partido e assim desorganizou a casa em um nível atômico. Abaixo de sua atenção, nos municípios, redes de sustentação se romperam. Até agora, essa rede se manteve relativamente coesa por pressão do eleitor de Goiás, que quer a direita conservadora, e não por habilidade de articulação dos políticos.
Agora, com um eleitorado confuso pelas notícias de corrupção, os prefeitos e parlamentares não vão mais ser empurrados em conjunto na direção de um mesmo líder ideológico. O que podemos ver nos próximos meses é a fragmentação da antiga base de Bolsonaro, o constrangedor surgimento de imitadores da ideologia, a tentativa do partido de impor lideranças locais. A direita busca uma liderança espontânea, e seu tempo já começou a se esgotar.